Mike Whitney. Artigo tirado de aqui e traduzido desde o castelhano para o galego. O quadro que ilustra o artigo é do recentemente falecido Xosé Luís de Dios e nele retrata-se a personagem de Celso Emílio Ferreiro Fuco Buxán. Roc F. Nyerro é o tradutor do inglês para o castelhano.
Irlanda poderia ser o próximo Lehman Brothers. Isso é o que inquietou aos mercados. Se os dirigentes irlandeses se negam a aceitar o resgate do novo instituto de estabilidade financeira (EFSF, por suas siglas em inglês) da União Européia, então os tedores de bonos não se verão obrigados a aceitar recortes nos rendimentos de seus investimentos, o que levará aos bancos alemães e franceses a ficar curtos de capital. Os réditos dos bonos crescerão rapidamente, o que ralentizará a actividade nos mercados creditícios. Uma quebra irlandesa moveria centenas de milhares de milhões de dólares nos mercados de derivados financeiros de impagos crediticios (CDs, por suas siglas em inglês), o que levaria a seus *contrapartes à quebra e a um efeito dominou através do sistema financeiro. O contágio difundir-se-ia por Portugal, Grécia, Espanha e Itália, ampliando o diferencial de réditos dos bonos e obrigando aos governos a incrementar o volume dos seus empréstitos solicitados ao Banco Central Europeu (BCE). A actividade empresarial esbirraria, o desemprego cresceria e encolheria o crescimento. Estaríamos em portas de uma segunda queda financeira.
Mas ninguém acha que isso vá ocorrer. A maioria acha que Irlanda engolir-se-á o medicamento", poupando toda perda aos tedores de bonos. Os dirigentes irlandeses preferem aceitar uma década de medidas austeridade impostas pela UE e a conseguinte perda de soberania, dantes que abandonar o euro e começar de zero e sem imposiçoes. Resulta decepcionante. O euro não está concebido para subvir às necessidades dos países mais pequenos e menos industrializados, como Irlanda. Esses países precisam sua própria moeda, mais flexível e capaz de mitigar os efeitos dos ciclos baixos. Mas os dirigentes irlandeses são prisioneiros da ideia de uma Europa unida. Assim que trocarão a independência pela que lutaram durante séculos por um castelo no ar e a elusiva promessa de prosperidade.
O Estado irlandês fez suas as dívidas tóxicas de seus principais bancos privados. Desgraçadamente, essas dívidas ultrapassam folgadamente os rendimentos do Estado. De acordo com Robert Preston, da BBC, os passivos são "equivalentes a um opressivo 700% do PIB, se somámos a dívida do sector privado e a do sector público". Até agora, o BCE contribuiu a manter operativos os bancos irlandeses fornecendo 130 mil milhões de euros de liquidez de emergência. Mas os mercados retalhistas já não aceitam a dívida irlandesa como colateral, e os réditos dos bonos disparam-se. Os políticos irlandeses dizem ter ainda fundos suficientes até mediados do próximo ano, mas isso não inclui o financiamento dos bancos. O verdadeiro é que, se o BCE deixasse hoje mesmo de prestar aos bancos, o sistema vir-se-ia embaixo da noite à manhã.
De modo que a situação faz-se mais tensa à cada dia que passa. Ainda assim, todo o mundo espera que o ministro de finanças, Brian Lenihan, ceda e aceite um resgate. Isso significa transladar todas as perdas ao contribuinte irlandês. Mas que ocorreria se Lenihan se plantasse e decidisse restructurar a dívida, em vez de tomar dinheiro prestado do EFSF? O jornalista da BBC dantes mencionado, Rober Preston, fantaseia com essa possibilidade num artigo recentemente publicado pela corrente britânica. Tenho aqui um extracto:
"A banca anglo-irlandesa e os bancos irlandeses a ela sócios teriam provavelmente que se declarar insolventes. E (...) muitos milhares de milhões de euros que os contribuintes irlandeses têm injectado já nesses bancos ficariam de todo ponto deprezados..."
"Isso moveria então enormes quantidades dinheiro cobradeiro pelos subscritores dos derivados financeiros de impagos creditícios (CDs), os contratos de seguro contra dívidas feitos por emprestamistas e especuladores. Esses dinheiros gerariam ingentes perdas nas instituições financeiras, incluídos os bancos, que fornecem a cobertura dos CDs"
"Inclusive sem o multiplicador de perdas que são os mercados CDs, o impacto dos recortes na dívida resultariam dolorosos para a banca britânica e internacional. De acordo com o Banco de Pagamentos Internacionais, o empréstimo total dos bancos não irlandeses aos bancos irlandeses rodada os 170 mil milhões de dólares, dos quais os bancos britânicos proporcionaram 42 mil, os bancos alemães, 46 mil, os bancos estadounidenses, 25 mil e os bancos franceses, 21 mil." ["Ireland: How much punishment for British and international banks?", Robert *Peston, BBC.]
