Mike González. Artigo traduzido por nós e tirado de aqui. Mike González é membro do Socialist Workers Party de Grã-Bretanha, realiza tarefas académicas na Universidade de Galsgow e escreve regularmente sobre temas vinculados a América Latina. Entre suas obras podem destacar-se: Cuba, Castro and Socialism with Peter Binns (1980), Cuba, Socialism and the Third World with Peter Binns and Alex Callinicos (1980), Nicarágua: Revolution Under Siege (1985), Nicarágua: What Went Wrong? (1990), Which Way Forward for the Movement? with Alex Callinicos (2002), Che Guevara and the Cuban Revolution (2004), Bolívia: Rising of a People (2005). Com pequenas mudanças a fonte original tomou este trabalho do site de seu grupo irmão no Estado espanhol (www.enlucha.org).
Este folheto assinala os fios finque do pensamento de Marx e expõe-nos ao lado de uma descrição de como Marx se desenvolveu politicamente. Começando dos temporões dias estudiantiles de Marx, considera como os pensadores radicais da época começavam a ver como a sociedade e a vida se baseavam na realidade material para depois traçar o desenvolvimento de Marx pela rota do materialismo histórico. Nunca dá a impressão de que Marx fosse meramente um filósofo. Citando as palavras famosas de Marx "os filósofos só interpretaram o mundo; do que se trata é de transformá-lo" revela-nos um Marx inmerso nas actividades combativas da época, ajudando a criar a Primeira Internacional e participando em suas reuniões. Muitos dos escritos de Marx surgiram destas actividades: o Manifesto Comunista é o melhor exemplo. Mas também nos mostra como a experiência da Comuna de Paris ajudou a Marx a desenvolver suas teorias do Estado e da organização política.
Mike González (2005)
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1. NASCE UM REBELDE INSOLENTE
Karl Marx era revolucionário. Já velho, ele costumava dizer que às vezes quando olhava à gente que se dizia marxista, se perguntava se ele mesmo o era. Desde sua morte em 1883, o seu nome invocou-se em muitas ocasiões para justificar a tiranía e a exploração, tergiversando todo o que ele cria e defendia. No entanto, no final dos anos 90, o Manifesto Comunista que escreveu junto com seu colaborador de toda a vida, Friedrich Engels, para surpresa de muitos, foi um sucesso comercial nas livrarias. E ao iniciar-se no século XXI, num sondeo realizado pela BBC de Londres, para conhecer a opinião da audiência sobre quem era o filósofo mais importante de todos os tempos, Marx ficou em primeiro lugar.
Não é correcto, contodo, chamar-lhe filósofo. O mesmo Marx fez questão de que "os filósofos apenas interpretaram o mundo; do que se trata é de transformá-lo". Esta frase famosa marca um momento finque no desenvolvimento de Marx, pois precisamente é então quando o filósofo começa a se transformar no pensador revolucionário.
Karl Marx nasceu em 1818, filho de uma família judia acomodada de Trier, na Terra do Rin, em Alemanha. A princípios de século os exércitos de Napoleón ocuparam brevemente o povo, dantes de que fosse devolvido a um estado prusiano controlado por uma monarquia absoluta. A estadia de Napoleón no lugar foi curta, mas no entanto deixou ali as ideias de mudança e liberdade que propulssou a revolução francesa.
O pai de Marx, Hirschel, costumava soltar comentários públicos sobre a necessidade de um sistema político autenticamente representativo; e denunciava repetidamente a discriminação sofrida pelos judeus de Prusia. Heinrich (tinha-se mudado de nome ao converter-se ao protestantismo) estava bem longe de ser um revolucionário; no entanto, não podia deixar de responder aos novos ares que sopravam por Europa e o jovem Karl, seguramente, absorveu algumas das ideias liberais de seu pai.
Seu pai fez questão de que o jovem Karl estudasse direito: "¡Uma profissão útil!" Assim foi como à idade de 17 anos, Marx entrou na Faculdade de Direito da Universidade de Bonn. Mas a verdade é que lhe interessava bem mais a poesia, o vinho e a filosofia, interesses que se deveram em parte à influência de Ludwig von Westphalen, amigo rico da família, que lhe fez conhecer a Shakespeare e aos poetas gregos. Em 1843, a filha de Ludwig, Jenny von Westphalen, converter-se-ia na esposa e colega de vida de Marx.
O entusiasmo de Marx pela filosofia era bem mais que uma simples preferência académica. Na época em que estudava, os debates filosóficos serviam de oportunidade para propor questões sobre a sociedade, a história e as potencialidades do homem. Um escritor destacado influía mais que os demais nestas polémicas apasionadas: Friedrich von Hegel. Hegel tinha apoiado com entusiasmo a revolução francesa, achando que daria início à época em que as actividades humanas seriam determinadas pela razão. Mas para quando Marx chegou a conhecer suas ideias, Hegel tinha-se voltado conservador. Agora pensava que Deus representava o cúmulo da racionalidad e que sua expressão material mais avançada era o Estado prusiano, repressivo e autoritario.
