04/10/2010

E se fosse Portugal a ter 32% de défice?

Luis Leiria. Artigo tirado de aqui. O quadro que ilustra o artigo é de Joan Miró.


Imagine o leitor que um dia José Sócrates acordava virado para o lado esquerdo e, imbuído de um acesso de generosidade, convocava um Conselho de Ministros de emergência e decidia manter o aumento do salário mínimo para 500 euros, decretava um aumento geral de todas as pensões, com equiparação ao salário mínimo, uma extensão do subsídio de desemprego de forma a proteger todos os desempregados – e não só metade –, a manutenção do actual esquema de comparticipação dos medicamentos, com distribuição de remédios gratuitos a todos os idosos carentes, e um grande empreendimento de recuperação urbana que criasse centenas de milhares de empregos. No ensino, reabriam muitas escolas fechadas no interior e os professores eram tratados condignamente. Acabavam os precários na administração pública.
Eu sei que é pedir demais, mas na imaginação tudo é permitido. Vá lá, faça um esforço!
Ao mesmo tempo, e porque o homem continuava a chamar-se José Sócrates, não ia procurar equilibrar esta diferença do aumento de despesa com o fim do desperdício: o novíssimo Mercedes para o Durão Barroso estava garantido, assim como o pagamento dos submarinos à senhora Merkel. O buraco do BPN era rigorosamente pago, não havia novos impostos sobre os bancos (coitadinhos!), os offshores permaneciam intocados, a PT continuava a não pagar quase um cêntimo (só 0,1% de imposto) ao Estado pela venda da Vivo, a maior exportadora do país continuava sem pagar impostos.
Resultado: o défice subia para 32% (não fiz as contas, duvido que mesmo assim isso acontecesse, mas estamos no reino dos contos de fadas – Sócrates generoso, lembram-se?).
Que acontecia? Os juros da dívida soberana batiam todos os tectos. No mesmo dia desembarcavam na Portela o Trichet, o Barroso, o Juncker, o Rompuy, a Merkel, o Sarkozy, o Strauss-Khan, e todos, aos gritos, fariam o primeiro-ministro de Portugal despertar do seu transe inesperado e voltar a mergulhar na realidade cruel da miséria para os mais vulneráveis.
na Irlanda, não houve transe nenhum. O défice chegou aos 32%, mas porque foi preciso dar dinheiro – muito dinheiro, muitíssimo dinheiro – aos bancos. Só o Anglo Irish Bank recebeu mais 5 mil milhões que o previsto. No total, o resgate dos bancos terá custado 40 mil milhões de euros, ou quarenta sbmarinos.
Pois nem o Trichet, nem o Barroso, nem o Juncker, nem o Rompuy, nem a Merkel, nem o Sarkozy, nem o Strauss-Khan reclamaram. Muito menos desembarcaram em Dublin. E as agências de rating acharam normal. Não houve uma hecatombe nos mercados – apenas pequenas turbulências.
Jean-Claude Trichet, saudou (saudou!) os anúncios “muito importantes do governo irlandês” como um facto de credibilidade (credibilidade!) de Dublin em matéria orçamentária.
Jean-Claude Juncker disse que “pensamos que o governo irlandês poderá resolver o seu problema sem ter de recorrer ao Fundo de socorro europeu”. E disse mais: “Tomámos nota da ambição do governo irlandês de reforçar a capitalização do sector bancário” (ambição!).
A agência Moody's invocou a “deterioração considerável da solidez financeira do governo”, para rebaixar o rating da... Espanha.
Quanto a Barroso, a Rompuy, a Merkel, a Sarkozy, a Strauss-Khan... não disseram nada.
Há silêncios que dizem mais que muitas palavras.
Depois disto, caro leitor, ainda acredita que as medidas de austeridade do PEC 3 são um sacrifício necessário e inevitável para os portugueses? Quem vive no mundo da fantasia?

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