26/06/2011

O movimento do 15-m, depois do 19 de junho

Antoni Doménech, G. Buster e Daniel Raventós. Artigo tirado de Sin Permiso e traduzido para o galego por nós.


O sucesso de participação nas manifestações convocadas o passado 19 de junho em todas as cidades do Reino de Espanha confirma que o Movimento 15 M está aqui para ficar como elemento fundamental da nova dinâmica política e social que se instalou no nosso país. [1]


Foi multitudinária, arrancando várias colunas da periferia operária, a de Madrid. Surpreendeu muito gratamente a maciço e alegre, a combatividade da de Valência. Mas resultou especialmente significativa a de Barcelona. Não só porque foi a de maior participação popular -mais de um quarto de milhão, segundo os organizadores, umas 75.000 pessoas, segundo a guarda urbana, mais de 100.000, segundo o pouco suspeito diário El País-, senão sobretudo porque constituiu uma contundente resposta cidadã às perigosas tentativas de criminalização do Movimento 15 M por parte do establishment mediático e político. Como é com certeza sabido, essas tentativas encontraram terreno abonado a raiz dos episódios violentos registados perante o Parlament de Catalunya o passado 15 de junho, quando uma gestão, como pouco, incompetente -e como mais, arteira-, do conseller de interior, Felip Puig, permitiu que vários deputados autonómicos da pé terminassem agredidos por grupinhos de exaltados -talvez provocadores infiltrados-, enquanto o president Mas e vários consellers faziam aparatosa e fotogénica entrada em helicópteros e  carrinhas policiais em um Parc da Ciutadella policialmente tomado.

O 27 de maio a polícia autonómica agredia, tão brutal como desnecessariamente, aos acampados na Plaça de Catalunya de Barcelona, em uma actuação que todo mundo pôde ver em diferentes filmagens. O apoio cidadão aos acampados apalaçados foi tão grande, que em poucas horas a figura de Felip Puig ficou totalmente desacreditada. O prepotente conseller de Interior procurou o 15 de junho o desquite. Mas a despeito da mesquinha mediocridade psicológica da personagem, pode-se conjecturar que não era nada pessoal. Eram negócios: as direitas catalanistas, como as espanholistas, entenderam cabalmente que o principal obstáculo que se atravessa no seu empenho de desmantelar os restos do Estado Social e Democrático de Direito com suicidas políticas económicas procíclicas de austeridade fiscal neoliberal e injustas políticas públicas de segregação social em previdência e educação é precisamente o desenvolvimento do Movimento 15 M. O próprio senhor Puig declarava provocadoramente no diário monárquico madrileno ABC que, se os Mossos não bastavam, não teria inconveniente em recorrer à Policia civil para a repressão dos indignados (ABC, 20 junho 2011) [2], unindo ao coro mediático e político da extrema direita madrilena que vinha exigindo desde faz semanas acções repressivas enérgicas contra os acampados em Porta do Sol, e em general, contra os indignados madrilenos. Que o antigo dirigente de ERC agora convertido em homem de ordem, Josep Lluís Carod Rovira, criticasse qua catalanista aos indignados de Plaça Cataluña por falar demasiado em castelhano e se avilantara a recomendar o seu transterramento a "Espanya" -"que se vão a mijar ao seu país"-, [3] que ABC fingisse escandalizar-se (muito levemente) com o extremismo de Carod, [4] não tira validade à afirmação. Ao invés: o verdadeiro é que as direitas pátrias parecem ter entendido muito bem o velho e provado princípio da boa táctica militar que tanto lhes segue custando entender, e não digamos aplicar, às esquerdas: "marchar por separado, golpear unidos".

Os tambores de criminalização do movimento do 15-M já se escutaram o mesmo 15 de junho no interior do Parlament. O presidente, Artur Mas, disse: "Hoje trespassaram-se as linhas vermelhas, uma coisa é a discrepância, legítima, cidadã, jornalística ou política, mas nunca com violência ou coações." Ao dia seguinte, subia-se de intensidade, e as agressões foram qualificadas de "circunstância excepcional". E ainda mais: "Do pacifismo que se anunciou, passou à violência, à intimidação e à coação. E neste sentido é evidente que o dispositivo policial, seguramente, estava previsto em umas circunstâncias de maior tranquilidade e se teve que enfrentar a uma kale borroka organizada por uma gente de extrema violência". E para não ficar emocionalmente curto: "actuaram como autênticos safados".

O governo da Generalitat não pôde começar pior o passado outono: com uma ampla e contundente reprovação profissional, social e cidadã aos primeiros passos recortadores e privatizadores dados pelo seu estridente conseller de Previdência, esse genuíno elefante em cacharraria que é Boi Ruiz, apagado depois do revolcão cidadão. O govern dels millors não ficava melhor parado o passado 17 de maio com a energuménica torpeza represora de Felip Puig, que não cometeu Rubalcaba em Madrid, nem sequer Camps em Valência. Mas os acontecimentos do 15 de junho ante o Parlament pareciam brindar a Mas a ocasião de dar o golpe de graça ao Movimento 15 M. Com um triplo objectivo: fazer passar mais facilmente os seus planos de austeridade contra a população não estritamente rica, marcar o caminho a seguir por outros governos e desfazer de um protesto que ameaça com ser a cada vez maior, gozando de uma enorme simpatia entre a população trabalhadora, bem como de um crescente respeito por parte das diferentes organizações políticas, sindicais e sociais nominalmente de esquerda.