Marx chegou de Trier com suas ideias liberais a custas e por isso lhe atraiu um grupo de jovens estudantes, quem se dedicaram a "pôr de pernas para o ar ao maestro": os Jovens Hegelianos.(1) Eles identificavam-se com o primeiro Hegel, o pensador revolucionário. Eram ateus e liberais, além de bohemios e estupendos parceiros de parranda, como descobriu Marx quando se transladou a Berlim e se inscreveu no Clube dos Doutores, onde seu melena e sua barba eram reconhecidas sinais de radicalismo.
Aos Jovens Hegelianos e o seu meio unia-lhes a hostilidade contra o opresivo Estado prusiano. Para eles, a revolução francesa significava a Iluminación e a mudança, ideias progressistas capazes de transformar uma Alemanha feudal numa democracia capitalista moderna.
Marx mesmo já tinha ultrapassado as ideias que absorveu durante as reuniões na casa paterna. No entanto, o círculo de empresários progressistas amigos de seu pai financiava o Rheinische Zeitung, jornal radical que se opunha ao Estado prusiano feudal e que Marx começou a editar ao voltar a seu povo natal em 1841.
A vida de Marx, de aqui em adiante, está marcada pela interrelación entre suas ideias em desenvolvimento e os factos sociais e políticos. Um temporão exemplo referia-se ao direito tradicional dos camponeses de recolher madeira no bosque. Uma nova lei definia como roubo essa actividade, por ser o bosque propriedade privada. Os terratenientes e os novos empresários industriais, que financiavam o jornal de Marx, estavam de acordo em que era irrefutável a nova lei. Ficava claro que uma economia capitalista, fundada na propriedade privada, não daria garantia alguma aos pobres nem aos que careciam de propriedade. De ali sacou Marx a conclusão de que um Estado que existia para proteger a propriedade privada nunca poderia oferecer real protecção às classes trabalhadoras.
Isto, para Marx, representava um primeiro grande passo para um entendimento da sociedade em termos de classe. Quando expressava as suas novas ideias no jornal, o censor do Estado prusiano concluiu que estas ideias justificavam o seu fechamento e a expulso de seu editor, quem se voltava "a cada vez mais insolente". Outros periódicos alemães de vanguardia estavam a enfrentar o mesmo destino. Por isso Karl e Jenny decidiram, ao pouco tempo, se mudar para França. À família aristocrática de Jenny molestava-lhe o jornalista pobre e a cada vez mais radical com quem ela tinha vinculado sua vida. Mas, para Karl e Jenny, estas opiniões nunca tiveram maior importância.
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2. MUDANÇAS. PARA PARIS
Muitos exilados alemães foram-se a Paris. Ali o relevo para a difusión das ideias progressistas passaria a um jornal novo, o Deutsche Französische Jahrbücher. Em outubro, Marx convidou ao filósofo Ludwig Feuerbach(2) a colaborar na revista com um artigo que apresentava seu argumento finque: as ideias são produto do ser social, as crenças da gente conformam-se segundo as circunstâncias materiais e sociais nas que vivem. Esta, foi uma concepção extraordinariamente importante, que lhe permitiu a Marx ir para além de Hegel e inclusive dos Jovens Hegelianos. É verdadeiro que a discussão seguia sendo bastante abstracta, mas partia da base de que a transformação do mundo era um processo material; o importante era revolucionar as condições reais da vida. No curso desse processo surgiriam ideias e possibilidades novas.
Esta mudança no pensamento de Marx, pelo demais fundamental, não era somente um salto intelectual. Em França encontrou-se com a realidade de um movimento em massa da classe trabalhadora, no contexto de uma sociedade industrial em desenvolvimento. Nesse movimento as ideias socialistas e comunistas já tinham arraigo, não só entre os trabalhadores franceses, senão também entre os trabalhadores alemães, mais de 40.000, que migraron a esse país. A Marx comoveu-lhe o que ele chamava a "frescura e nobreza" daqueles activistas operários:
É precisamente entre estes "bárbaros"de nossa sociedade civilizada com os que a história está a preparar o elemento prático para a emancipación da humanidade.
Do Jahrbücher editou-se um sozinho número. Os exemplares enviados clandestinamente a Alemanha foram interceptados, provocando a raiva dos censores estatais. Publicaram-se ordens de detenção contra Marx e outros, e a editorial que produzia a revista atemoriçou-se. Não era a primeira vez, e seguramente não seria a última, que Marx se enfrentava, devido a este incidente, com uma ausência real de perspectivas, somando-se a isso a carência de um orçamento doméstico. Mas, ao mesmo tempo, a situação oferecia-lhe uma oportunidade para ler e desenvolver suas ideias, enfrentadas em sérias polémicas, com freqüência furiosas, com outros colegas do movimento. Os seus apontes desta época não se redescubrieron até bem mais tarde, quando se publicaram baixo o título dos Manuscritos Económico-Filosóficos de 1844, ou os Manuscritos de Paris. Marx tinha mal 26 anos; no entanto, estes escritos marcaram um grande passo adiante em quanto a seu entendimento da experiência do trabalho numa sociedade capitalista.
O vocablo "enajenação" não foi inventado por Marx; mas enquanto os filósofos anteriores entenderam-na como uma condição psicológica, ou como uma característica daqueles a quem lhes faltava consciência, Marx a interpretou como produto das condições materiais do trabalho:
O operário é mais pobre quanta mais riqueza produz, quanto mais cresce sua produção em potencial e em volume. O trabalhador converte-se numa mercadoria tanto mais barata quantas mais mercadorias produz. A desvalorização do mundo humano cresce em razão directa da valorización do mundo das coisas. O trabalho não só produz mercadorias; produz-se também a si mesmo e ao operário como mercadoria.
