11/07/2011

Onde é que estám os ricaços do Reino de Espanha?

Daniel Raventós. Artigo tirado de SinPermiso (aqui) e traduzido por nós para o galego. A imagem é de Camille Pissaro.
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Sabido é que, no Reino de Espanha, o imposto da renda das pessoas físicas (IRPF) grava muito principalmente (falta ao redor de 10% para poder dizer "exclusivamente") às pessoas que cobram um salário. Sabido é também que a grande parte dos empresários que declaram IRPF acostumam a ganhar, de lhes dar crédito, muito pouco, tão pouco que são uma maioria de mileuristas. Sabido é, sim. E uns dados do IRPF muito recentemente conhecidos acrescentam mais luz se cabe. A Agência Tributária espanhola fez públicas a princípios de julho algumas estatísticas sobre a declaração do ano 2009, o último disponível, do IRPF. Nestas estatísticas oferecem-se uns dados que são verdadeiramente renarteiros. As pessoas que declaram mais de 601.000 euros no ano 2009 são exatamente 6.829. Esta cifra representa o 0'035% de todas as declarações (19.315.353). Também resulta chocante constatar que somente dois anos dantes, no 2007, eram 10.580 as liquidações que declaravam uns rendimentos brutos superiores a 600.000 euros. Somente um desinformado ou um interessado pode conjeturar que este descenso é devido à crise [1]. Se esta cifra é ridiculamente baixa, também o é o número de liquidações do IRPF do trecho imediatamente inferior, o que está compreendido entre 150.000 e 600.000 euros. Exatamente, segundo a Agência Tributária, trata-se de 78.338, isto é, o 0,41% do total. Entre ambos trechos, somam 85.167 declarantes. Qualquer pessoa razoável tem a sensação que há muitas mais pessoas de 6.829 que devem declarar no seu IRPF mais de 601.000 euros. Como também há muitas mais pessoas que devem declarar entre 150.000 e 600.000 euros.


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Para além das sensações, que não são em general de recebo se não vão acompanhadas de algo mais sólido, se dispõem de dados interessantes. Existem cifras precisamente para o mesmo ano 2009 que não se condicen em absoluto com as estatísticas mencionadas da Agência Tributária. Conhecido é que Merrill Lynch e Capgemini realizam relatórios anuais sobre o estado no mundo dos seus potenciais clientes, os ricos. A sua forma de concretar que entendem por ricos pode ser discutível, mas é clara e explícita. Chamam High Net Worth Individuals (isto é, indivíduos de valor neto elevado) aos que tem ativos superiores ao milhão de dólares. Mas não um milhão de dólares de qualquer forma. Não. Ficam descartados desta contabilización muitos bens como a primeira residência, os consumíveis, os coleccionáveis e os de consumo duradouro. Trata-se, pois, de ricos avaliados somente a partir do efetivo e dos ativos rápida e facilmente convertíveis em líquido. Não faz falta acrescentar que se trata de pessoas bem mais ricas que o que esta quantidade sem mais pode dar a entender. Pois bem, segundo Merrill Lynch e Capgemini, precisamente no mesmo ano para o que ofereceu os dados do IRPF a Agência Tributária, o 2009, no Reino de Espanha tinha exatamente 143.000 pessoas de valor neto elevado. No ano 2009 a cotação do dólar com respeito ao euro não era muito diferente, ao redor de 0,6-0,7 euros por dólar. Isto é, que o equivalente dos ricos de um milhão de dólares contabilizados por Merrill Lynch e Capgemini, seria dentre 600.000 e 700.000 euros. Justamente acima do trecho ao que se refere a agência tributária.

Resumindo, a Agência Tributária informa de 6.829 declarações que estão no trecho superior a 600.000 euros no 2009, no mesmo ano em que para Merrill Lynch e Capgemini tinha no Reino de Espanha 143.000 pessoas com uma riqueza muito líquida desta mesma quantidade. Embora conquanto é verdade que não se trata de dados completamente equivalentes, algo chirría. 6.829 é menos de 5% de 143.000. Demasiado diferença, demasiada margem, inclusive tratando-se de dados não equivalentes.


O sindicato dos inspetores de fazenda (Gestha) informava em abril:

(...) o emprego submergido vem favorecido pela existência de dinheiro negro, e [os inspetores de fazenda] incidiram em que a economia submergida em Espanha move anualmente 245.000 milhões de euros, isto é o 23,3% do PIB, dos quais 161.000 milhões procedem da vertente fiscal submergida e o resto (82.000 milhões) deriva do emprego irregular.

Se a economia submergida equivale a quase uma quarta parte do PIB, se uma grande parte importante da mesma se deve a "a vertente fiscal", se somente o 0,035% de todas as declarações do IRPF do ano 2009 superava uns rendimentos brutos a mais de 600.000 euros, e se segundo os que conhecem bem o mundo dos ricos pois são os seus potenciais clientes, tinha 143.000 pessoas no Reino de Espanha com alto valor neto... parece que as coisas estão bastante claras.


Conhecida é a sentença de Francis Bacon: "O dinheiro é como o esterco, só é bom se se espalha". No Reino de Espanha muitas coisas estão espalhadas generosamente, mas não precisamente o dinheiro. Os poucos que o acaparan a moreias não declaram, ademais, quase nada. Ao mesmo tempo, recortam-se despesas sociais e condições laborais para, dizem, combater (sic) o déficit público. Poucas vezes resulta tão evidente em benefício de quem desenha a política económica o governo. Desenha ou, em propriedade, aponta ao ditado.


Nota: [1] No mesmo relatório de Merril Lynch e Capgemini citado mais adiante prevê-se que a fortuna conjunta dos ricos no mundo em 2013 será um 60% superior à que dispunham no ano 2008. A crise não lhes foi mau e, com as políticas económicas praticadas, ir-lhes-á ainda melhor.

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