01/11/2011

Contra o capitalismo, Bauman convoca à imaginação

Zygmunt Bauman. Artigo tirado de Outras Palavras (aqui). Em principio podemos concordar com o sociólogo polaco, mais quando a saída ao capitalismo pode ser a barbárie em forma dum darwinismo social militarizado e da sociedade da quinta parte de que já temos falado. Aliás, não é por demais lembrarmos poderosas lições da esquerda clássica. Rosa Luxemburgo indicava que nos momentos de crise sistêmica mundial, como há pouco Hobsbawm lembrava, a humanidade só pode escolher entre "socialismo ou barbárie" (dicotomia já exposta em Marx dito seja de passagem). Como o historiador británico e outros têm analisado as crises de 1890, 1914 e 1929 conduziram para a colonização da África e da Ásia, a primeira Grande Guerra, e o auge do fascismo que derivou na II Grande Guerra. Desde 2008 o modelo ultraliberal já é sem dúvidas, para além do "complexo do capitalismo do desastre" em palavras de Naomi Klein, um contínuo gerador de destruição (criativa seica): a colonização do Iraque, do Afeganistão, da Colômbia, Costa de Marfim, Líbia... Ao tempo mantêm-se ferozes guerras no centro contra os direitos sociais como as que se libraram no fim da I globalização. Todavia, e a contrário do que afirmam os teóricos pós-modernos da multidão (que quer supostamente erguer-se por cima do conceito de luta de classes), as teses de Luxemburgo, Hilferding e Lenine sobre o Imperialismo seguem completamente vigentes tal e como Xosé Manuel Beiras sublinhava (num seu artigo recolhido em Por unha Galiza liberada e outros ensaios) há mais duma década. Porém, olho, nessas terras intocadas de que Bauman fala poderiam estar perfeitamente as energias renováveis pelas que, em princípio, tanto apostamos alguns (aqui).
O quê é que é a classe média podemos perguntar-nos? Imagem tirada de aqui.
 

As notícias sobre a morte do capitalismo são, parafraseando Mark Twain, um pouco exageradas. A capacidade surpreendente de ressurreição e regeneração é inerente ao capitalismo. Uma capacidade parecida com a dos parasitas – organismos que se alimentam de outros organismos, estando agregados a outras espécies. Depois de exaurir completa ou quase completamente um organismo hospedeiro, o parasita normalmente procura outro, que o nutra por mais algum tempo.

Há cem anos, Rosa Luxemburgo compreendeu o segredo da misteriosa habilidade do sistema em ressurgir das cinzas repetidamente, assim como uma fênix; uma habilidade que deixa atrás de si traços de devastação – a história do capitalismo é marcada pelos túmulos de organismos que tiveram suas vidas sugadas até a exaustão. Luxemburgo, no entanto, restringiu o conjunto dos organismos que aguardavam em fila, esperando a conhecida visita do parasita, às “economias pré-capitalistas”, cujo número era limitado e em constante regressão, sob o impacto da expansão imperialista.

A cada visita sucessiva, outra terra “intocada” era convertida em campo de pastagem para a exploração capitalista. Portanto, mais cedo ou mais tarde, não serviriam mais às necessidades da “reprodução ampliada” do sistema, já que não ofereceriam os lucros que tal expansão requeria. Pensando por essa trilha (um viés completamente compreensível, dado que a expansão há cem anos era principalmente territorial, mais extensiva que intensiva, mais lateral que vertical), Luxemburgo só poderia antecipar os limites naturais da duração concebível do sistema capitalista. Uma vez que todas as terras “intocadas” do globo fossem conquistadas e integradas à máquina de reciclagem capitalista, a ausência de novas terras de exploração iria forçar, ao fim, o colapso do sistema. O parasita morre, quando faltam organismos vivos de onde possa retirar alimento.

Hoje o capitalismo já atingiu uma dimensão global, ou está muito próximo disso – um cenário que Luxemburgo via em horizonte distante. Sua previsão estará a ponto de se concretizar? Penso que não. Nos últimos 50 anos, o capitalismo aprendeu a inimaginável e desconhecida arte de criar novas “terras intocadas”, em vez de se limitar às já existentes. Essa nova arte tornou-se possível porque o sistema viveu uma transição. A “sociedade de produtores” converteu-se numa “sociedade de consumidores”. E a fonte principal da “agregação de valor” já não está na relação capital-trabalho, mas na que há entre mercadoria e cliente. Lucro e acumulação baseiam-se principalmente na progressiva mercantilização das funções da vida; na mediação, pelo mercado, da satisfação de necessidades sucessivas; na substituição do desejo pela necessidade, como engrenagem principal da economia voltada para o lucro.

A crise atual deriva da exaustão de uma dessas “terras intocadas” criadas artificialmente. Milhões que pessoas foram obrigadas a abandonar a “cultura dos cartões de crédito” para se dedicar à “cultura das planilhas de gastos”. Por algum tempo, elas foram estimuladas a gastar o dinheiro que ainda não haviam ganhado, vivendo com crédito, falando de empréstimos e pagando juros. A exploração dessa “terra intocada” particular está, em linhas gerais, acabada. O sistema entregou para os políticos a tarefa de limpar os detritos deixados pela farra dos banqueiros. É algo que entrou na lista dos “problemas políticos”: passou de “problema econômico” para (citando a chanceler alemã, Angela Merkel) algo dependente de “vontade política”. Mas alguém poderia duvidar que estão em construção novas “terras intocadas” – as quais também terão vida bastante limitada, dada a natureza parasítica do capitalismo?

O sistema funciona por um processo contínuo de destruição criativa. O que se cria é capitalismo numa “fórmula nova e melhorada”; o que se destrói é a capacidade de auto-sustentação e vida digna nos inúmeros “organismos hospedeiros” para os quais todos somos atraídos e ou seduzidos, de uma maneira ou de outra. Suspeito que um dos recursos cruciais do capitalismo deriva do fato de que a imaginação dos economistas – incluindo os que o criticam – está muito atrasada em relação à sua invenção, a arbitrariedade do seu procedimento e crueldade com que opera

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