Este facto, pelo demais, não expressa senão isto: o objecto que o trabalho produz, o seu produto, enfrenta-se a ele como um ser estranho, como um poder independente do produtor. O produto do trabalho é o trabalho que se fixou num objecto, que se fez coisa -que agora aparece- como desrealização do trabalhador, a objetivação como perda do objecto e servidão a ele, a apropiação como extranhamento, como alienação. (Karl Marx, Manuscritos Económico-Filosóficos de 1844)
Este grande paradoxo é o fundamento das ideias de Marx. Os seres humanos transformam o mundo com o seu trabalho, criando assim os instrumentos de sua própria libertação. E no entanto, baixo o capitalismo os produtores encontram-se a cada vez mais afastados da possibilidade de liberar-se. Todo o que produzem se lhes sustrae para se converter em objectos que se compram e vendem, em mercadorias, sobre as quais o trabalhador, o produtor, não tem controle algum.
Isto ocorre como consequência das relações sociais que prevalecem. No sistema classista, uma classe é proprietária de todo o que se produz, enquanto a outra classe, a maioritária que produz os bens, possui somente sua força de trabalho, que o capitalista compra e vende como se fosse uma mercadoria mais e o que determina que e como se produz é o desejo do capitalista de obter ganhos e não as necessidades da sociedade em general.
Para os trabalhadores, pois, a única maneira de superar a enajenação é montar uma luta prática contra os capitalistas. Nesse mesmo ano de 1844, a luta dos tejedores de Silesia, em Alemanha, ofereceu a Marx um exemplo vivo de como os trabalhadores podiam lutar contra o sistema. Analisando seu próprio país, Marx via a uma classe de capitalistas e industriais demasiado débis para enfrentar e derrotar um poderoso estado, como tinham feito seus congéneres franceses em 1789. Só a classe trabalhadora seria capaz de se enfrentar a ele.
Alguns contemporâneos de Marx discreparon, fazendo questão de que os trabalhadores alemães não tinham o nível de consciência política necessário. Marx respondeu, com bastante desprezo, que lhes sobrava consciência de classe e citou como exemplo a experiência dos tejedores de Silesia. A defesa apasionada deste grupo de operários assinalava a enorme distância percorrida por Marx e como se afastava de seus colegas de antanho.
Os economistas ingleses, que descreveram o funcionamento do sistema capitalista de produção, fizeram um contributo de primeira importância ao novo entendimento de Marx. Agora começava a falar da "autoemancipação da classe trabalhadora", pois suas novas ideias já eram contribuições à causa revolucionária. Agora entendia que o que impulsionava a história eram forças sociais perseguindo fins económicos e não forças externas a elas, seja Deus ou a razão.
Ao propor sua crítica à religião, Feuerbach tinha acompanhado a Marx numa parte de sua viagem. Mas a este lhe faltava ainda outra parte, a que permitir-lhe-ia afirmar que a história avançava baixo o impulso das acções humanas, e que a transformação da consciência humana era, a sua vez, produto da luta por transformar o mundo material e as condições de produção.
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3. DEZ DIAS QUE ESTREMECERAM Ao MUNDO(3)
Karl Marx e seu grande colaborador Friedrich Engels conheceram-se pela primeira vez em 1844.(4) Filho de um industrialista, Engels já tinha passado tempo na fábrica de seu pai em Manchester, no norte de Inglaterra. Ali pôde ver "a situação da classe operária", a sua pobreza e a exploração que sofriam nas novas fábricas. Via as terríveis condições nas que trabalhavam e viviam os que faziam funcionar a maquinaria productiva do capitalismo industrial. Engels tinha um contacto íntimo com o crescente movimento de massas "o Cartismo(5)" que começava já a organizar a resistência operária ante os horrores desta nova sociedade.
Os dois jovens pensadores (Engels tinha três anos menos que Marx) conheciam os seus escritos dantes de seu encontro em Paris. Esta foi a coincidência de dois cérebros afines, a reunião de dois revolucionários que compartilhavam uma convicção. Agora correspondia-lhes a tarefa de desenvolver uma nova visão do mundo, uma visão comunista.
Mas dantes que nada, tinha que ganhar uma batalha no interior do movimento operário, contra outros elementos que ainda mantinham uma verdadeira influência entre os trabalhadores alemães. A Sagrada Família é uma longa polémica, às vezes muito difícil de seguir, com esses elementos, entre eles os Jovens Hegelianos que acompanharam a Marx durante o primeiro trecho de sua viagem intelectual. O que distingue a Marx e Engels de seus antigos aliados é sua negativa a entrar em discussões sobre as ideias separadas do contexto e as tarefas políticas:
As ideias não realizam nada em absoluto. Para que as ideias se cumpram são necessários homens capazes de lhes dar uma expressão prática (Marx e Engels, A Sagrada Família).
