28/12/2013

2013, quinto ano de crise

Juan Francisco Martín Seco. Artigo tirado de República.com (aqui) e traduzido por nós.

Juan Fco. Martín Seco


A vida pessoal e social são contínuas, o mesmo que a actividade económica. Portanto, fica fora de toda lógica esnaquiçalas, mas o homem não pode conceber o tempo sem distribui-lo em períodos mais ou menos convencionais. De aí o calendário; de aí a saída e entrada dos anos; de aí que as empresas apresentem resultados por exercícios económicos e a costume de que ao rematar um ano se pretenda fazer balance do sucedido, como se se pudesse isolar dos acontecimentos anteriores e posteriores.

Em matéria económica, o ano 2013 pouco se diferencia dos precedentes: recessão (o PIB reduzir-se-á como mínimo 1'3% quase igual do que em 2012; mais despedimentos e mais paro, descida de ordenados, recortes nos serviços públicos e nas despesas sociais, privatizações; uma União Europeia que apenas muda, em que se segue a repetir que se tem feito muito mas que há que continuar na mesma direção; mais lenha; pouco ou nada novo sob o sol.

Não obstante, é pertinente assinalar algumas novidades que se apresentaram este ano. A primeira é que nos últimos meses o Governo e os adláteres teimam em convencer-nos de que começou a recuperação. Baseam-se principalmente em que o PIB abandonou a sua trajetória decrescente e no terceiro trimestre incrementou-se um 0'1%; 0'1 que muito bem podia ser o -0'1% porque, tratando-se de estatísticas e provisórias, é difícil chegar a tal precisão. Porém ainda aceitando que nos vindouros trimestres se produzam taxas positivas estas serão tão baixas que desde logo não criarão postos de trabalho, a não ser a base de repartir os existentes mediante empregos parciais, os famosos minijobs, paro encoberto e, é mais, ninguém garante que não se produza de novo uma mudança de tendência. Após as taxas negativas de 3'8 em 2009 e de 0'2% em 2010, o PIB cresceu 0'1% em 2011, para voltar a cair em 2012 1'6%. Quem nos dá certeza que a história não se repetirá?

Não há nenhum dado que certifique que uma recuperação consistente e sustida seja possível. Apenas o setor exterior apresenta uma tendência positiva, mas paradoxalmente condicionada a que a economia não medre, para que as importações não desbordem às exportações. Fundamentar o crescimento unicamente no setor exterior para além de arriscado é inútil, tanto mais quanto a apreciação do euro compensa folgadamente toda possível melhora adquirida na competitividade através da descida de salários e dos recortes orçamentares, e que Alemanha continua cismando em manter um superavit de 6% no seu balanço de pagamentos.

Nenhum outro fator aponta a uma recuperação sólida. O consumo privado segue colapsado como resultado do paro, da redução dos salários e duma dívida contraída pelas moradas nos anos anteriores; até a recente aprovação da lei da reforma do sistema público de aposentadorias contribui para que a cidadania se retraia no seu gasto. Por sua vez, o consumo público encontra-se no nível mais baixo e tudo indica que, como muito, manter-se-á ou, o que é mais provável, que se reduza devido à política de ajustes que o Governo continuará aplicando na sua luta sem fim contra o deficit. Nada se pode esperar da inversão pública e resulta difícil pensar que a privada poda reanimar-se estimulada unicamente, por acaso, pelo setor exterior, e em ausência de crédito. A pesar do otimismo que tenta infundir o Governo, a probabilidade de que o lastre do euro vaia impedir a recuperação é muito alta.

A segunda novidade, se se pode chamar assim, é que afinal os espanhóis enteraram-se de que as alegrias do setor financeiro vão-lhes custar muitos milheiros de milhões de euros. Até agora tinha-se-nos dito que as achegas à banca eram puros empréstimos ou inversões que se recuperariam mais tarde. As operações realizadas até o momento indicam claramente o contrário. As entidades saneadas com dinheiro público retornam ao setor privado, sem que se recobre o dinheiro investido. A prova mais clara de que a quantidade de recursos achegados pelo erário público através do FROB vai ser a fundo perdido é que Eurostat obrigou a computá-lo como deficit e a incluí-lo dentro do monto da dívida pública, com o que esta atingiu um nível muito preocupante e jamais conhecido pela fazenda pública espanhola, por volta de 100% do PIB.

A terceira novidade a sublinhar, e a que talvez não se lhe concedera a trascendência ajeitada, foi a aprovação da reforma do sistema público de aposentadorias, verdadeiro golpe mortal contra o Estado social e que ameaça com deixar no futuro na pobreza e na miséria a uma parte muito importante da população. A sociedade não tomou consciencia do que representam as mudanças inseridas e tampouco de que as pensões, a níveis já muito baixos, vão perder anos após ano poder adquisitivo [em 2013 2%, nota do tradutor]. Sem dúvida vai ser um duro golpe para os atuais reformados, mas também e talvez em maior medida para os futuros. O Governo propus-se sanear as finanças públicas e fazer frente ao enorme endividamento, fazendo recair o custe sobre a parte mais vulnerável da sociedade, os reformados.

A reação da oposição foi mais morna do esperável. Ao PSOE, tão proclive a declarar respeito a determinadas leis que as mudará quanto chegue ao poder, não se lhe ouviu comprometer-se a modificar esta. Surde a suspeita de que, presa dos acordos do Pacto de Toledo e da crença de que as aposentadorias apenas se podem financiar com as cotizações, não lhe desgosta em excesso a reforma e de que, em certo modo, alegra-se de que o atual Governo tenha feito o trabalho sujo.

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