12/04/2012

O murro de Mélenchon

Luís Fazenda. Tirado do Esquerda.net (aqui). Luís Fazenda é professor, deputado e líder parlamentar do Bloco de Esquerda.  Com valores a rondar os 15% nas sondagens para as eleições presidenciais francesas, Jean-Luc Mélenchon protagoniza o inesperado: a relevância de uma esquerda que não se rendeu ao liberalismo.



Esse sentimento de "juntar forças" para reivindicar uma nova etapa de conquistas políticas e sociais esteve bem presente no comício da parisiense e simbólica Bastilha, com mais de 100 mil pessoas que ali foram. Não por acaso, Mélenchon terminou o seu discurso dando um viva à bandeira vermelha! Ele que sustenta que a campanha preconiza uma revolução cidadã por uma nova República.

O candidato do Front de Gauche (englobando Parti de Gauche - liderado por ele mesmo, PCF, e Gauche Unitaire e várias associações políticas de esquerda) representa um frentismo com tradição na frente popular de 1936, de Jaurés. E mais proximamente, no programa comum PS-PCF da primeira eleição de Mitterrand (1980) de que ele próprio foi membro ativo. Melénchon destaca muito nos seus escritos e intervenções essas cíclicas convergências. O seu abandono do PS para formar o PG, em 2008,deveu-se à conclusão que o PS era irreformável para a esquerda. Atacou simultaneamente a cedência ao liberalismo, "terceiras vias, etc.", e a social-democracia que apenas preconiza a "regulação do capitalismo". Fê-lo em nome de um "socialismo republicano que ultrapasse os horizontes do capitalismo". O programa com que se apresenta a estas eleições de 2012 é disso sintomático: polo público financeiro, unificando a banca estatal e fazendo nacionalizações, impostos fortemente progressivos, taxar as transações in shore e off shore para idêntico imposto, romper com o tratado de Lisboa para uma nova Europa cooperativa, retirar as tropas do Afeganistão e abandonar a Nato, política de rendimentos a favor do salariato e da segurança social, planificação ecológica. Para tudo isto, reclama-se caminho para maioria social e política e para a eleição de uma Constituinte. Que um Programa radical, na atual adversidade de forças que enfrentam os progressistas, se possa impor como fator de esperança e só através desse programa se tenha conseguido ampliar a desiludidos do PS ou de organizações sectárias, ativando abstencionistas e despolitizados, esse é justamente um referente que não deve ser escamoteado.

Contudo, esse Programa não começa sem uma dura autocrítica, quer de Melénchon e seguidores, quer do Partido Comunista Francês, todos subscritores deste processo. "É preciso romper com as políticas seguidas pelos governos no poder nas últimas décadas. É claro, houve diferenças entre a política dos governos de direita e aquela dos governos de esquerda. Mas houve também infelizmente pontos comuns: a crença na construção atual, liberal, da União Europeia, a vontade de reduzir o "custo do trabalho", o desmantelamento dos serviços públicos, a recusa de enfrentar os bancos e os mercados financeiros". Vindo de um ex-ministro do governo de Jospin e de um parceiro desse governo, como os comunistas, são atitudes de grande significado estratégico para o reagrupamento socialista.

Num pequeno depoimento que gravei em vídeo para a campanha de Melénchon, disse que ele é um símbolo do arco-íris que a esquerda alternativa deve ser. Não foi uma simpatia de momento. Penso mesmo que a acumulação de forças alternativas na Europa para derrotar os liberais-conservadores só pode ser dinamizada à esquerda e não ao centro, o do pântano lembram-se?, como mostram os últimos 30 anos da social-democracia europeia. O arco-íris é, como se sabe, paleta de cores, diverso nas composições, não quer ser unitário porque é pluritário, mas não aliena conceitos de império e soberania, estado e propriedade, trabalho e classes que são o património comum do socialismo.

É interessante verificar a posição da candidatura sobre uma esperada 2ª volta: derrotar Sarkozy, sem tibiezas. Mas se ocorrer uma eleição de Hollande não contem com o Front de Gauche para fazer parte do governo francês, as políticas não são próximas nem miscíveis. Curiosamente, para as eleições legislativas, que vêm já a seguir, PCF e PS abandonaram acordos eleitorais que vinham desde o pós-guerra e que não poucas vezes manietaram o PCF.

O programa do Front de Gauche está articulado com programa, recentemente aprovado em congresso (Erfurt) do Die Linke da Alemanha. São bons prenúncios para a corrente de esquerda europeia, com espaço próprio. O murro de Jean-Luc Melénchon é um aviso ao austeritarismo mas, malgré tout, um arranque sem fronteiras.

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