15/11/2011

A maioria dos europeus não tem ideia do que se está passando

Susan George. Artigo tirado de aqui e traduzido para o galego-português por nós.



Rebelión publica hoje um artigo de Susan George, que decidi difundir, porque o que conta nos vai afetar a todos, apesar de que os políticos, aos que pagamos para que defendam os nossos interesses, e para que se inteirem do que há, e no-lo contem, não o façam...

O título da postagem é uma frase do artigo de Susan George, que selecionei porque considero absolutamente real: "Os europeus não têm nem ideia de que isto está a ocorrer...".

Trabalho em um Parlamento, e observo, dia depois de dia, com incredulidade, o regulamento que se nos remete desde a UE. Desde faz aproximadamente dois anos, desde o Parlamento Europeu distribui-se aos Parlamentos nacionais, e estes aos autonómicos uma ingente quantidade de normas, que à sua vez modificam outras, e que estão a unificar e regulando todos e a cada um dos âmbitos de actividade humana...

Um regulamento que enche milhares de folhas que são reenviadas aos correspondentes grupos políticos para que possam apresentar as suas emendas. De maneira que, ao menos teoricamente, todo mundo teria que saber o que está a acontecer. Mas, curiosamente, não é assim. Porque ninguém parece ter muito interesse em ler o que se remete. Porque é um puro trámite ao que ninguém parece prestar atenção. Não há tempo. Isso é coisa de outros. Tudo é coisa de outros. Isso sim, da noite para o dia, os conteúdos desses milhares de folhas se convertem em normas de obrigado cumprimento...

Apesar da nossa inércia do dia-a-dia, dos nossos comportamentos automáticos, da nossa falta de interesse no que está a acontecer, de que seguiremos votando nas próximas eleições como mandam as sondagens, ou seja: maioria absoluta para o PP... [porque embora conseguíssemos (oh, ciência ficção!!) uma abstenção 85%, com o 15% restante conseguiriam a maioria absoluta para o PP que ordenam as sondagens...], isto é, apesar da nossa inércia, do nosso estupor, das nossas mobilizações, do nosso não entender nada do que passa, os planos que eles têm para nós, para todos, seguem adiante.

No artigo que incluo a seguir, Susan George nos explica, em poucas palavras, o que vem.

Susan George, é filósofa e analista política de prestígio internacional, presidenta do comité de planejamento do Transnational Institute de Ámsterdam, e presidente de honra de ATTAC França. É autora de 14 livros, traduzidos a numerosos idiomas, entre eles, o muito conhecido Relatório Lugano.

Ela explica assim o seu trabalho no TNI: "O trabalho do cientista social responsável é primeiro, desvelar essas forças [de riqueza, poder e controlo], para escrever sobre elas claramente , sem tecnicismos, e, finalmente, tomar uma posição de defesa dos desfavorecidos, os desabrigados, as vítimas da injustiça".

Um golpe de estado na União Europeia?

As demandas dos trabalhadores da União Europeia de salários e condições de trabalho melhores , pensões generosas, longas férias e permissões quando sejam necessários devem se controlar! Já está bem!

Dêmos obrigado que a Comissão Europeia tem as respostas. Cedo o modelo ultraliberal será irreversíbel e todos os adventícios pretenciosos terão que se calar para sempre. Já é hora. Em uma manobra brilhante, a Comissão aprovou um pacote de medidas, um "sexteto" que sugere festas onde flui a cerveja livremente. Este "sexteto" é bastante mais austero e concederá à Comissão uma influência sem precedente nos assuntos dos estados membros.

