01/09/2010

Mulheres de milho

Esther Vivas, artigo traduzido polos gestores do blogue desde este enlace. A autora escreveu em 2009 Del campo al plato, livro publicado pola editora Icaria. Aliás, esta catalá é dirigente de Esquerra Anticapitalista-Revolta Global. No tocante à ilustraçom devemos-lha a Patrick Thomas.



Nos estados do Sul, as mulheres som as principais produtoras de comida, as encarregadas de trabalhar a terra, manter as sementes, recolectar os fruitos, conseguir auga, etc. Entre 60 e 80% da produçom de alimentos nestes estados recai nas mulheres, 50% a nível mundial. Estas som as principais produtoras de cultivos básicos como o arroz, o trigo e o milho, que alimentam as populaçons mais depauperadas do Sul global. Porém, a pesar do seu papel chave na agricultura e a alimentaçom, elas som, cabo as crianças, as mais afectadas pola fame.
As mulheres camponesas responsabilizárom-se, durante séculos, das tarefas domésticas, do cuidado das pessoas, da alimentaçom das suas famílias, do cultivo para o auto-consumo e a comercializaçom dalguns excedentes dos seus morteiros. Carregárom com o trabalho reprodutivo, produtivo e comunitário, e ocupando umha esfera privada e invisível. Em troca, as principais transacçons económicas agrícolas estivérom, tradicionalmente, levados a termo polos homes nas feiras, com a compra e venda de animais, a comercializaçom de grandes quantidades de cereais... ocupando a esfera pública camponesa.
Esta divisom de roles [divisom de trabalho, na verdade, já apontada por Engels em A origem da família, a propriedade privada e o Estado; N.T.] asigna as mulheres no cuidado da morada, da saude, da educaçom e das suas famílias e outorga aos homes o manejo da terra e da maquinária, em definitiva da técnica, e mantém intactos os papéis asignados como masculinos e femininos que durante séculos, e ainda hoje, perduram nas nossas sociedades.
No entanto, em muitas regions do Sul global, em América Latina, África subsaariana e sul de Ásia, existe umha notável feminizaçom do trabalho agrícola assalariado. Entre 1994 e 2000, as mulheres ocupárom 83% os novos empregos no sector da exportaçom agrícola nom tradicional. Porém esta dinámica vai acompanhada dumha marcada divisom de género: nas plantaçons as mulheres realizam as tarefas nom qualificadas, como a recolhida e o pacotado, enquanto os homes levam a cabo a colheita e a sementeira.
Esta incorporaçom da mulher no ámbito laboral remunerado implica umha dupla carga de trabalho para as mulheres, já que seguem desenvolvendo o cuidado dos seus familiares e por sua vez trabalham para obter ingresos, maioritariamente, em empregos precários. Estas contam com umhas condiçons laborais piores que as dos seus companheiros recebendo umha remuneraçom económica inferior polas mesmas tarefas e tendo que trabalhar mais tempo para perceber os mesmos ingresos.
Umha outra dificuldade é o acesso à terra. Em vários estados do Sul, as leis proibem-lhes este direito. E, naqueles onde legalmente o tenhem, as tradiçons e as práticas impedem-lhes dispor delas. Porém, este problema nom acontece apenas no Sul global. Na Europa, muitas camponesas nom tenhem reconhecidos os seus direitos, já que, a pesar de trabalhar nas exploraçons, igual que os seus companheiros, a titularidade da finca, o pago da Seguridade Social, etc. tenhem-no habitualmente os homes. Em conseqüência, as mulheres chegada a hora de reformar-se, nom contam com aposentadoria nengumha, nom tenhem direitos a ajudas, quotas, etc. O afundimento do campo nos estados do Sul e a intensificaçom da migraçom para as cidades provocou um processo de descamponesizaçom*. As mulheres som umha componhente essencial desses fluxos migratórios, nacionais e internacionais, que provocam a desartelhaçom e o abandono das famílias, da terra e dos processos de produçom, à vez que aumentam a carga familiar e comunitária das mulheres que ficam. Na Europa, nos EUA, Canadá... as migrantes acabam assumindo trabalhos que anos atrás realizavam as mulheres autóctones, reproduzindo umha espiral de opressom, carga e invisibilizaçom dos cuidados e externalizando os seus custes sociais e económicos às comunidades de origem das mulheres migrantes.
A incapacidade para solventar a actual crise dos cuidados nos estados occidentais, fruito da incorporaçom massiva das mulheres ao mercado laboral, o envelhecimento da populaçom e a nula resposta por parte do Estado a estas necessidades trai consigo a importaçom masiva de mao de obra feminina dos estados do sul global, destinada ao trabalho doméstico e de cuidado remunerado.
Face este modelo agrícola ultraliberal, intensivo e insustentável, que se demonstrou totalmente incapaz de satisfazer as necessidades alimentares das pessoas e o respeito à natureza, e que é especialmente virulento com as mulheres, planeja-se o paradigma alternativo da soberania alimentar. Trata-se de recuperar o nosso direito a decidir sobre quê, como e onde se produze aquilo que comemos; que a terra, a auga, as sementes estejam em maos das e dos camponeses; de combater o monopólio ao longo da cadeia agroalimentar.
E é necessário que esta soberania alimentar seja profundamente feminista e internacionalista, já que a sua conseqüiçom apenas será possível a partir da plena igualdade entre homes e mulheres e o livre acesso aos meios de produçom, distribuiçom e consumo de alimentos, assim como a partir da solidariedade entre os povos, longe das proclamas chovinistas de "primeiro o nosso". Há que vindicar o papel das camponesas na produçom agrícola e alimentar e reconhecer o papel das mulheres de milho: aquelas que trabalham a terra. Fazer visível o invisível e promover alianças entre mulheres rurais e urbanas, no Norte e do Sul. Globalizar as resistências... em feminino.
_____________________________________
*[N.T.] Este processo é umha constante nos modos de produçom capitalistas em qualquer umha das quatro eras capitalistas. No primeiro mundo capitalista os enclousers produzírom um éxodo massivo rural-urbano que se resorveu com a acumulaçom dumha imensa reserva de força de trabalho pronta para ser explorada em condiçons de auténtica escravatura. Isto hoje nom tem mudado. As políticas ultraliberais, hegemónicas no quarto sistema-mundo capitalista, tenhem desamalhoado umha nova onda de privatizaçons e, portanto, enclousers que favorecem a terratenentes e monopólios da agro-indústria forçando a camponeses a um éxodo em que som a nova reserva de força de trabalho empregada para actuar de quebra-greves, esquirois, etc. e, em definitiva, os servos da terra passam a ser servos do asfalto.

Nenhum comentário: