14/09/2010

Trotsky a 70 anos do seu assassinato: passado, presente... futuro? Entrevista

Tariq Ali. A entrevista foi tirade de aqui. A traduçom para castelhano foi elaborada por Gerardo Pisarello. O Tariq Ali é mesmo membro do cocelho editorial de Sin Permiso, para além de autor do recente livro The Duel: Pakistan on the Flight Path of American Power, que foi traduzido para o castelhano em Alianza Editorial (Madrid: 2008) sob o título Pakistán en el punto de mira de Estados Unidos: el duelo. A traduçom para galego-português da presente entrevista é de nosso.



O escritor, activista e comentador político Tariq Alí foi umha figura destacada do trotskismo nas décadas de 60 e 70. No entanto, o seu compromisso com Trotsky vai além da política do partido. Como testemunha disto, apresentamos a conversa que mantivo há poucas semanas com Kirsty Jane Mc Cluskey, do colectivo de bibliófilos Vulpes Libris, com motivo da apresentaçom no Festival do livro de Edimburgo do seu romance A noite da borboleta de ouro.

Em Os anos de luita na rua dizias que leras por vez primeira a biografia de Trotsky de Isaac Deutscher estando doente, na cama (umha experiência calofriante sobre a que preferiria nom ter tantos dados). Depois daquilo, quando começaches a ler a Trotsky? Qual foi o teu primeiro contacto com a sua obra?

Trás ler a trilogia de Deutscher, vim-me arrastrado de maneira natural a ler os escritos do protagonista daquela biografia fascinantes, sem precedentes. Assim, comecei por A minha vida, a autobiografia de Trotsky, um texto belamente escrito que se le como se se tratar de ficçom de alto voo. A qualidade literária de Trotsky impactou-me enormemente. E isso conduziu-me para outros escritos seus. Para a minha geraçom foi um autor muito importante, pois oferecia umha alternativa a um sistema que já entom nom funcionava e que ia por mal caminho. Fôrom aquelas leituras as que me figêrom trotskista, entre a década de 60 e 70.

Ernest Mandel foi outro ponto de referência. O chamativo é que naquela época entramos em contacto com gente que conhecia ou que tivera vencelho directo com os bolxeviques, o que fazia que nos sintiramos os continuadores dumha tradiçom. Trotsky, em todo caso, ficou sempre cabo de mim. As suas análises exibiam umha grande capacidade de antecipaçom. Pensa, por exemplo, no livro que intitulou O quê é a Uniom Soviética e para onde vai? e que foi mal traduzido como A revoluçom atraiçoada. É um livro sobérvio. Ali plantejava que ou bem a Uniom Soviética dava um passo adiante ou se convertia numha democracia socialista, ou bem haveria umha regressom capitalista em que boa parte dos burócratas de entom se convertiriam nos milhonários do futuro. Os seus críticos diziam: "está doído!". Nom havia ninguém que pudera ir tam longe na análise. Trotsky tinha umha mente muito fina, e acredito que foi a combinaçom das suas qualidades como intelectual e como revolucionário o que o fixo tam interessante, para mim, desde logo, mas também para muita gente que estava entrando na vida política em 60.

Volver-te trotskista, daquela, foi um caminho natural naquela época?

Naquela época sem dúvida. Porém nom podia ser doutro jeito. Nom havia tantas opçons. Depois, aos poucos, davas-te conta de que Trotsky era umha cousa, e que muitos trotskistas eram algo assaz diferente. Nom por acaso o próprio Trotsky, em resposta a todo isto, declarara "eu nom som trotskista".

Desde os sessenta, que com tanta eloqüência tés descrito em Anos de luita na rua, como evoluiu a tua relaçom com Trotsky?

Quando a gente me pergunta: "ainda és trotskista?", digo que nom, porque que nom som membro de nengumha das organizaçons que se autodenominam desse modo. Para ser honesto, penso que mais bem estám esgotadas. Em troca, sigo considerando-me trotskiano, já que o seu impacto em mim persiste, sobretodo em tempos que som filhos dumha grande derrota, algo que ele conheceu muito bem. A maior parte das sua vida transcorreu nessas condiçons. Por vezes, quando volto sobre alguns ensaios seus que nom lim durante vinte ou vinte e cinco anos, indefectivelmente aprendo algo. É bastante surpreendente.

