29/09/2010

Democracia e autogestão como forças produtivas

Guillermo Almeyra, artigo tomado de aqui. A traduçao é de Helena Pita e o artigo original apareceu em castelhano em La Jornada.



Previsivelmente, a crise mundial – a que se junta o criminoso bloqueio dos Estados Unidos – aumentará ainda mais o seu peso sobre Cuba, reduzindo o turismo e até as remessas dos cubanos emigrados. As dificuldades crescentes da economia venezuelana, bem como o agravamento dos desastres climatéricos, são também factores que é preciso ter em conta quando se pensa em medidas para tirar do fundo do poço a economia da ilha e para reduzir as tensões sociais e políticas, num país mergulhado numa crise profunda há mais de 20 anos (a vida de toda uma geração) e que não vê no horizonte nem mudanças reais, nem objectivos animadores, mas apenas uma dura luta pela sobrevivência, dirigida, além disso, pelo mesmo sistema e pelos mesmos quadros que o fizeram chegar à dramática situação actual ou que não souberam evitá-la.

Para sair desta crise, que se agrava com a crise mundial mas que se vem arrastando há décadas por causas especificamente cubanas, é necessário recorrer a todas as forças da população, à sua capacidade criativa, cultura e conhecimentos, mobilizá-la como protagonista de todas as decisões, como senhora do seu próprio destino, dar-lhe como objectivo a igualdade e a participação plena e criativa. Numa palavra, deixar de tratar os cubanos como súbditos e reconhecê-los como cidadãos plenos, mobilizando a sua vontade, consciência e desejo de socialismo. Não com palavras de ordem vazias e gastas mas perseguindo objectivos democráticos e autogestionários, para que o Estado não seja entendido como um poder acima da sociedade e que pretende controlá-la, mas como a gestão colectiva dos cidadãos na primeira pessoa.

A democracia não é um obstáculo no trabalho dos especialistas, burocratas e tecnocratas; é uma necessidade vital para aumentar a produção e a produtividade e para atingir novas criações colectivas.

Quem discutiu previamente as actuais medidas para sair da crise, medidas que permitem vender propriedades a estrangeiros, por 99 anos, quando os próprios cubanos não estão autorizados a comprá-las; que permitem a construção de uma grande quantidade de campos de golfe de 18 buracos (para estrangeiros), com custos enormes em água e em esforços; que eliminam totalmente o magro subsídio de desemprego ou a gratuitidade dos enterros? A Assembleia Nacional, que só se reúne a posteriori para referendar as decisões do vértice partidário? Um congresso ou uma conferência do Partido, sempre adiados, porque esse partido único, no qual milita o melhor e também o pior do funcionalismo cubano, está fundido com o aparelho estatal, com objectivos que não divergem deste, ao qual está subordinado e cujos dirigentes do Estado-Partido, evidentemente, não controla? Os chamados sindicatos, que em vez de serem a voz dos seus trabalhadores, são simplesmente uma parte da burocracia estatal, incapazes de dizer uma palavra face à perda de conquistas importantes e antigas, de avaliar as políticas do Estado, de apresentar propostas e contrapropostas surgidas em assembleias democráticas nas empresas?

Por que não se discutem as medidas governamentais em cada empresa, em cada bairro, em cada comunidade camponesa? Por que não se houve a voz e as sugestões daqueles que irão sofrer as consequências dessas medidas e que, ao mesmo tempo, terão de meter ombros para tirar a situação do atoleiro?

Uma crise é uma oportunidade de mudança. Em vez de recorrer apenas a um hipotético turismo ou a investimentos de luxo, por que não discutir que investimentos produtivos são hoje necessários e devem ser permitidos ao capital privado, na produção agro-alimentar e na distribuição de alimentos na ilha, por exemplo? Em vez de centralizar uma vez mais, por que não descentralizar e dar aos produtores poder de decisão e de organização a nível territorial e horizontal, colocando à sua disposição meios de produção e de transporte? O combate à burocracia não consiste apenas em reduzir o número de regulamentações absurdas e de funcionários excedentários ou improdutivos. Consiste, pelo contrário e fundamentalmente, em transferir o poder de informação e de discussão para os cidadãos, que são usuários-produtores-consumidores tolhidos por essa burocracia.

A democracia, a autogestão, a planificação a partir do terreno e dos locais de produção, a liberdade de emitir opiniões, de discordar, de se expressar, de se informar, são indispensáveis se se quiser arrancar a população de uma apatia e resignação desmoralizantes face às decisões que, partindo do vértice do Estado, lhes caem em cima tal como os furacões. Repetimos: a via chinesa ou vietnamita não são viáveis em Cuba, não só por razões demográficas, históricas e culturais, mas porque essa é uma saída que só se poderia encarar abrindo completamente o país ao capital e à intervenção dos Estados Unidos e eliminando o que resta da revolução para que o bloqueio termine e surjam os investimentos massivos. Cuba nunca foi socialista, embora tenha lutado para instaurar o socialismo na ilha e no mundo. A sua revolução democrática, anti-imperialista, de libertação nacional, foi, no entanto, importantíssima para a ilha e para todo o continente e, embora esteja estagnada há muito tempo por não conseguir aprofundar o seu rumo (retrocedendo, pelo contrário), continua a ser a garantia da independência nacional e é a base do consenso político que o governo ainda mantém, sobretudo entre as gerações mais velhas, que conheceram o passado e não querem retornar a ele, como o diz claramente Silvio Rodríguez. É suicida enterrar o que resta da revolução para atrair investidores. É necessário, pelo contrário, reanimá-la através de uma grande mudança, sobre uma base de democracia, de autogestão, de livre organização, de eliminação da autocracia e da burocracia, aumentando ao máximo o poder dos produtores.

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