Amílcar Cabral (1924-1973)
No
quadro de princípios de democracia
revolucionária
(…) cada responsável deve tomar com coragem a sua
responsabilidade, deve exigir dos outros respeito pelas suas
atividades e deve respeitar as atividades dos outros.
Por outro lado, não devemos esconder nada ao nosso povo, não
devemos enganar o nosso povo. Enganar o nosso povo é criar bases
para a desgraça do nosso Partido (…).
Temos que acabar com a mentira, temos que ser capazes de não enganar
ninguém, sobre as dificuldades da luta, sobre os erros que
cometemos, as derrotas que eventualmente tenhamos, e não podemos
acreditar que a vitória é fácil (…).
(…) Nós fiamos nas aparências, na nossa própria imaginação,
temos tendência para isso, para fiarmos na nossa imaginação.
A democracia revolucionária exige que combatamos todo o oportunismo,
como eu já vos disse, que combatamos também a mania que os
camaradas têm de perdoar os erros muito depressa. Eu sou
responsável, tu cometes um erro, e perdôo-te, com a intenção
seguinte: agora já sabes que estás nas minhas mãos. Isso não pode
ser, ninguém tem o direito de perdoar os erros sem primeiro discutir
os erros diante de toda a gente. Porque o Partido é nosso, de nós
todos, não é de cada um, é de todos nós (…). Chegou a hora de
parar com as desculpas. Há um trabalho para fazer, faz-se e faz-se
bem, não há desculpas.
(…) uma luta é o seguinte: vitória permanente contra as
dificuldades. Se não houvesse dificuldades não era luta, era um
passeio, era um piquenique.
[…]
[…]
[…]
Chegou a hora de sermos amigos daqueles que têm valor, aqueles que
não prestam não podem ser nossos camaradas, nossos amigos. Quem
trai o Partido, quem procura dividir-nos, quem faz planos para
sabotar o Partido, quem serve o inimigo, quem convive com os inimigos
do Partido, não pode sentar-se connosco, não pode comer connosco na
mesma tijela, não pode beber do mesmo copo ou da mesma caneca, não
pode dormir na mesma cama. Porque ou nós prestam, ou então não
vale a pena continuarmos a nossa luta como estamos a fazer, porque,
mais dia menos dia, afogam-nos no mar de grande confusão que nós
mesmos podemos criar.
OS INSUBSTITUÍVEIS
Temos que ser capazes de evitar as manias de certos camaradas, de que
se eles saírem do posto em que estão, estraga-se tudo, acaba tudo.
Ninguém é indispensável nesta luta; todos nós somos necessários,
mas ninguém é indispensável. Se alguém tiver que ir, que se vá
embora e, se a luta parar, então é porque ela não prestava. (…)
Porque um homem que fez uma obra que só ele é capaz de continuar,
ainda não fez nada. Uma obra vale, na medida em que é obra de muita
gente e há muita gente que é capaz de pegar nela para levar para a
frente, mesmo que uma mão saia.
Mas há camaradas que tem manias na cabeça (…). Isso, para não
falar de casos de outros camaradas que se são transferidos para
outro lado, pensam logo que vão morrer, porque já criaram todas as
condições de trabalho num lado e foram chamados para ir para outro
lado. Que inconsciência! (…).
Devemos ser capazes de defender a verdade, dizer a verdade diante de
toda a gente, sem medo, mesmo se depois da verdade aparecem
dificuldades. Devemos dizer a verdade cara a cara, concretamente.
Os militantes não devem ter medo de responsável nenhum no quadro do
nosso Partido. (…) O noso Partido deu a toda a gente a mesma força
para não ter medo de ninguém, nós dissemos que estamos a lutar
para acabar com o medo no seio do nosso povo na Guiné e Cabo Verde.
Não devemos ter medo de ninguém, nem que for o militante mais
humilde, não deve ter medo de ninguém, nem do Secretário Geral,
nem de ninguém. Deve ter respeito como deve ser, porque isso é
respeito por si mesmo.
E os responsáveis não devem ter receio dos militantes. Há
responsáveis de quem os militantes, os combatentes, têm medo. (…)
Mas eles também às vezes tem receio dos militantes. Se ouvem uma
conversazinha, já querem saber o que é e porquê, porque têm medo
que lhes vão criar problemas com a Direção do Partido. Temos que
acabar com isso.
A democracia revolucionária exige de facto, que os responsáveis, os
dirigentes, vivam no meio do povo, à frente do povo, atrás do povo.
Devem trabalhar para o Partido na certeza de que estão a trabalhar
para o povo da nossa terra. (…) Nas áreas liberadas, alguns
camaradas têm usurpado esse poder ao nosso povo. Temos que passá-lo
para as mãos do nosso povo; ainda estamos em guerra, é um bocado
difícil, mas à medida que avançamos temos que passar o poder ao
nosso povo, para ele ter a certeza de que o poder é seu de facto.
E ninguém no Partido deve ter medo de perder o poder. (…) Nós não
devemos ter medo de nada, devemos contar claramente a verdade ao
nosso povo, aos nossos militantes, aos nossos camaradas e, se não
ficarem contentes e puderem, que corram connosco, que nos ponham
fora. Mas nenhum de nós deve ter medo de nada, não devemos esconder
a verdade para conservar o nosso lugar. Isso seria trair o interesse
do nosso povo, da nossa terra e de todos aqueles que confiam em nós.
(…) estar com a nossa gente, para lhes ensinar, para lhes dar
consciência, não contar-lhes mentiras, enganá-los com promessas
falsas. Todos compreenderam.
Como eu disse, devemos avançar cada dia mais, para pôr o poder nas
mãos do nosso povo, para transformar profundamente a vida do nosso
povo, para pôr mesmo todos os nossos meios de defesa nas mãos do
nosso povo, para ser o nosso povo quem defende a nossa revolução.
Isso é que será de facto uma democracia revolucionária, amanhã,
na nossa terra. Quem manda no seu povo, mas tem medo do povo, está
mal. Não devemos nunca ter medo do povo.
No quadro da democracia revolucionária, como já disse, devemos
passar para a frente os melhores filhos da nossa terra e cada dia
devem ficar para trás os piores, aqueles que não prestam. Porque o
nosso trabalho é preparar a nossa enxada, o nosso arado, o nosso
martelo, com os quais vamos construir o futuro do nosso povo, na
liberdade, no progresso e na felicidade. Vamos melhorar cada dia o
nosso Partido, porque quanto melhor o nosso Partido estiver, mais
certeza nós temos de conseguir aquilo que queremos para o nosso
povo. Por isso mesmo, devemos fazer, como já dissemos, com que o
nosso Partido seja cada dia daqueles que são capazes de o fazer cada
vez melhor.
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