Durante a sua visita à Colômbia, Noam Chomsky falou com exclusividade para a Semana.com.
O linguista e activista norte-americano visitou a Colômbia para ser homenageado pelas comunidades indígenas do Cauca. O cerro El Bosque, localizado no centro de Cauca, perto do Maciço Colombiano, foi rebaptizado de Carolina, o nome da sua esposa falecida em Dezembro de 2008. A homenagem é uma retribuição da comunidade camponesa local pela campanha que Chomsky fez em sua defesa. Os camponeses de Cauca, região que tinha um dos piores registos de direitos humanos do país, foram muitas vezes expulsos das suas terras pela guerra química – apelidada de “fumigação” – feita sob o pretexto da “guerra contra as drogas”.
Semana.com: Que significado tem para si esta homenagem?
Noam Chomsky: Estou muito emocionado, principalmente por ver que pessoas pobres se prestam a tais elogios, enquanto os mais ricos não dão atenção a este tipo de coisas.
Nesta fase da sua vida, o que o apaixona mais: o activismo político ou a linguística?
Tenho sido completamente esquizofrénico desde jovem e continuo assim. É por isso que temos dois hemisférios na mente.
Devido a esse activismo tem tido problemas com alguns governos – um deles, e o mais recente, foi o de Israel, que o impediu de entrar em território palestino para dar uma palestra.
É verdade, não pude fazê-lo, apesar de ter sido convidado por uma universidade palestiniana, mas deparei-me com um bloqueio em toda a fronteira. Se a palestra fosse pró-Israel, tinham me deixado passar.
Essa censura tem a ver com um de seus livros, intitulado “Guerra ou Paz no Médio Oriente”?
É provocada pelos meus 60 anos de trabalho pela paz entre Israel e a Palestina. Na verdade, eu vivi em Israel.
Como classifica o que acontece no Médio Oriente?
Desde 1967 foi ocupado o território palestino, e isso fez da Faixa de Gaza a maior prisão a céu aberto no mundo, onde a única coisa que resta a fazer é morrer.
Chegou a ter ilusões sobre as novas posições do presidente Barack Obama?
Já escrevi que é muito semelhante a George Bush. Fez mais do que esperávamos em termos de expansionismo militar. A única coisa que mudou com Obama foi a retórica.
Que pensou quando Obama ganhou o Prémio Nobel da Paz?
Meia hora após a nomeação, a imprensa norueguesa perguntou-me o que pensava disso e eu respondi disse: "Dado o seu registo, não foi a pior nomeação." O Prémio Nobel da Paz é uma piada.
Os Estados Unidos continuam a repetir os seus erros de intervencionismo?
Têm sido muito bem sucedidos. Por exemplo, a Colômbia tem o pior histórico de violação dos Direitos Humanos desde que começou o intervencionismo militar dos EUA no país.
Qual a sua opinião sobre o conceito de guerra preventiva que apregoam os Estados Unidos?
Esse conceito não existe, é simplesmente uma forma de agressão. A guerra no Iraque foi tão agressiva e terrível que lembra o que os nazis fizeram. Se aplicássemos a mesma regra, Bush, Blair e Aznar seriam enforcados, mas a força é sempre aplicada aos mais fracos.
Que vai acontecer no Irão?
Hoje há uma grande força naval e aérea a ameaçar o Irão, e só a Europa e os EUA acham bem. O resto do mundo considera que o Irão tem o direito de enriquecer urânio. Três países do Médio Oriente (Israel, Paquistão e Índia), desenvolveram armas nucleares com a ajuda dos EUA e não assinaram qualquer tratado.
Acredita na guerra contra o terrorismo?
Os EUA são os maiores terroristas do mundo. Não consigo pensar em qualquer país que tenha causado mais danos do que eles. Para os EUA, terrorismo é o que você nos faz, e não o que nós lhe fazemos.
Há alguma guerra justa dos Estados Unidos?
A participação na Segunda Guerra Mundial foi legítima e aconteceu tarde demais.
Esta guerra por recursos naturais no Médio Oriente pode ser repetida na América Latina?
É diferente. O que os EUA fizeram tradicionalmente na América Latina foi impor brutais ditaduras militares, que não são discutidas devido ao poder da propaganda.
A América Latina é realmente importante para os EUA?
Nixon disse: "Se não pudermos controlar a América Latina, como poderemos controlar o mundo?"
A Colômbia desempenha algum papel na geopolítica norte-americana?
Parte da Colômbia foi roubada por Theodore Roosevelt com o Canal do Panamá. Desde 1990, este país tem sido o maior receptor de ajuda militar dos EUA, e a partir desta mesma data tem o maior registo de violação de direitos humanos no hemisfério. Antes, o recorde era curiosamente de El Salvador, que também recebeu ajuda militar.
Está a sugerir que essas violações têm alguma relação com os Estados Unidos?
No mundo académico, concluiu-se que existe uma correlação entre a ajuda militar dada pelos EUA e a violência nos países que a recebem.
Qual a sua opinião sobre as bases militares dos EUA na Colômbia?
Não são uma surpresa. Depois de El Salvador, é o único país da região disposto a deixar que se instalem bases militares. Enquanto a Colômbia continuar a fazer o que os EUA lhe peçam que faça, nunca irão derrubar o governo.
Está a dizer que os EUA derrubam governos na América Latina?
Nesta década apoiaram dois golpes. O fracassado golpe militar na Venezuela em 2002, e em 2004 sequestraram o presidente eleito do Haiti e mandaram-no para a África. Mas agora é mais difícil fazê-lo, porque o mundo mudou. A Colômbia é o único país latino-americano que apoiou o golpe em Honduras.
Tem alguma coisa a dizer sobre as actuais tensões entre a Colômbia, a Venezuela e o Equador?
A Colômbia invadiu o Equador, e não conheço nenhum país que lhe tenha oferecido apoio, a não ser os Estados Unidos. E quanto à Venezuela, as relações são muito complicadas, mas defendo que melhorem.
A América Latina continua a ser uma região de caudilhos?
Foi uma tradição muito má, mas, nesse sentido, a América Latina tem progredido e pela primeira vez o cone sul do continente está a avançar para uma integração que supere os seus paradoxos, como por exemplo ser uma região rica, mas com uma grande pobreza.
O tráfico de drogas é um problema exclusivo da Colômbia?
É um problema dos Estados Unidos. Imagine-se se a Colômbia decidisse fumigar a Carolina do Norte, ou o Kentucky, onde se cultiva tabaco, que provoca mais mortes do que a cocaína.
Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net
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