Tirado do blogue A Conjura dos Nécios de Óscar de Lis, militante do Movimento Galego ao Socialismo, formaçom integrada no BNG:.
Há anos que sabemos que um contrato de trabalho não é um acordo de iguais entre o empregador e o empregado. Há anos que sabemos que, com a necessidade peremptória de trabalhar, o empregado se prega às exigências desumanizadoras que o capital considera para fazer mais rentável a exploração humana. E sabemos também que, em época de crise, essas exigências brutais têm maior capacidade de se alargar e a classe operária maior necessidade de se deixar maçar. É por essa via que somos cada vez mais escravos puros do trabalho. Não só porque a cultura de ocidente seja favorável ao conceito do “muito trabalhador” e cruel com quem não veja necessidade de tanto trabalhar; não só porque o rechaço do emprego seja considerado sintoma de inadaptação e maluquice social. Somos escravos do trabalho ao ponto de a ausência de oferta empregadora se ter tornado o maior dos nossos medos ocidentais, e ao ponto também de que o direito ao trabalho – essa cousa tão estranha que nestes tempos equivale a dizer direito a sofrer exploração – se tem tornado cerne mesmo de todo discurso político, desde a direita que efetivamente procura um direito à exploração assim proclamado até à esquerda que noutras épocas proclamava a emancipação do trabalho, o direito à preguiça, o fim dos patrões e a redução da jornada laboral e que hoje apenas se limita a transitar invariavelmente por esse mesmo caminho alargado pola direita exigindo mais exploração humana e mais trabalho que habilite para mais consumir.
O medo ao paro e o erro ao optar pola larga avenida do direito ao trabalho estão a dar, nestes dias, um exemplo claro de como a esquerda pode converter-se no maior promotor de iniciativas que simplesmente tragam mais emprego ainda em detrimento de tudo o resto. Esta semana foi o senador nacionalista galego Pérez Bouça a exigir do governo central a delirante instalação na Límia de uma base EADS-CASA de provas e fabricação desses aviões com que Israel mata Palestina e com que a OTAN planeja intervir na Líbia. Mais guerra! O objetivo é produzir uma multiplicação das vagas numa área deprimida (?!), ainda quando para isso seja necessário previamente pôr de lado toda a defesa histórica que o nacionalismo galego fez do antimilitarismo e do pacifismo e do relacionamento dos povos em condições de igualdade e dignidade, e ao mesmo tempo deitar fora todo o conteúdo de sustentabilidade e ecologismo que o BNG expõe quando o governo de demolição de Feijóo propõe instalar nessa mesma área uma Sogama do sul que, como a sua irmã de Cerzeda, também não recicle e se limite a incinerar.
Seja como for, do que não há dúvida é de que existe um protótipo. Esse protótipo é a Galiza atlântica, a do verde virgem, a da publicidade de Turgaliza que vende o mar, os areais e as pedras das cidades velhas e que oculta a multiplicação desnecessária de autoestradas, os esqueletos de urbanizações mastodônticas paralisadas, as cicatrizes que desenha no céu o fumo que se eleva desde Sogama, desde Ence, desde Repsol, desde Reganosa. Os protótipos existem porque os cria a publicidade e os dota de significado, embora esse significado seja só económico e, de resto, puramente inerte. O que fica fora do protótipo é esse espaço para levar para a frente a barbárie do sistema mundo. E, no caso da Galiza, o que sempre fica fora é o sudeste, a Galiza sem mar: aí parece que, em lugar de protótipo, exista um ódio especial.
É certo que há que dar uma solução à área da Límia. Mas essa solução não tem necessariamente que passar por destruir a ZEPA, nem por colocar a Galiza no mapa quente dos objetivos militares, nem por aumentar a presença de forças armadas na zona até níveis insuspeitados, nem por nos entregarmos à retórica dessa guerra que se quer limpa – não tripulada – mas que igualmente mata e destrói. Houve uma época em que na Galiza se berrou: OTAN não. Se calhar em breve será tempo de berrarmos: OTAN não! EADS não!
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