22/12/2010

Deflaçom sim, obrigado

 Tirado e traduzido desde aqui.
 
 
A deflação é o pesadelo dos economistas. É um dos fenómenos que podem aparecer durante as crises de sobreprodução, como a actual: ao ter mais oferta que demanda, os preços em lugar de subir (inflação), baixam. O problema é que a deflação induze a reduzir o consumo, já que sai mais barato atrasar as compras. E o consumo é a gasolina da economia capitalista: se não há consumo, há que reduzir a produção e todos perdem: as empresas reduzem suas vendas, os investimentos e o seu plantel (e, com freqüência, seus benefícios), os Estados a sua arrecadação, e os trabalhadores acabam no desemprego.

Se numa crise chega-se a produzir deflação entra-se numa espiral de destruição do tecido producivo e afundamento da crise da que é muito difícil sair. É o que lhe ocorreu a Japão nos 90 no que se conhece como a "década perdida". Dessa experiência não saiu nenhuma fórmula para combater esta situação. Daí o pânico à deflação. Toda esta análise está facto assumindo que a única forma de manter sana a economia é crescendo.

Mas se deixamos de lado o dogma do crescimento económico, a valoração que se faz da deflação é muito diferente. Se em lugar de assumir que o objectivo do sistema é maximizar a produção, partimos de que seu objectivo é satisfazer as necessidades da população, tudo muda. Desde essa perspectiva, a deflação vê-se como um mecanismo corrector da sobreprodução ao racionalizar o consumo, já que, num palco de deflação, o consumidor tende a ajustar seu consumo ao necessário.

E se consome-se menos, também produzir-se-á menos, levando ao sistema produtivo a sua dimensão adequada. Mas a banca e os seus governos não o vêem assim, e em lugar de redimensionar o sistema económico, se lhe quer devolver à sobreprodução que desembocou em cataclismo.

Por tanto, a deflação em si não é má, senão todo o contrário. Mas, como evitar o aumento do desemprego numa economia em recessão? A resposta é evidente: repartindo o trabalho. Os avanços técnicos fazem que se precise muito menos trabalho que faz décadas para produzir o necessário para satisfazer as necessidades da população, mas seguimos trabalhando as mesmas horas diárias que faz quase cem anos. Pára que? Para manter o crescimento, ainda que faz tempo que este não seja necessário nem desejável no mundo ocidental. Não é necessário, porque produzimos mais do que precisamos. E não é desejável porque é materialmente insustentávelnum planeta que tem seus recursos limitados, e porque condena à população a repartir sua vida entre o trabalho para produzir e o consumo para sustentar essa produção, sem deixar tempo para um lazer dedicado às relações familiares e sociais, as actividades culturais, lúdicas, etc. Há que aplicar a técnica não para produzir mais, senão para o fazer melhor, em menos tempo e sem destruir emprego.

Outro aspecto que aterroriza aos detractores da deflação é a perda de valor dos bens acumulados, cujo preço desce com o tempo. Mas não há tal perda se o valor que damos às coisas é seu valor de uso e não seu valor de mercado. Para entender isto, um bom exemplo é o da moradia.

A quem compra-a para viver nela, lhe dá igual o valor de mercado que possa atingir sua moradia, já que a precisando para viver não a vai vender. E se vende-a, o dinheiro que ingresse será equivalente ao que se gaste em comprar outra. Só há perda de valor para o especulador que compra uma moradia com a única intenção de voltar à vender mais tarde e obter com isso um benefício, e não para viver nela. Um dos grandes vícios deste sistema é ter convertido absolutamente tudo, inclusive os bens de primeira necessidade, em mercadoria. Sobre essa deformação a deflação tem um efeito purgante: expulsa do sistema económico os elementos especuladores e não produtivos, pois estes deixam de ter o aguilhão de comprar e acumular bens para revendê-los quando os preços tenham subido o suficiente, dado que os preços, em lugar de subir, baixam.
Em definitiva, a deflação é uma bênção para a economia, um mecanismo de ajuste que redimensiona o sistema produtivo e o consumo ajustando-os aos níveis necessários, e que castiga ao sector improducivo da economia que são os especuladores, encabeçados pela banca. Estes ajustes são muito necessários quando levamos décadas aumentado irracional e insustentavelmente o consumo nos países ricos para poder seguir alimentando o crescimento.

Se não entendemos assim a deflação e não reagimos em sintonia, reduzindo a produção e o consumo e repartindo o trabalho, vamo-lo passar todos muito mau. O edifício económico que habitámos no último século derruba-se. Ante isso temos duas opções: tentar o impossível de apontalá-lo fazendo questão das fórmulas de sempre ou desmontá-lo ordenadamente, apostando pelo decrecimiento. Por enquanto, os governos optaram pelo primeiro, e os cascotes já estão a cair sobre nossas cabeças.



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