Para dizer toda a verdade, resultou um tanto penoso que boa parte da esquerda política institucional, em cujo programa e em cujas actuações parlamentares figuram muitos dos pontos programáticos popularizados pelo 15 M, parecesse não entender a situação criada e o evidente propósito político que se escondia depois da jactância repressiva de Puig e Mas, e desse a impressão de ceder dantes à tentação de fechar bichas com o resto da "classe política" indignada com os indignados a conta do "ataque ao Parlament", que a escutar as vozes da população, e a aprender delas. Que a "indignação com os indignados" não podia senão ser farisaica, tida conta de que o grosso da classe política abdicou expressis verbis da democracia e da soberania popular em favor dos mercados financeiros internacionais em maio de 2010, é coisa que pelo visto terminou por entender muito bem a população catalã. Em um dos espaços mais grosseiramente manipulativos da televisão pública (TV3), o programa matutino dirigido pelo aborrecido e bandeiriço jornalista Josep Cuní,  improvisou-se um inquérito televisivo sobre os acontecimentos violentos do Parlament, com a capciosa pergunta: "Por quem se sente você mais representado: pelos representantes parlamentares ou pelo Movimento 15 M?". Depois das primeiras 6.000 respostas, o resultado era pesado como uma lousa: cerca do 80% diziam-se melhor representados pelo Movimento 15 M que pelos parlamentares. [5]

O movimento do 15-M fez um comunicado, depois de uma assembleia celebrada no mesmo dia 15 de junho, no que o seu compromisso com a ação não violenta ficava terminantemente reafirmado: "Queremos clarificar que a acção de bloqueio desta manhã se emoldura em uma estratégia de desobediência civil pacífica e colectiva perante a aprovação de leis injustas, um direito legítimo e praticado por este país em vários episódios da sua história recente, como por exemplo a Transição. Esta desobediência activa não violenta, pacífica mas determinada, é a expressão dos acordos aos que chegou o movimento do 15-M ao longo das assembleias celebradas em Praça Catalunya durante o último mês. As acções que não seguiram esta estratégia não representam ao movimento."

O sétimo círculo do Inferno reservou-o Dante aos violentos: um local horrível e ermo, sulcado pelo Flegetonte, rio infernal ao que o poeta descreve como: "o rio do sangue, no que fervendo / estão os que ao seu próximo forçaram". Sábio como nenhum, o Dante conta entre os violentos aos usureiros e aos cobiçosos, além da os tiranos: "Cega cobiça e louca ira, que impelindo / nos vão por médio da vida escassa / e na eterna tão mau nos vão sumindo! [Inferno, XII, 47-51]

O passado 19 de junho centenas de milhares de cidadãos saíram pacífica, festiva e combativamente às ruas de Barcelona, de Madrid, de Valência e de todas as nossas cidades, grandes e pequenas, para convalidar esta afirmação, guardando um sentido, precisamente dantesco, das proporções: exibiram cartazes e bandeirolas com lendas muitas vezes certeiras, algumas profundas, e quase todas, rebossantes de talento e bom sentido popular contra a violência com maiúscula, a das actuais classes reitoras. E mostraram a Europa e ao mundo que a população trabalhadora do Reino de Espanha não vai aceitar tão facilmente o seu sacrifício e o da democracia e a soberania popular ante o altar do euro e da banca privada ao que parecem querer a levar umas elites políticas e mediáticas tão irresponsáveis e ignorantes como complacentes.

Demonstraram uma humildade surpreendentemente madura para ser um movimento incipiente e bem sucedido: longe de qualquer euforia e de todo sectarismo, não se entendem senão como uma parte de um grande processo de contestação social em marcha, no que todos devem confluir. E com a sua maturidade e a sua humildade, os indignados mostraram também um caminho às debilitadas esquerdas políticas e sindicais tradicionais no nosso país. Auguremos o melhor, e esperemos que, como na Grécia, saibam estas estar à altura e secundá-lo.



NOTAS: 


[3] O artigo de Carod Rovira "Indignació espanyola", em Nasceu Digital, 16 de junho de 2011: http://www.naciodigital.cat/opinionacional/noticiaON/1964/indignacio/espanyola 


[5] Depois, as cifras fossem manipuladas, para que só o 46% se sentisse mais representado pelo Movimento 15 M, mas se se vê a foto do ecrã, a evidência da manipulação está aí: o número de respuestau não subia o suficiente como para justificar o inopinado mudança nos resultados do inquérito:
http://www.facebook.com/photo.php?fbid=152702228136950&set=a.148558108551362.38402.148544968552676&type=1&theater

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