11/07/2011

Rubalcaba e Zapatero ou a quadratura do círculo

Juan Torres López. Tirado de SinPermiso (vede aqui o original em castelhano) e traduzido por nós para o galego. O autor é professor universitário de economia (catedrático de economia aplicada na  universidade de Sevilha) e tem participado no programa de TVE 59 segundos.
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O vice-presidente do governo que suprimiu o imposto sobre o património deixa em um dia o governo e ao seguinte apresenta-se como candidato a presidente do governo dizendo que vai estabelecer o imposto sobre o património.

O vice-presidente do governo que fez o recorte de direitos sociais maior da democracia deixa em um dia o governo e ao seguinte apresenta-se como candidato a presidente do governo dizendo que o seu é "a igualdade de oportunidades".

O vice-presidente do governo que se pôs de acordo com o Partido Popular para não mudar uma lei eleitoral que chirría com a democracia deixa em um dia o governo e ao seguinte apresenta-se como candidato a presidente do governo dizendo que vai mudar a lei eleitoral para que tenha mais democracia.

O vice-presidente de um governo que reduziu o ónus fiscal dos bancos e do grande capital e que fez ouvidos surdos quando os próprios inspetores do Banco de Espanha denunciavam a irresponsável agregado de risco dos bancos, ou que votou no parlamento várias vezes contra a daçom de pagamento [a última vez apresentou isto o BNG], deixa em um dia o governo e ao seguinte se apresenta como candidato a presidente do governo dizendo que "terá que pedir às caixas e aos bancos que dêem uma parte dos seus benefícios para a criação de emprego".

O vice-presidente de um governo que assim que começou a crise renunciou a todos os de por si escassos avanços em matéria  de igualdade de género (inclusive o que estava obrigado a realizar por mandato legal como a permissão de paternidade) e que liquidou o Ministério de Igualdade deixa em um dia o governo e ao seguinte apresenta-se como candidato a presidente do governo dizendo que há que acabar com "a intolerável brecha salarial entre as mulheres e os homens" e que ele gosta do contrato a tempo parcial, "acho que  o devemos incentivar", quando essa é a forma com que se está a tentar que as mulheres entrem pela porta de serviço no mercado de trabalho.

O vice-presidente de um governo que não evitou que os salários, e portanto o poder adquisitivo dos trabalhadores, deixe de diminuir desde que tomou posse, que vai presentear as caixas de poupanças ao capital privado ou que vai privatizar empresas públicas a baixo preço deixa em um dia o governo e ao seguinte apresenta-se como candidato a presidente do governo dizendo que "temos que estar aí para assegurar-nos que os espanhóis não perdem nem um só euro".

O vice-presidente de um governo que deixou que os especuladores mal tributen mantendo as SICAV ou que o imposto sobre a renda chegue até o 45% no tipo de encargo sobre as rendas do trabalho enquanto mantém um tipo proporcional do 19-21% para os ganhos de capital em saca, interesses financeiros, etc. deixa em um dia o governo e ao seguinte apresenta-se como candidato a presidente do governo dizendo que "temos que defender aos que progridem com esforço e não aos que o fazem especulando e enganando".

O vice-presidente de um governo que acaba de votar faz em uns dias no Congresso dos Deputados contra da perseguição contra as grandes fortunas e os paraísos fiscais, contra a necessidade de fazer público a listagem de denunciados por delito fiscal, de aplicar um encargo especial sobre movimentos de fundos com paraísos fiscais no regulamento do IRPF e do Imposto sobre Sociedades ou de proibir às entidades bancárias espanholas ter filiais ou sucursais neles, deixa em um dia o governo e ao seguinte apresenta-se como candidato a presidente do governo dizendo que "é intolerável, é indecente, é absolutamente inmoral que o mundo viva com os paraísos fiscais" e que há que acabar com eles.

O vice-presidente de um governo que se pôs de acordo com o Partido Popular para endurecer e dificultar a apresentação de iniciativas populares ou candidaturas não partidárias às eleições deixa em um dia o governo e ao seguinte apresenta-se como candidato a presidente do governo dizendo que "não é razoável que os cidadãos só se pronunciem a cada quatro anos".

O vice-presidente de um governo que mudou da noite para o dia em maio de 2010 a política e os seus princípios de gestão sem consultar aos seus votantes nem oferecer resistência alguma deixa em um dia o governo e ao seguinte apresenta-se como candidato a presidente do governo dizendo que esses princípios "sempre os mantivemos".

O vice-presidente de um governo que deu milhares de milhões à banca sem exigir o mais mínimo controlo deixa em um dia o governo e ao seguinte apresenta-se como candidato a presidente do governo dizendo que "se o Estado põe dinheiro tem que estar aí para gerir bem esse dinheiro, para se assegurar que vai realmente para aquilo pára o que se destina que é o saneamento".

O vice-presidente de um governo cujo presidente afirma que "baixar impostos é de esquerdas" e cujo ministro de economia Pedro Solbes afirmava que o seu principal orgulho era "não ter aumentado a despesa pública" deixa em um dia o governo e ao seguinte apresenta-se como candidato a presidente do governo dizendo que "não vou lembrar nada que debilite o nosso sistema de saúde. E nada é nada", sem explicar como pensa cuadrar esse círculo.

E ao acabar este discurso do novo candidato, ao presidente do governo que fez todas essas coisas, José Luis Rodríguez Zapatero, perguntam-lhe a sua opinião estas promessas totalmente contrárias ao que ele fez, segundo disse em várias ocasiões com plena convicção, e afirma que lhe parece "magnífico".

Eu gostaria de achar que Rubalcaba vai fazer todas essas coisas, que não levará a cabo o que até agora realizou no governo e que conduzirá a Espanha pela senda contrária à que decorreu quando ele foi vice-presidente. Para valer que gostaria de achá-lo e achar também que para isso não render-se-á vergonzantemente e em silêncio ante os poderes financeiros, como agora, senão que será valente e que enfrentar-se-á a eles com dignidade e decisão.

Para valer que gostaria de achá-lo, mas é que não posso. Não posso achar que alguém possa ter uma mudança tão radical de opinião de um dia para outro. Ou enganava-se a si mesmo estando nesse governo ou nos está a enganar agora.

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