20/09/2010

Com a greve, sim, mas

Carlos Taibo. Artigo tirado de aqui.


Nom é o mesmo afirmar que um vai ir à greve o dia 29 que sustentar que um apoia essa greve.
Esta última expressom, muito espalhada, tem o seu aquele por duas razons: porque se assenta, num grau ou outro, na percepçom de que a greve é cousa de outros e porque revela certo receio perante o que fam esses outros.
Embora o correcto –parece-me– seja aseverar que um vai ir à greve, razons nom faltam, claro, para se situar na segunda das perspectivas. E é que a convocatória que assumírom, em lugar principal, CCOO e UGT deixa-nos a muitos tam descontentes que por força temos de alimentar esses receios de que falava. Identificarei duas das razons que nom faltam.
A primeira nom é outra que a própria condiçom desses sindicatos que demos en descrever como maioritários. Acho que um deve sustentar com firmeza que se estamos onde estamos isto é em boa medida resultado da miséria que as direcçons dessas duas forças sindicais tolerárom e estimulárom. Eis, para o certificar, as suas fraquíssimas contestaçons perante os decénios de desregulaçom e recuo em matéria de direitos, o abandono com que obsequiárom tantas vezes os trabalhadores que brigavam por algo distinto e o assentamento de burocracias mais empenhadas em preservar os seus relativos privilégios do que em acudirem em socorro dos mais castigados. Quem achar que o financiamento público dos sindicatos nada tem a ver com todo o anterior temo-me que decidiu dar as costas à realidade.
Às vezes pergunto-me qual tivo de ser a profundeza das agressons que o governo socialista infligiu nos últimos meses para que estes sindicatos que me ocupam tenham, ao fim, reagido. E percebo à risca os temores que as cúpulas de CCOO e UGT sentem perante a possibilidade de um fracasso sonoro da greve: nom pode ser doutro jeito quando se tenhem abandonado desde muito tempo atrás a luita e a mobilizaçom. Acrescentarei que nom percebo nengum indicador sólido de mudança: como queira que a minha impressom é que os sindicatos maioritários se aprestam a cumprirem, sem mais, com o expediente --para evitarem um descrédito maior nom tinham outro remédio que convocarem umha greve--, a ideia de que o nosso dever nestas horas consiste em suster esses sindicatos é-me por completo alheia: de assumir tal caminho nom estaremos a fazer outra cousa que suster, em paralelo, as regras do jogo que nos conduzírom a este desfeita.
Maior relevo corresponde, contodo, à segunda razom que desejo invocar. Convém que determinemos por que e para que vamos à greve. Que a crise a estám a pagar os deserdados de sempre e que os nossos governantes cada vez estám mais próximos aos poderosos é umha obviedade, como o é que as medidas arbitradas polo Partido Socialista som ignominiosas. Até aqui todos estamos --parece-- de acordo. Mas importa, e muito, estabelecer qual é o diagnóstico das causas da crise que achegam as cúpulas –volto à carga com estas– dos sindicatos maioritários. Responder essa pergunta resulta singelo: o que nos dim é que a desregulaçom que tem acompanhado o projecto neoliberal conduziu a um cenário, muito delicado, de retrocesso quanto aos direitos sociais e laborais. Assim as cousas, a soluçom semelha simples: reconstruamos, sem mais, a regulaçom perdida. Noutras palavras: 'Meu deus, que fique todo como estava uns anos atrás'.
Dá nas vistas –acho eu– que semelhante diagnóstico nom pode ser mais infeliz, e entre outros motivos por um: tende umha ponte de prata ao capitalismo que padecemos e nom parece iluminar nengum horizonte fora de este. Quando todas as reivindicaçons de CCOO e UGT contentam-se com defender –vamos supor, generosamente, que é realmente assim– ordenados, pensons e empregos, temo-me que por trás há um sinal sólido, mais um, de podridom. Um dos indicadores mais rijos ao respeito é o facto de essas forças sindicais –e com elas o grosso da esquerda política– continuarem sem tomar nota da crise ecológica que começa a o inundar todo. Ou, o que é o mesmo, continuam ensopadas dessa lamentável vorágine de produtividade, competitividade e crescimento que o capitalismo contemporáneo vende sem rebuço em menoscabo dos direitos das vindouras geraçons. Que chamativo resulta, a propósto disto, que um sugerente manifesto de reivindicaçom da greve subscrito por numerosos ecologistas apareça agora abrigado, em benefício do sucesso do 29-S, nos sites dos sindicatos maioritários, que preferem ignorar que nas suas linhas há umha crítica, e radical, das carências que CCOO e UGT exibem de sempre.
Que tenhem de ser defendidos ordenados, pensons e empregos parece-me evidente. Tanto como que tem de ser reclamado algo mais num cenário no qual, falando disto, os sindicatos há tempo que deixárom de falar de exploraçom e de alienaçom, como se uns euros mais ao final de mês convidassem a esquecer umha e outra. E é que, como queira que o que está em crise nom é o capitalismo desregulado, senom o capitalismo em si, qualquer aposta que atenda em exclusiva à reconstruçom da regulaçom há ser pam para hoje e fame para amanhá.
Que triste parece, em fim, que sejam tantas as pessoas que pensam que todo o que podem fazer para protestarem e resitirem perante o cenário destas horas é participarem num acto simbólico como ao cabo é umha greve geral. Há três quartos de século, a CNT, que algo sabia destas cousas, permitiu-se agregar um inócuo adjectivo à proposta. Reclamava entom umha greve geral... indefinida.

Nenhum comentário: