01/02/2014

Disputar Europa

Gerardo Pisarello. Artigo tirado de Sin Permiso (aqui) e traduzido por nós. Para boa parte da população, as eleições europeias carecem de importância. Paradoxalmente, isso ocorre em um momento em que Europa se tornou um terreno de batalha decisivo.  Este domingo Anova-Irmandade Nacionalista celebrará uma Conferência Nacional para decidir o programa da formação para Europa (#aNovaEuropa). Decidimos, por isso, traduzir este artigo de Gerardo Pisarello que se soma a outras achegas sobre a importância destas eleições que celebrar-se-ão no mês de maio. Veja-se por exemplo "Bloco prepara programa para as eleições europeias" (aqui) ou "Quê se joga a esquerda nas eleições europeiais?" (aqui). O negrito é de nosso.
                   

Para um setor importante da população, as eleições europeias são uma convocação inservível. Se a classe política local encontra-se baixo severa suspeita, no caso europeu o julgamento é ainda mais duro. O Parlamento Europeu é percebido como uma instituição longínqua, com concorrências misteriosas mas mais bem inúteis e um papel marginal na malha institucional da União Europeia (UE). Em parte do imaginário coletivo, o seu maior serviço ao bem comum consiste em ter acolhido a políticos retirados, assegurando-lhes uma aposentação plácida, sem sobressaltos. São este tipo de imagens as que alimentam, não sem razão, as previsões abstencionistas. Daí a tendência a minimizar a importância destas eleições, a tratá-los se talvez como uma oportunidade para medir forças locais e para ganhar músculo face a pugnas eleitorais posteriores.

E no entanto, todo isso ocorre em um momento no que Europa se converteu em um terreno de batalha decisivo. Mais, sem dúvida, que faz cinco anos, quando a expropiação política e económica das populações do continente -sobretudo do Sul e do Leste-, não era tão drástica. É na UE, de facto, onde se fraguan parte dos resgates a entidades financeiras que incharam as borbulhas especulativas e que agora se beneficiam impunemente do seu estourido. É na UE onde os homens de negro e o clube de amigos de Goldman Sachs ultimam os planos de austeridade que condenam a milhões à precariedade e à exclusão. É na UE onde os lobbies das principais transnacionais pressionam para limitar a liberdade de expressão na rede e outros meios ou para laminar os standards laborais, sociais e ecológicos.

Combater esta ofensiva desde a própria UE não é fácil. Antes de 1979, o Parlamento europeu estava integrado por delegações dos parlamentos estatais. Isto permitia um vínculo algo mais estreito entre a política local e a comunitária. Quando se introduziram as eleições diretas ao Parlamento, os deputados de um e outro âmbito deixaram de se reunir. A mudança deu pé a um paradoxo. Tinha questões que se discutiam em Estrasburgo, mas quando chegava o momento de propor nos parlamentos estatais, ninguém sabia o que o seu próprio partido propunha.

Este afastamento, somado ao crescente protagonismo de instituições sem legitimidade democrática como a Comissão Europeia, o Banco Central ou o Tribunal de Luxemburgo, acabou por dinamitar o carisma do Parlamento. Dava igual que a cada novo Tratado recordasse a conquista de umas quantas concorrências. A perceção generalizada era que ali tinha pouco que fazer. Isto se refletiu de maneira nítida na participação eleitoral. Em 1979, foi de 63%. Desde então, não deixou de cair. 61% em 1984; 58,5% em 1989; 56,8% em 1994; 49,8% em 1999; 45,5% em 2004; 43% em 2009.

Para algumas posições críticas, esta tendência assinalaria uma linha de atuação: deixar languidecer o Parlamento e redobrar no âmbito local. O europapanatismo professado pelas elites que se renderam à Troika e que nestes dias desfilam nos salões de Davos faz compreensível esta reação. Mas afirmar-se sem mais nela pode resultar perigoso.

Primeiramente, nenhum dos partidos responsáveis da atual deriva antidemocrática e autoritaria da UE -incluídos o PP e o PSOE- deixarão de ir a Estrasburgo a cumprir o seu papel. A extrema direita de Marine Lhe Pen ou de Geert Wilders também não resignará este espaço
. Aborrecerá em público a perda de "soberania naciona" em benefício da "tecnocracia de Bruxelas". Mas fará todo o possível por conseguir no Parlamento um altavoz que lhe permita propagar as suas causas: atacar à "plutocracia" enquanto pactua com banqueiros e grandes empresas, converter à imigração em bode expiatório da crise ou encirrar o chovinismo e a islamofobia.

Os movimentos sociais e sindicais partidários de uma radicalización democrática e as forças transformadoras de esquerdas e ecologistas não podem deixar o campo livre a estas iniciativas. Nem aqui, nem na Grécia, nem em Portugal, nem na Alemanha. Quiçá o Parlamento europeu conte pouco e a sua presença mediática seja escassa. Mas também pode ser uma caixa de ressonância e um espaço de contrapoder e resistência. A experiência dos últimos anos testemunha-o: quanto mais controladas estejam as instituições europeias por forças tecnocráticas ou reacionárias, maior será o sofrimento e a impotencia das populações locais, começando pelas mais vulneráveis.

Dar batalha nas instâncias supraestatais não é incompatível com a defesa da organização desde abaixo e das iniciativas cooperativas no território, nos locais de trabalho, ou nas pequenas escalas em general. Pelo contrário, o fortalecimiento da democracia nestes âmbitos depende estreitamente do que se consiga em escalas mais amplas. Para reverter a fraude e a regresividade fiscal, para pôr fim às dívidas ilegítimas e impagáveis, para combater a xenofobia e a homofobia ou para contrarrestar, singelamente, a oligarquização da vida política e económica. Levar a necessidade de uma rutura democrática para além das fronteiras, denunciar os cantos de sirene do repregue estatal e criar as condições para um processo constituinte, também europeu, não é singelo. Mas ou faz-se desde premissas solidárias, internacionalistas, ou a serpente incubará o seu ovo racista e anti-igualitário também no coração do continente.

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