01/12/2010

Ponham os olhos na Islândia — agora

Rui Tavares. Artigo tirado do blogue do autor.

Como se está a sair a Islândia? Num critério central o governo de esquerda está a fazer um trabalho notável: o desemprego caiu para quase metade.

Numa semana de 2008, entre o fim de Setembro e o início de Outubro, foram à falência os três maiores bancos da Islândia. Juntos valiam dez vezes mais do que a economia do país.
Ora, nos anos anteriores este país insular de trezentos mil habitantes não tinha só aplicado a receita do costume — desregulação, desregulação, desregulação —; como tinha feito dela uma experiência. Os bancos tiveram rédea larga para criar e investir nos mais sofisticados produtos financeiros. Quando a bolha rebentou deixaram milhares de clientes — principalmente no Reino Unido e na Holanda — na mão; e os islandeses com uma dívida que não tinham feito nada para contrair.
O país estava na falência; a coroa islandesa caiu sessenta por cento; ainda mais rapidamente caiu o governo de direita que tinha governado durante os dezoito anos anteriores.
Quando foram a eleições, os islandeses viraram energicamente à esquerda, dando a vitória aos sociais-democratas, de centro-esquerda, e à aliança verde-vermelha, de esquerda radical. O novo governo tem cinco ministros de cada um desses partidos.
Em suma: crise chegou lá primeiro e com mais força; mas a reação à crise, ao contrário do habitual, foi de esquerda e não de direita.
Talvez por causa deste duplo interesse a Islândia nos permita começar a pensar uma resposta à seguinte pergunta: há mais do que uma maneira de governar perante a crise? Ou será — como nos garantem tantas vezes — que não há mesmo alternativa?
O parlamento islandês tem um nome invulgar – althingi — e apenas 63 deputados, mas tem registos quase ininterruptos do seu funcionamento desde há mais de mil anos. É provavelmente o mais antigo parlamento do mundo.
Os sociais-democratas têm nele vinte deputados; a aliança verde-vermelha elegeu quinze. O chefe parlamentar dos verde-vermelhos, Arne Thor Sigurdsson, esteve em Estrasburgo na semana passada.
Arne é um tipo de conversa franca e não evita dizer, logo de início, que as coisas não são fáceis; os islandeses, e em particular os que votam verde-vermelho, não querem regredir nas conquistas sociais que deram ao país um dos mais altos índices de desenvolvimento humano do mundo.
“A nossa grande batalha no governo foi garantir que a principal resposta passasse por uma reforma fiscal e não por cortes nos serviços públicos; sem isso, os nossos eleitores não achariam que tivesse valido a pena entrar no governo. E eu acho que ganhámos essa batalha.” Isto não quer dizer que não tenha havido cortes — o tamanho da dívida islandesa é simplesmente grande demais — mas estes foram secundários. O resto depende de negociações com britânicos e holandeses para renegociação da dívida — e nisso, as coisas são como são, parece que os governos conservadores se preparam para ser mais generosos do que os socialistas.
Noutros campos foram os verde-vermelhos a ceder aos sociais-democratas. A Islândia faz parte da NATO — embora não tenha exército — e abriu negociações para a entrada na UE.
E como se está a sair a Islândia? Dada a escala da crise, menos mal do que temido. E num critério central o governo de esquerda está a fazer um trabalho notável: o desemprego caiu para quase metade, de treze para um pouco menos de sete por cento. Mesmo assim, muito acima dos apenas um ou dois por cento de desemprego a que os islandeses estavam habituados.
A Islândia pagou caro a irresponsabilidade dos tempos em que nos diziam para pormos os olhos nela. Agora que está a tentar dar a volta é que passou a ser essencial segui-la.

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