A partir desse momento, Marx e Engels dedicam-se a construir a organização que prepararia a revolução, ou seja o que Engels denominava "a guerra aberta dos pobres contra os ricos". Suas actividades chamaram a atenção dos agentes do estado tanto em França, onde vivia Marx, como em Alemanha onde Engels se encontrava falando com grupos de operários e organizações políticas. O jornal em língua alemã onde apareciam os artigos de Marx, Vorwärts, foi fechado pelas autoridades francesas nas últimas semanas de 1844 e, numas semanas mais tarde, o Governo de França expulsou a Marx baixo a pressão do Estado alemão. Engels saiu de Alemanha dois meses depois, convencido de que a ordem de expulsión contra ele não demoraria em chegar.
Os dois revolucionários voltaram-se a encontrar em Bruxelas, Bélgica, onde ainda existia uma verdadeira tolerância política, ainda que sempre baixo a vigilância da polícia de inteligência. Marx já estava a escrever suas Teses sobre Feuerbach e A ideologia alemã.
São trabalhadores reais em circunstâncias concretas quem fazem as revoluções, insistia, e Engels contribuía as evidências, tanto de luta-las operárias como das condições materiais em que viviam, condições que Marx tinha descrito em termos gerais em seus Manuscritos de 1844. A filosofia, entender o mundo através das ideias, agora cedia seu lugar à prática revolucionária, forjando os instrumentos que seriam capazes de terminar com o capitalismo e a enajenación. Esta nova prática, o marxismo, seria a teoria e a prática da revolução proletaria.
Marx e Engels expressaram sua nova visão n' A ideologia alemã, onde o comunismo se definia como "a doutrina das condições para a emancipación da classe trabalhadora". As Teses sobre Feuerbach, em só três páginas e onze definições clarísimas, expressavam com dramática força até que ponto ambos rompiam com todo o anterior. Os Jovens Hegelianos, por exemplo, sustentavam que a consciência e as ideias produziam as acções; por isso desprezavam a greve dos tecedores de Silesia, argumentando que a esses trabalhadores lhes faltava ainda "a consciência adequada". Com igual desprezo, Marx respondeu que os seres humanos mudam sua forma de pensar ao transformar o mundo que os rodeia:
A coincidência da modificação das circunstâncias e da actividade humana só pode conceber-se e entender-se racionalmente como prática revolucionária. ...os homens que desenvolvem sua produção material e seu trato material mudam também, ao mudar esta realidade, seu pensamento e os produtos de seu pensamento. Não é a consciência a que determina a vida, senão a vida a que determina a consciência (Marx e Engels, A ideologia alemã).
Entender isto significava pára Marx e Engels ver também como as ideias se empregam para manter as divisões de classe. Expressaram-no assim em A ideologia alemã:
As ideias da classe dominante são as ideias dominantes na cada época; ou, dito em outros termos, a classe que exerce o poder material dominante na sociedade é, ao mesmo tempo, seu poder espiritual dominante. A classe que tem a sua disposição os meios para a produção material dispõe com isso, ao mesmo tempo, dos meios para a produção espiritual. As ideias dominantes não são outra coisa que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as mesmas relações materiais dominantes concebidas como ideias; por tanto, as relações que fazem de uma determinada classe a classe dominante, ou seja, as ideias de sua dominación (Marx e Engels, A ideologia alemã).
O que parece ser do sentido comum, uma verdade universal, em realidade pertence ao que Marx denomina a ideologia: em outras palavras, a forma de ver e entender o mundo desde a perspectiva de uma classe. E essa classe controla não só os meios de produção, senão também em grande parte os meios de representação e de explicação. O nacionalismo, por exemplo, parte da base de que todos os que pertencem a uma nação compartilham os mesmos interesses; no entanto, isto só serve para ocultar conflitos de classe profundamente arraigados no seio da sociedade. A ideologia mantém a coesão social para benefício das classes dominantes, e ao mesmo tempo oculta seus interesses depois de uma careta de verdades universais.
Isto só funciona, no entanto, se reforçando com regularidad. A experiência quotidiana constantemente recorda à gente que o mundo que habitam é injusto, desigual e dividido. No passado, correspondia-lhe à igreja propagar e reforçar a ideologia dominante. Em nossa sociedade, toca-lhe à educação por um lado e à cultura de massas por outro diseminar e respaldar essas ideias. O choque entre a experiência da maioria explodida e a ideologia dominante, no entanto, gera a possibilidade de que as novas ideias radicais tenham arraigo. Quando os trabalhadores entram numa revolta aberta contra o sistema, é muito provável que se ganhem milhões deles para as novas ideias -ideias que reflitam fielmente seus interesses reais de classe.
Desta maneira chegou Marx à famosa conclusão, a suas Teses sobre Feuerbach:
Os filósofos não fizeram mais que interpretar de diversos modos o mundo, mas do que se trata é de transformá-lo.
Para Marx, o importante era intervir activamente nas lutas pela transformação social. A partir desse momento, e durante o resto de suas vidas, Marx e Engels dedicaram todas suas energias a este projecto.
Em 1845, Marx acompanhou a Engels a Inglaterra onde se reuniram com dirigentes cartistas entre outros. A insistencia deles convocou-se nesse mesmo ano uma reunião de socialistas residentes em Londres. Nem Marx, nem Engels puderam assistir, mas esta reunião era um claro sinal que apontava para o futuro. Os dois fizeram fincapé no carácter internacional do capitalismo e abogaban por uma resposta, de parte da classe trabalhadora, que fora igualmente capaz de atravessar fronteiras. De regresso a Bruxelas, formaram os Comités de Correspondência Comunista, antecessores da Internacional. O objectivo desses comités era pôr em marcha o processo de "ganhar ao proletariado europeu a nossas convições".