Umha questom importante em Trotsky foi o seu desprezo polos parvos. E isso foi um problema para ele, porque o Partido Bolxevique estava cheio de idiotas. Trotsky nom perdia o tempo com eles, mas afinal fôrom esses tipos os que se mobilizárom escontra ele. A mim encantava-me a anedota de Trotsky naquela reuniom do Politburó. Como o nível do debate era insoportável, colheu um romance de Balzac ou de Stendhal e puxo-se a lê-la em meio de todo aquilo. Sem dúvida é umha atitude muito arrogante, mas também admirável. Para mim Trosky continua sendo umha figura central do século vinte - como intelectual, como político, como revolucionário- e a sua obra perdurará.

Agora há muitos historiadores guerreiros frios professionais que pretendem desfazer-se dele. Nom suportam que houver um bolxevique capaz de compreender aquele sistema melhor do que eles, numha época, ademais, em que eles estavam totalmente encadilados por ele. Agora escrevem livros para provar que nada bom saliu de todo aquilo: que todo era terrível, que todos eram o mesmo. Que nom há diferença entre Lenine e Estaline, que nom há diferença entre Trotsky e Estaline. Para gente como Robert Service, Estaline poderia até considerar-se melhor nalguns aspeitos. Estaline era alguém com quem se podia fazer negócios, prosperar. E por fortuna nom era judeu. Estaline, depois de todo, conservara de maneira escrupulosa a parte que lhe tocara após a segunda grande guerra, ainda que para a sua própria gente fora um desastre. O poema de Yevtushenko em que se duplica ou triplica a guarda arredor da sua tumba era revelador. Um nom pode tomar-se os trabalhos de gente como Service demasiado a sério. É mais bem umha moda ideológica. Nom chega ao calcanho do que fixo Deutscher, por exemplo. E nom porque Deutscher fora totalmente acrítico, mas porque era quem de situar toda aquela experiência noutro plano. A moda actual consiste em dizer que todo o que passou durante aquele período foi negativo. Eu isso nom o aceito nem o farei nunca. É próprio dumha escola de historiadores que se rinde a feitos consumados e que ignora as diferentes possibilidades existentes em cada situaçom. A revoluçom francesa sufreu um destino semelhante, por isso em Paris existe umha estaçom de metro chamada Estaline, mas em troca nom há nengumha rua com o nome de Robespierre.


Em tua opiniom esta visom das cousas limita-se à academia ou reflexa um troco mais amplo na atitude face a Trotsky?

Creio que é umha questom académica. O resto do mundo, a generaçom mais jovem, nem sequer pensa nestas questons. Essa é a tragédia. Isto é algo próprio da academia e de académicos que querem fazer-se um nome mostrando que som servidores leais do estado e das suas necessidades, e que nom há alternativas ao mundo tal e como é. Publicárom-se alguns livros de académicos jovens - igual de maos- que nem sequer pudem ler. Tenhos-os sobre o meu escritório, mas nem lhes peguei neles umha vista de olhos.

Há umha certa tendência -penso em gente como Slavoj Zizek- que pede "repetir" a Lenine. Acreditas que tem sentido "repetir" a Trotsky de maneira que fora lido polas geraçons mais jovens?

Si, acredito que si. Zizek nom poderia porque nom leu a Trostsky. O que Zizek fai de maneira brilhante, e com troça, e escandalizar à burguesia. É um provocador no sentido estrito do termo. Toma a Lenine, a quem todos odeiam, a quem o pensamento dominante vê como um criminal e um assassino, e força ao leitor a confrontar-se com as suas ideias. Na verdade, alguém deveria tentar um exercício semelhante com Trostky, antes de que pase muito tempo. Na editora Verso estamos pensando nisso.
Hilary Mantel, por exemplo, escreveu um romance sobre Robespierre que me parece muito bom. E há décadas, Alan Brien escrevera outra, menos existosa e menos lograda, sobre Lenine. Nom funcionou mas a tentativa estivo bem.

