Ao insinuar-se a actual crise económica mundial, ainda antes do eclodir da bolha das hipotecas norte-americanas, começou o que muitos chamárom o "regresso" de Marx. Revistas de actualidade e de ampla difussom internacional pugérom o seu inconfundível retrato nas suas portadas. A nota de tapa era Marx. Em algumhas enquisas relevantes foi elegido como um dos pensadores mais destacados de todos os tempos. A propósito do resgate financeiro, nos principais jornais norte-americanos, propinavam-se como insulto ou como gabança o subscrever as ideias daquela personagem tam querida e tam odiada, nascida em Tréveris, em 1818. Nom muitos anos atrás, o seu recordo ficara sepultado e a sua obra esmagada e degradada por pseudoexégetas, interpretadores falsários e filisteus de qualquer pelámia, a que se agregou a dereitizaçom da socialdemocracia e a implosom da URSS. Porém o Marx original, a sua obra - desprovista das versons de tantos "marxistas" que já em vida tanto ele como Engels desprezárom - apenas se está projectando nos círculos académicos, nas tertúlias da esquerda e nos debates políticos coerentes. No entanto, segundo pinta hoje o mundo, quer dizer a economia, a política e a cultura, parece que as ideias de Marx e Engels poderám seguir ilustrando grande parte do século XXI. Muitos perguntarám-se o quê é o projecto MEGA [nom tem nada , por suposto, a ver com o escandaloso e desastroso Plano MEGA da Junta de Galiza de Fraga para electrificar o rural em condiçons; N.T.]. Nom se trata dum dispositivo electrónico para espiar comunicaçons ou o desenho dumha nova barragem gigantesca. É um dos maiores emprendimentos editoriais da actualiade, e possivelmente entre os mais destacados de todos os tempos: a nova ediçom crítica das obras completas de Carlos Marx e Federico Engels (Marx-Engels Gesamtausgabe). O professor Michael Krätke, coeditor da nova MEGA, explicou durante quase duas horas as características desta espetacular iniciativa, numha palestra celebrada na Universidade de Barcelona, na víspora do encontro internacional de Sin Permiso realizado em Madrid, no último mês de Dezembro. O auditório da palestra - maioritariamente integrado por académicos e estudantes conhecedores da obra de Marx - foi surpreendido por alguns trechos da minuciosa e apasionada exposiçom de Krätke, tanto pola sua solvência académica, rigor conceitual, contexto histórico e dominío das matérias sobre as que trabalhárom Marx e Engels, como polas descobertas que ponherá a luz a nova MEGA.
Krätke lembrou que a primeira iniciativa de reunir e publicar toda a obra de Marx e Engels puxo-se em marcha em 1911, dirigida pola socialdemocracia alemá, com a participaçom de Carlos Kausky, Augusto Bebe, e Eduardo Bernstein [veja-se o último artigo de Beiras publicado neste blogue; N.T.]. Depois o projecto passou à URSS, em 1922, sob a direcçom de David Riazanov, até que foi destituído por Stáline, em 1931, e fusilado anos mais tarde, em 1938, junto aos seus companheiros da velha guarda bolxevique.
Na MEGA coeva, que começou a desenhar-se em 1960 e estima-se que culminará dentre de 25 ou 30 anos, trabalham 80 colaboradores de 8 países e 3 continentes. O plano original, explicou Krätke, contempla a publicaçom duns 164 volumes. Estes som duplos, já que comprendem o texto original mais todos os apartados ou anexos. Os princípios acordados para o imenso reordenamento e revisom de manuscritos, vários inéditos, livros e artigos publicados, mais toda a correspondência Marx-Engels e destes com amigos, colaboradores e editores, etc. som o respeito e a fidelidade do original, para além da certificaçom da sua autenticidade e a sua preparaçom para ser editados na forma completa e integral. A equipa multidisciplinar que trabalha no MEGA realiza um seguimento da evoluçom dos textos, discute exaustivamente os mesmos, evitando ao mesmo tempo os comentários políticos.
