O Equador é tradicionalmente um país com forte presença de manifestações sociais. Só na última década os cidadão, por meio de protestos, forçaram dois presidentes da República a renunciarem seus cargos.
Em janeiro de 2000 Jamil Mahuad, enfrentou uma violenta crise econômica, o dólar subiu de 4.500 para mais de 25.000 sucres em menos de um ano. Como solução, o presidente dolarizou a economia do país, medida em vigor até hoje. No dia 21 do mesmo mês foi depois de um duro protesto do Conaie (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador), que, após vários dias de protestos nas ruas de Quito, chegou ao Congresso Nacional. Mahuad refugiou-se nos Estados Unidos, país que permitiu a polêmica criação da base militar de Manta em território equatoriano.
A Conai foi apoiada pelo ex-presidente Lucio Gutiérrez, que foi eleito em 2003 e orbigado a renunciar em 2005. No início do governo, Gutierrez se aliou com partidos de esquerda como o Pachakutik (Multinacional Movimento Unidade), braço político da Conai e MPD. Posteriormente, se uniu a direita aliando-se com o Partido Social Cristão (PSC) e reforçou suas relações com os Estados Unidos. Por estas razões o Pachakutik e os outros grupos sociais retiraram seu apoio ao governo Guitiérrez. Neste momento iniciou-se um forte protesto conhecido como rebelião dos Foragidos que culminou na renuncia do entao presidente.
Na última quinta-feira (30/9), quando um grupo de policiais sequestrou por quase 10 horas o presidente Rafael Correa, no Equador, falou-se novamente de uma tentativa de golpe. Desta vez, porém, faltaram movimentos de massa nas ruas de Quito. O Opera Mundi conversou com líderes de movimentos sociais do país para entender como serão as relações entre as forças do governo de Correa e os indígenas, e como viveram os acontecimentos dos últimos dias.
Iza Dioselinda é presidente do MICC (indígenas e camponesas do Movimento de Cotopaxi), peça cheva da Conai CONAIE na região de Cotopaxi. De acordo com a líder indígena, na quinta-feira (30/9) o distúrbio aconteceram devido ao presidente Correa não ouvir os movimentos sociais e ter feito o mesmo com o sindicato da polícia. "Nossa posição como um movimento indígena, porém, é contra um golpe, pois desestabiliza o país. Nós decidimos defender a democracia e não queremos que aconteça nenhum outro golpe ".
Dioselinda conta ainda que o movimento indígena colaborou com o governo na escritura da nova constituição, acordando a criação de mesas de trabalho conjunto. Porém, até agora estes grupos nao funcionaram efetivamente, o que provocou o rompimento do movimento com Correa.
Méritos e Críticas
Para a dirigente, porém, o governo Correa não pode ser comparado com o governo que o antecedeu, o de Lucio Gutierrez: "Nós valorizamos o forte investimento social, por exemplo, na habitação e serviços básicos, tais como obrigações de investimento para as pessoas com deficiência e na educação pública.É preciso dizer também que Correa teve muita coragem em não assinar o TLC (Tratado de Livre Comércio) com os EUA e de fechar a base militar de Manta. Mas, infelizmente, os dois governos estão numa estigmatização dos líderes dos movimentos indígenas ".
Dioselinda conta que durante a tentativa de golpe do último dia 30, recebeu muitas ligacoes, supostamente de outras organizações, como dos transportadores, que a encorajou a ir para a rua porque "agora é a hora que podemos derrubar o presidente." Porém, a presidente do MICC explica que não é isso que os indígeras querem. "Queremos uma relação construtiva com o governo, não aspiramos depor o presidente. Lutamos por um modelo de país diferente, e não pela vitória de uma organização policial, que além de tudo nunca respeitou nossos protestos, e sempre nos reprimiu ", disse.
Humberto Cholango é talvez o líder mais representante indígena do país e de toda a região andina. De 2003 até o ano passado foi presidente da Ecuarunari, a Confederação de Povos da Nacionalidade Quechua, que é o principal grupo étnico do país e é a alma da Conaie. Humberto também foi o primeiro presidente da Caoi (Coordenadora Andina de Organizações Indígenas), a organização que reúne todos os povos indígenas andinos, desde a Argentina à Venezuela.
"Somos parte de um longo processo de luta para o aprofundamento da democracia, por isso temos sido muito crítico com o governo nacional ", diz Humberto em entrevista ao Opera Mundi. "Da minha parte sempre houve uma crítica ativa e digna, mas nunca quisemos promover uma ruptura. Esta ruptura aconteceu porque o governo quis assim, qualificando-os de forma muito forte e ofensiva. Isso marca um estilo de governo que não se relaciona com, nenhum setor social organizado, porque se fundamenta baseado em um projeto de liderança pessoal, enquanto nos reivindicamos o comunitário, o consenso, a pluralidade e o respeito à diversidade", disse.
Cholango afirma ainda que: "é claro que este governo não tem nada a ver com o seu antecessor. Não é um governo neo-liberal, mas ainda é governo capitalista que responde a um nacionalismo liberal interno".
Suposto golpe
Segundo o líder indígena era impossível que o movimento indígena tentasse tirar Correa da presidência. Os índios: "querem defender a democracia e querem defender a nova Constituição do país, que estão além dos governos nacionais. Por isso condenamos a tentativa de golpe que surgiu a partir da rebelião policial que tinha um intuito político muito claro".
Se tivesse sido necessário, diz o líder, os índios poderiam ir às ruas para defender não Correa, mas "um processo político que representa os 20 anos da nossa luta, no qual conseguimos direitos dos povos indígenas, camponeses e trabalhadores e, claro, nossa nova Constituição ".
Nova Constituição
O Equador aprovou uma nova Constituição em 2008 e desde então o país tem oficialmente um Estado multinacional. Segundo Cholango, a nova Constituição supera uma injustiça histórica, porque reconhece a pluralidade e tenta deixar para trás o Estado liberal-colonial: "Somos uma cultura diferente da ocidental, somos indígenas. Pela primeira vez esta diferença é reconhecida e faz parte do Estado. Nossos direitos indígenas, a nossa educação, idiomas e medicina tradicional são agora parte do Equador. Porém, esta nova Constituição foi violada pelo governo que a encara como um incômodo. Isso mostra que este não é um ponto de chegada mas sim de partida, porque não há criação de novas instituições no país que sejam verdadeiramente multinacionais".
O ex-líder da Ecuarunari acredita que o problema é que o presidente desconhece o tema: "ele foi formado nessas doutrinas e ideias de Estado liberal e por isso não compreende esta diversidade e essa nova forma de país", explica.
A Constituição agora inclui também direitos de nova geração, como os direitos da natureza que os indigenas quiseram incluir. Segundo Cholango, isso significa "apostar em novo modelo de desenvolvimento para a humanidade, porque o atual modelo de exploração do homem e da natureza está levando a uma catástrofe".
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