05/07/2010

O futebol, esse leal aliado do capitalismo

Terry Eagleton, artigo tirado de aqui.



Se má cousa é o governo de Cameron para quem pretenda um troco radical, a Copa do Mundo é ainda pior. Recorda-nos a todos o que probavelmente seguirá atravessando-se no caminho desse troco muito tempo despois de que a coligaçom liberal - conservadora tenha morto. Se qualquer fundaçom inteletual dereitista tivera que dar com um esquema capaz de distraer a populaçom da injustiça política e compensá-la por umha vida de duríssimo trabalho, a soluçom sempre seria a mesma: o futebol. Agás o socialismo, nom se imaginou maneira mais refinada de resolver os problemas do capitalismo. E na concorrência entre socialismo e futebol, o futebol vai vários anos luz por diante.

As sociedades modernas negam aos homes e às mulheres a experiência da solidariedade, experiência que o futebol proporciona até o extremo do delírio coletivo. Muitos mecánicos e muitos dependentes de comércio sentem-se excluídos da alta cultura; mas umha vez por semana som testemunhas de representaçons artisticamente sublimes, executadas por homes para os que o calificativo de génios nom resulta, por vezes, hiperbólico. Como numha banda de jazz ou numha companhia de teatro, o futebol amalgama talento individual cegador e abnegado trabalho coletivo, resolvendo assi um problema sobre o que os sociólogos devanárom os sesos desde tempos inveterados. Cooperaçom e competiçom, astutamente equilibradas. A lealdade cega e a rivalidade a morte gratificam alguns dos nossos mais potentes instintos evolutivos.

O jogo, aliás, mistura encanto com ordinariez em sutis proporçons: os jogadores som de fatura heroica, mas umha das razons polas que os reverenciamos é polo seu carater de alter ego; facilmente poderiam ser qualquer um de nós. Só deus é capaz de combinar desta jeira intimidade e outredade, e hai tempo que foi ultrapassada com celebridade por este outro Um indivisível que é José Mourinho.

Numha orde social nua de ceremonia e simbolismo, o futebol ingressa para arriquecer esteticamente a vida de gentes para as que Rimbaud é um grande do cinema. O desporto é um espetáculo, mas, a diferença do oferecido polas paradas militares, cujo trabalho é qualquer cousa menos iteletualmente exigente, pode exibir umha asombrosa erudiçom à hora de lembrar a história do jogo ou de descrever analiticamente as detreças dos jogadores. Doctas disputas, dignas dos foros gregos germolam rebosantes em bares e mercados. Como no teatro de Bertolt Brecht, o jogo converte em expertos as gentes do comum.

O vivido sentido da tradiçom contrasta com a anésia histórica da cultura posmoderna, para a que qualquer cousa ocorrida hai dez minutos tem que ir parar ao lixo das antigüedades. Hai incluso um ponto de inflexom de género, porque os jogadores combinam a força do pugil com a gracilidade da bailarina. O futebol oferece aos seus seguidores beleza, drama, conflito, litúrgia, entrudo e a ímpar marca da tragédia, por nom falarmos da oportunidade de viajar a África e volver sem abandonar a carrada. Como algumha que outra fé religiosa, o jogo determina quê tés que pôr-te, com quem tés que associar-te, quê hinos tés que cantar e quê relicário de verdades transcendentes adotarás. Junto com a televisom, é a suprema soluçom para o inveterado dilema dos nossos políticos: quê hai que fazer com eles, quando nom estám trabalhando?

Durante séculos e em toda Europa, o carnaval popular, ao tempo que proporcionava às gentes do comum umha válvula de escape para os seus sentimentos subversivos - profanando images religiosas e fazendo ludíbrio das suas senhoras e amos, constituia um acontecimento genuinamente anárquico, um antecipo da sociedade sem classes.

Com o futebol, em troca, pode haver estouridos de populismo airado e rebelar-se os aficionados contra os peixes grossos empresariais que sacam peito nos seus clubes, mas nos nossos dias o largo do futebol é o ópio do povo, se nom o seu crack cocaínico. A sua icona é impecavelmente tory e servilmente conformista David Beckham. Os vermelhos já nom som os bolxeviques. Ninguém que seja sério e esteja a favor dum troco politico radical pode eludir a necessidade de abolir este jogo. E qualquer grupo que o intentasse, teria sobre pouco mais ou menos as mesmas possibilidades de chegar ao poder que o máximo executivo de British Petroleum de receber umha donaçom de Oprah Winfrey.


Terry Eagleton, internacionalmente reconhecido crítico cultural na tradiçom marxista británica de Raymond Williams, é professor de literatura na Universidade de Manchester. Publicou-se recentemente em castelhano (editorial Debate) o seu interessante livro de memórias: El portero.

2 comentários:

Paz Zeltia disse...

grazas por achegar este artículo tan interesante!

Paula Verao disse...

Certamente interesante, si.