Podo entender que nos sessenta o vencelho entre o que Trotsky descrevia e o que tu estavas vendo fora mais directo. Porém, qual acreditas que deveria ser a aproximaçom a Trotsky hoje? Que sería o directamente relevante, e quê o que tem um valor mais simbólico ou de estímulo para o debate?

Creio que a sua História da Revoluçom Russa segue a ser um dos melhores testemunhos de alguém que participou dum levantamento revolucionário. A sua autobiografia, os seus ensaios, a sua visom global da realidade e das tendências que se manfestavam nela, a sua prediçom do triunfo do fascismo na Alemanha, a sua advertência aos judeus do destino que lhes esperava se Hitler se impunha. Ninguém escreveu naquela época com semelhante lucidez, e isto é algo do que a gente poderia apreender ainda hoje. Os escritos de Trotsky sobre como podia derrotar-se o fascismo na Alemanha som um correctivo muito importante ao pensamento sectário. A fase, em troca, em que se dedicou a argumentar contra diferentes grupúsculos sectários nom é o mais interessante de seu. Era umha época de derrota, e esse nom era o seu forte. A força intelectual de Trotsky explodiu quando entrou em contacto com movimentos sociais de massas. Os seus escritos sobre a questom judia nom carecem de interesse. Esse é um livro que haveria que resgatar, porque é muito relevante. Trostsky foi o único pensador da esquerda que comprendeu que, para derrotar o fascismo, havia que unir-se aos social-democratas e aos liberais, construir umha frente. Este e um tema de grande actualidade, embora nom haja social-democratas de esquerda. Toda esta questom de construir pequenas seitas em torno a um par de líderes é bastante deprimente. Seria triste que o legado de Trotsky se reduzira a isto.

Numha conversaçom prévia com Geoffrey Swain, ele mencionava as consideraçons de Trotsky sobre planificaçom económica em relaçom com América do Sul. Acreditas que se Trotsky escrevera hoje sobre América do Sul veria o que lá está ocorrendo como algo de interesse, ocmo um lugar em que as suas ideias em matéria de planificaçom poderiam ser úteis?

Si, sem dúvida algumha. Trotsky, em todo caso, defenderia a necessidade de tomar o controlo do estado e do seu aparato. E isto nom tem acontecido. O que há em América Latina hoje é - empregando a linguagem do próprio Trotsky- umha situaçom de poder dual. Há uns governos eleitos com umha base de massas. Porém o exército continua sendo a coluna vertebral do estado, e esse exército nom foi destruído nem transformado. Creio que é isso o que diria. Em qualquer caso, à hora de aconselhar como planejar, etc., alguns dos seus escritos som realmente bons.

Falavas antes de A minha vida como um artefacto literário. Também nesse terreno che influiu Trotsky, como escritor e como leitor?

Há algumha influência, mas um apenas pode aspirar a escrever como ele. Aliás, já é bem sabido que vimos de geraçons totalmente diferentes. Para mim o inglês é umha segunda língua; Trotsky escrevia em russo. Acho que conservo algumhas das suas manieras de ver o mundo, mas nem sequera trato de escrever como ele. Isso nom se pode imitar, ainda que um queira. Era engraçado, nos sessenta, como existia gente em algumhas seitas que tratava de falar, de adoptar as poses de Lenine, de Marx e de Trotsky nos debates de acada dia como se viveramos no mesmo mundo. E que logo tentavam imitar cimo apagar disidentes ou opositores das sua minúsculas organizaçons. Para alguns era umha espécie de arte: juízos, expulsons, denúncias. Umha arte péssima, por certo. Nunca pudem tomar-mos a sério. Eu próprio parodiei algumhas destas cousas num dos meus roamances, o qual me voltou bastante impopular. Mas sentia que era necessário fazê-lo, e nom me arrependo.


A actual tradiçom trotskista no Reino Unido... pensando na distinçom que faizas há um intre entre trotskista e troskiano, que conselhos darias a estes grupos? Acreditas que deveriam mudar a sua relaçom com Trotsky?