Os comités poderiam ver-se como o embrião de um partido político capaz de se relacionar directamente com as lutas da classe trabalhadora. Era o mais lógico. Mas cabe recordar que, a ideia de que os revolucionários deviam trabalhar em e com a classe operária, cuja libertação seria a força motriz da revolução, não a compartilhavam todos os que se diziam comunistas. Baixo nenhum conceito.
Ainda que o ritmo de estudo e escritura de Marx nunca amainou, o que mais lhe preocupava, no imediato, a ele e também a Engels, era a organização. Ninguém podia prever os acontecimentos revolucionários de 1848; no entanto, já se sentia uma mudança no ar. Eles dedicavam-se agora a reunir aos dirigentes do socialismo europeu para aclarar a natureza de suas relações com o movimento operário. Como em tantas outras ocasiões, esse processo de esclarecimento produzia polémicas ferozes com outras tendências no interior do movimento, cujas ideias apontavam a conclusões organizativas muito diferentes.
As ideias de Pierre-Joseph Proudhon, por exemplo, expressavam as convicções de artesãos e trabalhadores qualificados, argumentando a criação de associações que pudessem operar à margem dos circuitos do capital. Mas Proudhon era hostil aos sindicatos e "oposto à revolução". Ainda mais influência tinha gente como o sastre radical Wilhelm Weitling quem, ao igual que o francês Auguste Blanqui, seguia sendo céptico em quanto à disposição dos trabalhadores a fazer a revolução. E, a não ser que convencesse-se-lhes, segundo eles, esta tarefa devia corresponder aos pequenos grupos conspirativos que actuariam de sua parte. Mas nenhum dos dois, nem também não os seus seguidores, parecia disposto a questionar suas conclusões, apesar do falhanço de todas as tentativas por realizar a mudança social com estes métodos [porque ainda era socialismo utópico e nom científico (passo que dam Marx e Engels do lado do marxismo e Bakunine, Kropotkine e Malatesta no do comunismo libertário); nota do blogger].
Para Marx e Engels, estas ideias significavam um obstáculo real para a construção de uma organização revolucionária segundo o modelo do Cartismo: isto é, uma organização operária de massas.
Para finais de 1845, suas ideias iam ganhando novos adeptos, sobretudo a Liga dos Justos, com sede em Londres, que era bem mais aberta à influência cartista que os demais ramos europeus do grupo. Em princípio, manifestava-se uma verdadeira suspicacia para os "intelectuais europeus", porque as suas ideias pareciam ter muito domínio para além do Canal da Mancha. No entanto, para Marx e Engels o urgente era a criação de um "partido", ou ao menos algum tipo de organização comum. Essa seria a forma de medir a aceitação de suas ideias. Desde Bruxelas agitavam pára que se reunissem com regularidad os Comités de Correspondência. Começaram a discutir questões de táctica e estratégia: por exemplo, como estabelecer uma relação entre os comunistas e os reformistas liberais alemães. A constante actividade era a melhor resposta para quem acusavam-nos de ser meros intelectuais.
Enquanto em Alemanha o ambiente voltava-se a cada vez mais tenso e em Inglaterra o movimento cartista seguia crescendo, Marx e Engels dedicavam-se ao desenvolvimento da organização política e seus escritos eram contribuas a esse trabalho.
Nesse momento, a célula da Liga dos Justos de Londres fez um chamado a uma reunião internacional na capital inglesa, para o primeiro de maio de 1847. Não se consultou a Marx e Engels, mas se enviou um representante a Bruxelas para os convencer de que se inscrevessem na Liga e assistissem à reunião. Era um sinal claro da crescente autoridade política da que gozavam os dois no movimento.
Aliás a reunião realizou-se em junho de 1847, convertendo-se esta no primeiro Congresso da Liga Comunista cuja finalidade, segundo seu primeiro manifesto, era:
o derrocamiento da burguesía, a dominación do proletariado, a supresión da velha sociedade burguesa, baseada nos antagonismos de classe, e a criação de uma nova sociedade, sem classes e sem propriedade privada.
Adoptou como o seu contrassinal: "Proletarios do mundo, uni-vos". Só Engels e seu colaborador próximo William Wolff puderam assistir à reunião; Marx ficou em Bruxelas. No entanto já era óbvia a influência do "partido de Marx e Engels". Quanto mais acercava-se o segundo Congresso de Liga, em novembro do mesmo ano, e na medida em que os objectivos da organização se faziam a cada vez mais claros, se fazia também mais evidente esta influência.
Dizia Engels:
O comunismo não é uma doutrina senão um movimento; procede não de princípios senão dos factos. E na medida em que seja teoria, é a expressão teórica da postura do proletariado na luta (...) e das condições para sua libertação.
O congresso de novembro reuniu a delegados de vários países que debateram e discutiram, durante dias, a respeito do tipo de movimento que tinha que construir. Marx e Engels estavam presentes e, quando finalmente se chegou a um acordo geral, a eles encarregou-se-lhe a redacção do manifesto da nova organização.