Em uma votação ajustada o 28 de setembro de 2011, o Parlamento Europeu aprovou a proposta da Comissão, uma tomada do poder de grande alcance que menoscaba a capacidade dos países de fixar e gerir os seus próprios orçamentos e dívidas soberanas. A partir de agora, o Parlamento e o Conselho -e, naturalmente, a Comissão supervisiona o processo- poderão obrigar aos governos a cumprir com as recomendações do Tratado de Maastricht, também conhecido pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento, pouco respeitado nas últimas datas. A partir de 2005 este Pacto parecia uma reliquia pitoresca. Mas agora, graças ao "sexteto", não tolerar-se-ão nenhum déficit maior de 3% nem dívida nacional maior de 60% do PIB. O que precisam os povos, que não se equivoquem, é uma severa disciplina.

A partir de 2012, os parlamentares europeus e o Conselho diseccionarán os orçamentos nacionais antes de que os parlamentos nacionais os possam ver. Se os países não reduzem as suas dívidas o suficientemente de pressa ou se negam a aceitar as "sugestões" de Bruxelas, impor-se-ão as medidas. Em caso de terquedade por parte dos estados membros, o castigo pode chegar a ter que depositar ou perder o direito ao 0,01, 0,02 e até o 0,05% do PIB do país; tudo depende de como se julga o delito. Por exemplo no caso da França, com um PIB de aproximadamente 1.900 biliões de euros (2.600 biliões de dólares), a Comissão poderia exigir um depósito ou multa de ao redor de 20 ou 40 biliões de euros, ou até 100 biliões de euros se a Comissão aplicasse a sanção de 0,05% do PIB.

Fiel aos seus habituais métodos de calada eficiência, aprovaram-se estas medidas "sexteto" permanentes sem mal um murmuro durante todo o procedimento de aprovação; teve pouco debate e praticamente zero envolvimento cidadã. A maioria dos europeus não tem a menor ideia de que isto ocorra e muito menos de que seja uma agressão tão selvagem à capacidade de governo dos seus países. Graças a esta legislação, podemos contar com o poder duradouro da doutrina ultraliberal em toda a Europa, sobretudo na zona euro, à medida que os deputados eleitos sejam substituídos por pessoas nomeadas que não têm que render contas e despojem aos primeiros do direito de elaborar os seus próprios orçamentos.

Este "sexteto", graças também à maioria europarlamentaria de direitas, está agora firmemente implantado e será difícil, se não impossível, de revogar. Em qualquer outro local, quiçá tivessem-se escutado acusações de um em massa golpe de estado contra os governos dos estados membros e os povos. Mas até o momento, tudo está tranquilo na frente da UE.

Simultaneamente, a Comissão alenta aos estados membros a cumprir com outra parte do palco ultraliberal mediante uma variedade de diretoras que assegurem jornadas e vidas de trabalho mais longas e o alinhamento de salários e prestações sociais ao denominador comum mais baixo. Este processo pode ser mais lento mas também será realçado pelo "sexteto".

O Tribunal de Justiça da União Europeia colabora neste segundo objetivo designadamente ao obrigar em 4 sentenças a trabalhadores a aceitar salários de inferior nível, inclusive quando trabalham em países com leis que protegem aos trabalhadores, tais como Suécia ou Finlândia.

Há que admirar a habilidade da Comissão para ser discretos e fazer as coisas sem contrariar desnecessariamente aos cidadãos dos estados membros ou os seus parlamentos nacionais. A aparente complexidade técnica das medidas e o processo de implantação contribuem a manter o silêncio, embora estas medidas são em realidade bastante singelas (e, ademais, levam impressões alemãs por todas partes).

Enquanto, os meios de comunicação europeus, maioritariamente ultraliberais, não vêem a controvérsia no que ocorre entre estruturas em Bruxelas e ajudam a tampar o protesto, até que seja demasiado tarde para a intervenção dos cidadãos. Tudo isto significa maiores vitórias futuras para o ultraliberalismo e o falhanço das economias europeias, isto é o falhanço para o 90% do povo. O 10% restante estará bem. Não há que se preocupar. Martin Wolf parafraseou a Tácito em The Financial Times para descrever a situação europeia: "Eles criam um deserto e chamam-no estabilidade".


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