Creio que essas mudanças já estám tendo lugar, lentamente. Estes grandes pensadores do passado -Marx, Lenine, Trotsky, Gramsci- todos fôrom importantes e dim cousas das que se pode apreender. Mas nom devem tratar-se coma deuses. Este foi um grande, grande problema nos movimentos comunistas e trotskistas: o seu estilo era muito religioso. Era como se umha cita de Marx ou Trotsky foram suficientes para solventar e fechar um debate. Para ser honesto, isto nunca me impresionou demasiado, nem sequer quando era membro daqueles grupos, e hoje nom me impresiona em absoluto. Há que apreender a julgar os méritos dos argumentos de quem nada tenhem a ver com a esquerda, e encontrar a maneira de debater com eles. E há que fazê-lo porque todas aquelas referências que eram comuns em 60 e 70, e até certo ponto em 80, desaparecêrom. Esfumárom-se. Um pode, portanto, dizer: "imos a dazer isto porque Trostsky o dixo aqui". E logo virá alguém que encotnra umha cita diferente de Trotsky que prova o contrário. E o mesmo com Marx. Porém nom é boa maneira de argüir. É umha maneira religiosa, nem Trotsky nem Marx eram pessoas religiosas. Pola contra, criticárom duramente este estilo e esta maneira de fazer as cousas. Eu creio que este estilo se remonta ao discurso de Estaline no funeral de Lenine: "A ti nos encomendamos camarada Lenine...". Umha cousa triste. Eu creio, de facto, que um dos grandes problemas com a própria evoluçom de Trotsky é que, como o acusavam permanentemente de nom ser leninista, acabou por converter-se numha sorte de leninista semi-religioso, quando em verdade dirigira agudas críticas a Lenine no passado. Sempre sentim, e ainda o creio, que isto foi umha auténtica tragédia para aquele home. Imagina-te, umha inteligência tam potente. Seguramente ele sabia que se estavam cometendo erros, e como ditos erros podiam ou deviam evitar-se, mas nom se atreveu a dizê-lo por temor a que os seus oponhentes políticos podiam fazer com iso. Isto deveu ser umha tortura para ele e creio que, sendo quem era, tinha consciência do que acontecia.

Imagina que um moço, ou melhor umha pessoa de qualquer idade, politicamente consciente, descobre a Trotsky e se sente inspirada por ele, que é que lhe aconselharias? Como se pode ser activista a partir de dita influência?

O primeiro que acho é que um activista tem que ser capaz de apreender de diferentes tradiçons. De Trotsky, de Lenine e de Gramsci, certamente. E de Marx, claro é. Um pode apreender muitíssimo destes grandes pensadores. Porém seria um erro colocá-los num pedestas. Há que criar algo novo. Nunca será totalmente novo, já que nom podemos ignorar o passado e a nossa história, mas há cousas que devem fazer-se doutro modo. O estilo de organizaçom política em que nom há nengum debate ou discusom sérios em que se bota e se expulsa as minorias... todo isso era umha paródia na década de 60 e 70, e hoje é singelamente umha brincadeira. Eu penso que a gente moça nom lhe atrai nada disso. O que me perguntas nom é singelo. Umha resposta honesta seria que nom estou um por cento seguro de qual seria o melhor caminho. O que si sei é que seguir o velho estilo é um caminho errado.

Quiçais, como dizia Deutscher, por vezes um necessita retirar-se a sua atalaia...

Isso parece-me muito importante. Também Marx o dixo após as derrotas de 1848. Vas-te, pensas, escreves. Porém nunca podes deixar de todo de estar activo. Quando acontecem atrocidades, quando se envia gente para a guerra, quando a matam, nom se pode ficar na margem. Ao tempo, há que ser realista. Quando um le alguns papéis escritos por grupos de extrema esquerda... quem pode lê-los? Quer dizer, som pouco mais do que boletins internos. Qualquer esquerda seria que emerja das ruínas do século vinte terá que ser capaz de aprender e desaprender. Caso contrário, mais vale meter-se pescadeiro que ser um esquerdista dogmático e religioso.

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