Em Bruxelas, Marx parecia vacilar, ou ao menos demorou-se em escrever o texto, apesar de ser um homem capaz de produzir centos de páginas em matéria de dias. Mas conforme ia-se acercando data-a topo, pareceu animar-se. Para finais de fevereiro de 1848 o Manifesto Comunista, a maior parte escrita por Marx mas publicada baixo o nome de Marx e Engels, foi enviada à imprenta. Quando chegou à rua, nuns poucos dias mais tarde, Europa já tinha estourado em lumes.
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4. COM A MARÉ REVOLUCIONÁRIA
Um dos grandes lucros de Marx era, dantes destes factos, ter escrito a obra que tão fielmente expressava o espírito de 1848. É depoimento da perspectiva política sobre o mundo que faz questão de tomar como seu ponto de partida a realidade material de sua época, identificando as tensões e conflitos que jazem, às vezes ocultos, baixo a superfície. Eles, Marx e Engels, entenderam que, como dizia a famosa primeira frase do Manifesto Comunista: "Um espectro percorre Europa, o espectro do comunismo".
Este não é um panfleto político qualquer; é um manifesto apasionado e visionário. Para um leitor do século XXI, ou de qualquer momento desde sua primeira publicação, tem um tom profundamente contemporâneo. O mundo que descreve é instantaneamente reconhecível hoje em dia. No entanto, quando o Manifesto saiu à luz pública, era um mundo em cernes ainda. O capitalismo industrial que Marx entendeu tão profundamente estava mal na primeira fase de seu desenvolvimento. Já Marx e Engels tinham desenmascarado a realidade da exploração, que era o fundamento do sistema em sua totalidade, e o impacto deshumanizador da busca da mais-valia. Mas fizeram-no quando ainda não podiam saber até que ponto suas palavras resultariam poderosamente certas pára todas as gerações posteriores.
A burguesía não pode existir se não é revolucionando incessantemente os instrumentos da produção, que tanto vale dizer o sistema tudo da produção, e com ele todo o regime social. O contrário de quantas classes sociais a precederam, que tinham todas por condição primaria de vida a intangibilidade do regime de produção vigente (...). A época da burguesía caracteriza-se e distingue-se de todas as demais pelo constante e agitado deslocamento da produção, pela conmoción ininterrumpida de todas as relações sociais, por uma inquietude e uma dinâmica incesantes (...). As relações incomovíveis e mofosas do passado, com todo seu séquito de ideias e crenças velhas e veneráveis, se derrubam, e as novas envelhecem dantes de jogar raízes (...). Todo o que se cria permanente e perene esfuma-se, o santo é profanado, e, ao fim, o homem vê-se constringido, pela força das coisas, a contemplar com mirada fria a sua vida e as suas relações com os demais. A necessidade de encontrar mercados espolea à burguesía de uma ponta a outra do planeta. Por todas partes anida, em todas partes constrói, por todos os lados estabelece relações (...). (Marx e Engels, Manifesto Comunista).
Requer um esforço de parte do leitor recordar que isto se escreveu dantes de que a busca do petróleo consumisse Oriente Médio e o transformasse em campo de batalha, entre interesses cujas sedes se radicaban a médio planeta de distância, dantes de que Nike e Coca-Cola imprimieran a sua marca em mil culturas diferentes, dantes de que uma decisão tomada na Carteira de Londres pudesse destruir a vida de milhares de pessoas ao outro lado do planeta.
O impressionante aqui não é só o preciso da análise e a descrição do funcionamento e os impulsos do sistema capitalista. O é também a emoção e a força expressada na exposição da denúncia que fundamenta as palavras. Porque afinal de contas, este é um manifesto comunista que reconhece a dinâmica agressiva do capitalismo, mas que procura destruir o sistema e não halagarlo. A questão é, quem será o sepultureiro?
Marx dá a resposta mais adiante. Conforme o capitalismo vai surgindo da sociedade anterior, a pequena oficina será absorvido pela grande fábrica. Os pequenos granjeros e camponeses acabam de peons no sistema de produção intensificado da agricultura moderna que abastece as crescentes cidades, os pequenos comerciantes ficam marginados pelas a cada vez maiores unidades do comércio nacional e internacional... e começam-se a formar as BP e as Halliburton.
Os trabalhadores atraídos pelas novas indústrias da cidade encontram-se ali ante uma nova tiranía:
A indústria moderna converteu a pequena oficina do maestro patriarcal na grande fábrica do magnate capitalista. As massas operárias concentradas na fábrica são submetidas a uma organização e disciplina militares. Os operários, soldados rasos da indústria, trabalham baixo o comando de toda uma hierarquia de sargentos, oficiais e chefes. Não são só servos da burguesía e do Estado burgués, senão que estão todos os dias e a todas horas baixo o jugo esclavizador da máquina, do contramaestre, e sobretudo, do industrial burgués dono da fábrica.