Se Irlanda abandona o euro, abrir-se-ão as portas do inferno. O Estado irlandês terá que emitir uma nova moeda, sabendo que as suas dívidas seguirão denominadas em euros de valor bem mais alto. Isso aumentará a sua carga dividora. E ver-se-á bloqueado na captaçao de capital pelos mercados de bonos até que se tenha posto ao corrente com as velhas dívidas. No melhor dos casos, tomar-lhe-ia uma década ou mais sair do poço e restaurar sua credibilidade ante os mercados. Por outra parte, ter-se-ia livrado da camisa de força do euro e teria conseguido reestabelecer sua soberania. Isso não é nenhum peixe podre, mas vale realmente a pena?
O jornalista Peter Osborne joga uma vista de olhos ao assunto da soberania num artigo recentemente publicado no Telegraph. Vai um extracto:
"Não pode se negar que Irlanda perdeu seu estatuto de nação soberana. Graças a seu desastroso enmaranhamento no euro, perdeu toda independência em política interior, exterior e, sobretudo, económica. A nação irlandesa é a criatura de Bruxelas e do Banco Central Europeu. O premiê irlandês converteu-se num procónsul destinado por Bruxelas em Dublín. Brian Lenihan, o ministro de finanças, é como o gestor ultramarinho de uma filial de Bruxelas. Para quem amamos Irlanda, isto é miserável e deprimente, mas há que recordar que análogo destino aguarda a muitos outros países europeus. Grécia já está a fazer o que lhe ditam o FMI e o BCE; cedo ocorrerá o mesmo em Portugal e, a seu devido tempo, em Espanha." ["Ireland tens lost its sovereignty and is now the creature of Brussels - thanks to the euro", Peter Oborne, Telegraph.]
Não está sozinho Osborne na ideia de que Irlanda comete um erro permanecendo na União Européia. O *columnista do Telegraph Ed West vê as coisas da mesma maneira, mas descreve a aliança UE/Irlanda em termos ainda mais sombrios, como um "pacto suicida":
"Irlanda sente uma atração histórica para Europa continental como libertadora do jugo britânico, mas o vínculo é talvez ainda mais profundo, se remontando aos monges que preservaram a civilização ocidental durante as épocas obscuras. Irlanda, mais que a maioria de países, se sente profundamente européia, e sua catolicismo foi sempre uma parte disso. Não é pura coincidência que quando o catolicismo começou a declinar, Irlanda adoptasse uma ideologia substitutiva, o sonho de Bruxelas. Ou o pacto suicida mais enorme do mundo, como creio eu?
"A que se empenhar durante 800 anos em se sacudir o jugo britânico para terminar baixo a espada da UE? Dito isto, ninguém em Irlanda vai tão longe na oposição à UE como o UKIP [Partido pela Independência do Reino Unido] ou muitos conservadores tories"
"O projecto europeu era uma ideia utópica fundada, não na lógica prática, senão numa visão idealista, e tinha um sozinho propósito em mente: a união política total. No caminho para ela, seus arquitectos mentiram repetidamente à opinião publica, particularmente no processo de criação de uma sozinha moeda, coisa para a que a lógica mais elementar sugere a necessidade de uma unificação política prévia." ["Ireland's smug, Euroloving elite tens led their country to ruins - 'Little Englanders' saved ours", Ed West, Telegraph.]
A crise financeira levou-se por diante boa parte do simulacro que rodeava à UE dos 16 países. Nenhum deles segue já esvardalhando sobre o final das guerras e sobre um presente e um futuro de prosperidade compartilhada. O foco deslocou-se para a necessidade de que os trabalhadores se apertem o cinto e para a habilitação de pára-quedas de ouro para banqueiros e tedores de bonos. Em outras palavras, as elites estão a livrar a implacável guerra de classes de sempre, só que, desta vez, parapetados depois da fachada da unidade européia. Para valer quer Irlanda ser parte nessa farsa?
É hora de que Irlanda abandone a UE e dê plantón ao Superestado mau nascido. Deveria tê-lo facto faz muitos anos.
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