08/09/2011

Sistema financeiro europeu já não confia nem em si mesmo

Eduardo Febbro. Artigo tirado de Carta Maior (aqui).

As bolsas europeias mergulham no abismo, as entidades financeiras estão nas cordas, a zona do euro não cresce e os poderes públicos são impotentes para frear uma das maiores hecatombes que já conheceu o liberalismo sem regulação nos últimos anos. As cifras das finanças voltaram a dar um giro brusco até as zonas vermelhas. Os analistas e dirigentes políticos já não ocultam que o Velho Continente está no caminho de uma nova recessão. A responsabilidade compete à voracidade das finanças e à incapacidade dos dirigentes políticos para introduzir um mínimo de regras no jogo.

O economista francês Nicolas Véron disse terça-feira ao jornal Le Monde que “o risco de que uma grande instituição bancária quebre é real”. Assim como outros economistas, Véron destacou a incapacidade dos dirigentes políticos da Europa para adotar medidas adequadas, reconhecendo, ao mesmo tempo, que os níveis de crescimento da zona euro eram insuficientes para salvar a situação.

O escritório europeu de estatísticas, Eurostat, publicou nesta terça-feira as cifras de crescimento nos países da zona euro. Durante o segundo trimestre deste ano, o crescimento do PIB só alcançou 0,2% enquanto que, no primeiro trimestre, o PIB havia alcançado 0,8% de crescimento. Esses números refletem a péssima situação da Alemanha (+0,1%) e, sobretudo, da França, país que conheceu um crescimento nulo no segundo trimestre. E levaram os analistas a apostar em um novo ciclo recessivo.

Mas isso não é tudo: o comportamento do sistema financeiro, o jogo com a roleta russa das bolsas protagonizado pelas águias do circuito financeiro e a facilidade com que as instituições europeias os deixam atuar complicaram o panorama ao extremo.

Os especialistas denunciam hoje os estragos causados por um dispositivo autorizado pela Comissão Europeia de Bruxelas e cuja principal característica consistiu em deixar qualquer tipo de especulação com as mãos livres. Trata-se dos famosos “Dark polos”, criados em 2004 e, mediante os quais, se permitiu aos atores das finanças que criassem suas próprias plataformas de troca de ações. Isso acarretou um fluxo de transações em uma zona de sombra cuja supervisão escapa a todo controle e contribui para abalar a economia mundial. A monumental perversidade do sistema criou situações altamente perigosas.

Na França, por exemplo, muitas prefeituras, e não das mais pobres, se endividaram em francos suíços, uma moeda segura e estável que escapava à brutalidade do sobe-e-desce especulativo. Mas a crise também atingiu o franco suíço, a moeda se valorizou e esses municípios não podem pagar agora a dívida contraída. A Confederação Helvética tomou essa semana medidas tão drásticas como inéditas nos últimos 30 anos. O Banco Central da Suíça interveio nos mercados para frear o aumento do franco suíço. A moeda helvética chegou a ser cotada em valores altíssimos em relação às outras moedas de referência. Os investidores se refugiaram na divisa suíça diante do panorama incerto da economia mundial e provocaram com isso um efeito dominó que penalizou os bancos suíços, sua indústria e os demais países da Europa. Após a adoção de um tipo de câmbio fixo, a moeda suíça caiu mais de 8%, mas os analistas estimam que isso não será suficiente para aliviar a pressão.

O sistema dá mostras de não ter confiança sequer em si mesmo. Os grandes bancos mundiais começaram a brandir ameaças de vinganças e medidas de coerção se os responsáveis políticos tomarem medidas reguladoras demasiadamente severas. O lobby europeu das finanças está nervoso: o banco Barclays ameaçou a Inglaterra com a mudança de sua sede central para os Estados Unidos, enquanto que o HSBC advertiu que, em caso de excessiva regulação, fecharia suas representações na França. A conjuntura econômica débil, a sombra da recessão, as dificuldades da Grécia para sanear sua situação financeira, os estragos da especulação e a falta de regulação desembocaram em um mar ingovernável.

A Assembleia Nacional francesa começou nesta terça-feira a examinar um plano de austeridade apresentado pelo primeiro ministro François Fillon. Para acalmar os temores dos mercados e a zelosa vigilância das agências de classificação de risco, pretende poupar 12 bilhões de euros. Uma soma colossal que o Executivo pensa encontrar impondo taxas a vários setores da economia, mas sem tocar no capital. A esquerda francesa reclama especialmente um imposto sobre as transações financeiras, mas o governo rejeita essa proposta. O capital é um demônio que devora as economias e que ninguém se anima a enfrentar.

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