Ao princípio, perseguidos e acossados pelos empresários e ameaçados pelos chefes, os trabalhadores não opõem resistência organizada, ainda que de vez em quando expressam sua raiva e frustración destruindo as máquinas que os atam ao trabalho. No entanto, a máquina não é o inimigo, senão os fins aos que serve. Eis, segundo Marx, o paradoxo; quanto mais capazes sejam os seres humanos de produzir, tanto mais acerca-se a possibilidade de liberá-los da escravatura do trabalho. Mas, baixo o capitalismo suprime-se esta possibilidade e, em vez de liberar à humanidade, a máquina esclaviza a cada vez mais. Mas outra coisa está a passar ao mesmo tempo. O proletariado, a classe trabalhadora, translada-se para as cidades e vai-se concentrando conforme a produção se volta mais sofisticada e mais mecanizada, para permitir que os empresários incrementem seus ganhos. Mas isto a sua vez dá aos trabalhadores um crescente poder colectivo que lhes permite organizar-se e retar aos donos da maquinária.
Para Marx, então, o sujeito da revolução socialista é a classe trabalhadora, mas não porque a idealizara de maneira alguma, nem a cresse mais forte nem mais combativa, nem porque esteja exenta das contradictorias atitudes que produz a sociedade capitalista. Individualmente os trabalhadores podem ser capazes de ser tão egoístas, ou sexistas, ou crueis como qualquer outro ser humano. O que a Marx lhe convencia do papel revolucionário do proletariado era a posição única que ocupava nesta nova sociedade capitalista, que ao mesmo tempo criava o interesse por mudar a sociedade e ao mesmo tempo a força, ao menos em potencial, para o fazer. Desde depois, esta é uma classe sem propriedade cuja única arma é seu poder colectivo.
Marx escreveu a maior parte do Manifesto Comunista em Bruxelas, sentado no café do Perico Azul na praça central, a Place da Ville. Mandou-o à imprenta em fevereiro de 1848. Para quando saiu à venda, chegavam notícias das barricadas de Paris e dos confrontos nas ruas da cidade. Guizot, o odiado premiê, demitiu e ao dia seguinte abdicou o rei. Em matéria de semanas o espírito de insurrección atingiu Berlim e caiu outro governo mais. Engels escreveu em tom entusiasta: "Os lumes das Tullerías e o Palais-Royal alumiam o alva do proletariado (...) Onde quer o domínio da burguesía cai baixo seu próprio peso (...) e esperamos que Alemanha siga daqui a pouco".
As autoridades belgas assustaram-se ante os lumes que se estendiam por Europa e esfumou-se sua tolerância para os Marx. Em março, expulsaram a Marx para Paris, agora declarada por ele como a nova sede da Liga Comunista. Engels também chegou e juntou-se com Marx. Os dois começaram a preparar sua viagem de regresso a Alemanha. Mas entre os exilados que planeavam a mesma viagem, armou-se uma tremenda polémica. Alguns queriam montar uma expedição armada, uma "legión alemã", proposta que Marx recusou com seu acostumado vigor. Para Marx, o principal era impulsionar a organização de um movimento operário dentro do marco do movimento democrático mais amplo. Em abril, Marx já se encontrava de regresso em Alemanha, se preparando para editar um novo jornal diário em Colónia, o Neue Rheinische Zeitung (NRZ), sua arma de intervenção no debate político, no movimento revolucionário. Na sua melhor época, o jornal chegou a vender 5.000 exemplares.
Quatro anos dantes a primeira versão do diário contava com o apoio das classes médias frustradas de Alemanha. Desta vez estavam muito menos dispostas a apoiar a empresa de Marx, que criticava tão duramente as novas instituições surgidas a raiz da queda do antigo regime, por exemplo a nova Assembleia Nacional. Através de Alemanha estavam a formar-se grupos operários, ainda que suas reivindicações costumavam enfocarse em questões económicas imediatas ou demandas limitadas à conquista de direitos civis. Quando saiu o NRZ em junho, Marx e Engels esperavam que fosse um foco organizativo para os comunistas.
E, que passava com a Liga Comunista? Tanto Marx como Engels estavam convencidos de que era ainda demasiado pequena como para influir nos acontecimentos que imbricaban a milhares de pessoas em actividades públicas. Num momento de grandes mudanças e trastornos, o importante era encontrar a maneira de ter influência sobre um movimento mais amplo e evitar que os comunistas se localizassem à margem ou, pior ainda, na sua contra.
Para Marx, a ideia fundamental era que as transformações da consciência ocorrem no contexto de mudanças materiais, mas não ocorrem automaticamente. As ideias novas serão absorvidas ou adaptadas só na medida em que existem no interior do movimento. Esta convicção foi o motivo de suas furiosas discussões com o socialista alemão Gottschalk, que gozava de bastante apoio entre os trabalhadores alemães. Gottschalk defendia a ideia de que os trabalhadores deveriam se manter aparte do movimento social mais amplo.
Em realidade o movimento operário alemão encontrava-se num momento em que perseguia reivindicações democráticas. Em Inglaterra, em mudança, o movimento Cartista atingia sua máxima influência, e Marx e Engels viam-no como a ponta de lança da luta dos trabalhadores europeus. Ao mesmo tempo, tinham muito claro que o trabalho unido com elementos liberais nunca podia significar lhes conceder a liderança política do movimento.
Enquanto difundiam-se os primeiros números de NRZ, em Europa as coisas saltavam para uma nova etapa. Em França as promessas democráticas do governo liberal que substituiu a monarquia em fevereiro seguiam sem se realizar. O que se ganhou em fevereiro estava agora ameaçado pela maioria de direita da Assembleia Nacional. Em junho, as oficinas nacionais que garantiam a subsistencia aos trabalhadores urbanos foram fechados, ficando estes destituídos e desempregados. As massas jogaram-se à rua em são de protesto; mas desta vez enfrentavam-se com uma repressão feroz. Quando Marx denunciou o comportamento covarde da burguesía francesa, seus equivalentes alemães interpretaram esta denúncia como um ataque directo também a eles, e lhe tiraram o apoio a seu diário.
