06/12/2010

Impressões logo duma viagem frustrada

Ângelo Pineda. Artigo tirado de aqui.



Não é preciso que explicite o meu humor nesta altura. Eu fui um dos que ficou sem umas esperadas e merecidas férias pela greve de controladores de tráfego aéreo. Ora bem, antes que exercer de franco-atirador, prefiro informar-me de maneira objectiva e não brindar crédito, sem mais, a todo o lixo que a imprensa burguesa está a deitar sobre os grevistas.

É assim que descubro que tudo começa mais ou menos a finais do ano passado, quando Juan Ignacio Lema, presidente de AENA, diz que num contexto de austeridade pela crise que atravessa o Estado espanhol, os controladores cobram uma média de 350000€; o qual é manifestamente enviesado e falso. Enviesado porque não sabemos quanto cobra Juan Ignacio Lema e os gestores do ente; postos a serem austeros, poderiam começar por aqui. E é falso porque singelamente não é verdade. Contudo, os controladores de tráfego aéreo sim têm umas condições salariais superiores à média da classe trabalhadora. Mas isso deve-se a diversos factores: são um colectivo altamente qualificado, têm uma elevada responsabilidade e ocupam um lugar chave na economia do estado. Acaso queremos que cobrem o salário mínimo inter-profissional?

Mas é que as suas reivindicações não se referem ao soldo! Uma vez revisado o convénio à baixa, de ficar praticamente sem negociação colectiva devido à lei do 5 de Fevereiro,  os controladores tinham aceitado um corte salarial importante em troca de flexibilidade. Que é o que demandavam? Pois “privilégios” tais como 8 dias de descanso ao mês, poder-se acolher às licenças que reconhece não já o seu convénio, senão o próprio estatuto dos trabalhadores, etc. Por que então falamos sempre do elevado salário dos controladores? Porque é a maneira que a mídia e os políticos têm de rachar qualquer tipo de solidariedade com este colectivo laboral fomentando o sã sentimento da inveja.

A realidade é que os controladores ficam à total disposição de AENA os 365 dia do ano para realizar extensas jornadas com uma carga de trabalho crescente pela aposentadoria antecipada dos trabalhadores de 57 anos e a falta de relevo, mas não saberemos isso porque a versão dos controladores está sistematicamente vetada.

Como anedota significativa, estabelecera-se que os controladores deviam fazer 1670 horas por ano.  Os controladores de Lavacolha alcançaram essa cifra em Outubro, mês no que o seu sindicato acusou o governo de incumprimento dos acordos de Agosto.

Assim que a cidadania pode estar indignada pela situação, mas deveria de ter certeza de quem é culpável antes de expressar a sua ira contra uns trabalhadores que quando menos têm a decência de lutar pelas suas condições de trabalho, que já é mais do que se pode dizer da maioria dos colectivos laborais.

É que se pode dizer do governo? O governo e AENA têm forçado as condições laborais dos controladores de tráfego aéreo como parte dum processo de privatização dos aeroportos; uma privatização que se fez efectiva não há muito junto com um decreto que estende as horas laborais dos trabalhadores. Isso antes duns dias feriados. Que esperávamos que acontecesse?

Porém o que já não tem nome é a reacção fascista posterior. O governo, seguindo essa tradição tão espanhola de resolver qualquer assunto a canhonaços, envia o exército... para quê? Os controladores militares não podem substituir os civis porque não têm a formação técnica necessária e constituiria uma irresponsabilidade superlativa. Alguém perguntou ao colectivo de pilotos quantos estariam dispostos a despegar ou aterrar face tal eventualidade?

Como não é possível enviar militares a fazer função de fura-greves, o que fazem é extraordinariamente incrível: declaram o estado de alerta situando uns dois e mil civis sob jurisdição militar e ameaçam grevistas com o delito de sedição que supõe entre 8 e 10 anos de cárcere. Viramos loucos: como é possível que ninguém se leve as mãos à cabeça face esta situação? Estão literalmente trabalhando a ponta de pistola! Definitivamente, Espanha está num fundo coma cerebral.

A resolução militar dum conflito laboral é o precedente mais lamentável que poderia estabelecer o governo socialista que já em nada se pode diferenciar dum governo conservador, a não ser na capacidade de convocar em campanha eleitoral a todo o colectivo de artistas para fazer o palhaço pedindo o voto.

A justificação da medida e digna da ultra-direita: Rubalcava diz que um grupo de trabalhadores não pode perturbar seriamente a vida do país para defenderem os seus “privilégios”. Alguém deveria explicar-lhe o que é uma greve. Seja como for, este lindo governo de esquerdas não foi assim tão severo quando a burguesia financeira e os grandes grupos imobiliários nos levaram à bancarrota perturbando de maneira significativa a vida de muitos e muitas cidadãs. Será porque os controladores de tráfego aéreo ainda são trabalhadores apesar dos seus “privilégios”.

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