Com a perícia dum aqrqueólogo que vai limpando com cuidado as peças do achádego para nom daná-lo, expuxo Krätke as visicitudes polas que passárom os trabalhos de Marx mais difundidos. Todos tenhem a sua história, as suas polémicas, as marcas da manipulaçom ou do silenciamento. Aliás, há "montes" de papéis: fichas, depoimentos, cartas, quadernos com cálculos matemáticos, que os entusiastas da Mega ordenam e qualificam. No plano da nova MEGA, O Capital e todos os textos preparatórios e manuscritos, somam 15 tomos, a maior parte já tenhem sido publicados em alemám. A correspondência entre Marx e Engels e de eles com terceiros, comprende 35 volumes. A colecçom de extractos, fichas bibliográficas e depoimentos na margem dos amigos inseparáveis, levará-se outros 32, segundo o programa editorial. Notável: a 127 anos da morte de Marx ainda há trabalhos inéditos de Marx, dixo Krätke. Um deles sobre a crise financeira de 1857-1858 será publicado o vindouro ano, e esperemos que nom tard em traduzir-se para o castelhano [o galego]. Segundo o investigador alemám - que posê umha contundente trajectória como economista e historiador, a que se agregam os seus conhecimentos da obra de Marx - o trabalho sobre a crise de 1857 bota luz para entender melhor a crise financeira e económica actual. Aquela como a de hodierno, começou nos Estados Unidos (1). Krätke encarregou-se aliás de refutar à luz das investigaçons até agora rematadas, as especulaçons sobre as diferenças entre Marx e Engels e as diligências deste em procurar ordenar e publicar a obra inconclusa do seu amigo. Pudo haver cometido alguns erros, mas o de Engels foi um trabalho cuidadoso e respetuoso, assegurou.
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O Reino da Espanha na obra de Marx
Várias vezes na sua trajectória intelectual, Marx, realizou estudos sistemáticos sobre a história de Espanha. Particularmente entre os anos 1847 e 1848, depois durante os anos 1850 e 1851, 1854 e 1855 e, por último, entre 1878 e 1882, quase ao final da sua vida. Numha oportunidade, no período que vai de 1854 a 1855, Marx puxo-se a escrever umha história crítica das transformaçons revolucionárias em Espanha, precisou Krätke.
Por algum tempo desde 1854, Marx escreveu sobre a situaçom política espanhola para o New York Daily Tribune - vários destes artigos contárom com a pena de Engels- e formam parte da secçom da MEGA denominada a Espanha revolucionaria. (2) Sobre as motivaçons que levárom a Marx a estudar a história e a política do Estado espanhol, explaiou-se Krätke ao pontoalizar que ali topou nom poucas chaves do que seria a sua teoria política ou, dito doutra forma, a acumulaçom de conhecimentos e papéis para elaborar umha teoria política.
"Marx nom começa com as 'leis' da história, afirmou, ele constata e discute os fenómenos e as apariências, regularidades e irregularidades, e procura entom as explicaçons históricas". Marx estudou em profundidades, no caso espanhol, a relaçom entre a formaçom das classes, da sociedade burguesa e do Estado moderno. Segundo Krätke, o modelo dum primeiro Império colonial global, a forma curiosa que tomou o absolutismo, o conceito dum liberalismo avançado e o desenvolvimento revolucionário tam particular, é o que fazia de Espanha um campo de análise muito valioso para Marx. Entre outras cousas, para entender a transiçom do feudalismo ao capitalismo [que se completa no rural ainda na década de setenta do século XX; N.T.]. Transiçom para a formaçom do Estado moderno, que, lembrou Krätke siguindo a Marx, tomou formas muito diversas.
Um capítulo relevante na secçom da nova MEGA dedicada a Espanha, terám os trabalhs de Marx sobre a Constituiçom de Cádis de 1812 [ quado nasce o Reino de Espanha e o estado-naçom espanhol, a inventio de Espanha; N.T.]. Freqüentemente olvida-se a sólida e inicial formaçom de Marx como jurista. A propósito de Espanha volve a estes temas da sua interesse com a crítica às interpretaçons coevas da constituiçom de 1812, a que valorava pola sua originalidade e pola situaom política que lhe dá origem. Trabalho que, por sua vez, dispara a preocupaçom de Marx cara um releitura da Constituiçom francesa de 1791 e a análise da Constituiçom espanhola de 1820. Marx reflexiona nesses ensaios sobre a natura das constituiçons revolucionárias, indicou Krätke, sempre "impraticáveis" e "impossíveis".
Ao retomar as suas investigaçons espanholas, 20 anos depois, Marx, revisa mais umha vez os vencelhos entre o Estado espanhol e a história política mundial, a formaçom do estado moderno na Europa, depois do ano 1000, a Consquista e a "Reconquista" e o papel de Espanha como poder militar e imperialista, resenhou o coordenador da nova MEGA.
[1] Veja-se Michael R. KrÄtke, "Marx, periodista económico", em Sin Permiso, nº6, Barcelona, 2010.
[2] Com traduçom e prólogo de Manuel Sacristán, em 1960, a editora Ariel de Barcelona publicou com o título de Revolución en España os artigos jornalísticos que de Marx e Engels sobre Espanha se conheciam entom.
Carlos Abel Suárez é membro do Comité de Redaçom de SINPERMISO.
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