Em julho, em Alemanha, um governo relativamente liberal foi substituído por outro que simpatizaba mais com a reacção. Marx e seu jornal figuraram entre os primeiros alvos da repressão e a publicação do jornal suspendeu-se, mais de uma vez, durante as semanas seguintes. Mas enquanto os direitos democráticos viam-se a cada vez mais ameaçados, Marx e seu jornal seguiam defendendo os direitos dos trabalhadores.
Dedicava-se a desenvolver a estratégia para aumentar sua influência no movimento operário -estratégia que mais tarde chamaria "a revolução em permanência". Ao mesmo tempo, opunha-se cortantemente a qualquer acção precipitada que pudesse provocar a reacção, dantes de que o movimento estivesse em condições de resistir. Segundo Marx e Engels era a época da "moderación revolucionária", pois ambos tinham claro que a contrarrevolución preparava sua resposta repressiva.
Em Viena o movimento enfrentava-se na rua com essa repressão; em Alemanha, numa série de manifestações em massa exigia-se apoio aos irmãos e irmãs vieneses. Para outubro, foram derrotados, mas passariam outros dois meses dantes de que a contrarrevolución pudesse arrogarse a vitória em Berlim e em toda Alemanha com o golpe que pôs a Federico IV à cabeça do Estado prusiano. Durante os meses seguintes, Marx e Engels trabalharam incansavelmente, sobretudo no jornal, para reforçar as forças democráticas e forjar alianças entre trabalhadores e camponeses e, mais importante ainda, para analisar e entender o movimento alemão no quadro internacional.
Apesar de uma série de derrotas em Alemanha, as lutas que seguiam em pé no resto de Europa serviram pára que Marx se sentisse optimista sobre as possibilidades da revolução e apoiasse aquelas organizações, como as assembleias provincianas de Baden e Frankfurt que ainda ofereciam resistência.
Para mediados de 1849, o movimento revolucionário estava em retrocesso. A insurrección húngara foi aplastada pelas tropas do Zar russo. Em Alemanha, a reacção ia conquistando terreno. O 16 de maio Marx recebeu a ordem de abandonar Colónia e ao dia seguinte empreendeu viagem de novo a Paris. Enquanto, Engels afiliou-se às forças revolucionárias de Baden. Dantes de ir-se, imprimieron a última edição de NRZ com tinta vermelha:
Tivemos que ceder a fortaleza, mas nos retiramos com todo e armas e bagagem, com as bandeiras em alto e a banda tocando a todo volume (...) e nossa consigna era e seguirá sendo sempre: a emancipación da classe trabalhadora.
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5. OLHANDO PARA ATRÁS, OLHANDO PARA ADIANTE
A reputação de Marx como agitador e líder intelectual de um movimento revolucionário em expansão significava que em todas partes o vissem com uma profunda suspicácia. Pressionaram-lhe pára que abandonasse Paris e mudou-se com sua família a Londres em agosto de 1849. Pouco depois chegou Engels para juntar-se de novo com seu amigo e camarada. Em seu círculo íntimo, conhecia-se-lhe a Engels como "o General", dado seu crescente interesse na organização da insurrección revolucionária, a raiz de sua experiência em Alemanha.
Ainda que os movimentos revolucionários de Europa tivessem que jogar marcha atrás, Marx e Engels seguiam optimistas em quanto às possibilidades de novos levantamentos em Alemanha e França. A família Marx, como conta a correspondência de Jenny, estava em condições económicas muito difíceis. Os poucos fundos de que dispunham tinham-se gastado ajudando a camaradas políticos que fugiam de Alemanha e financiando outra publicação, de cujos cinco números o primeiro se publicou em janeiro de 1850. Jenny chegou grávida a um Londres outonal e cinsento em setembro. A Marx não lhe era indiferente, mas estava concentrado nas possibilidades de construir um movimento no contexto dos extraordinários acontecimentos de 1848-9.
Em 1848, Marx e Engels propõem que se dissolva a Liga Comunista, porque a tarefa mais urgente era que os socialistas se integrassem nos amplos movimentos que surgiram durante as revoluções, para brigar por ter uma influência neles [o nascimento do entrismo que logo desenvolverám os trotskystas, N. do B]. Para princípios de 1850 estava claro que as tarefas eram outras e que agora tinha que restabelecer a Liga. Também reconheceram que seria um contribua de primeira importância, para a próxima fase da construção de uma organização revolucionária, aprender das experiências que seguiam frescas na memória de toda uma geração de activistas proletários e socialistas em toda Europa.
Esta análise dos acontecimentos revolucionários de 1848 aparece em três textos centrais, A circular a Liga Comunista, recém reconstituida (de março e junho de 1850), e uma série de ensaios que apareceram entre janeiro e outubro em seu jornal, de curta duração, e que depois publicar-se-iam baixo o título As lutas de classes em França 1848-50. O terceiro texto, O dezoito Brumario de Louis Napoleón, é uma mostra das mais brilhantes da narrativa histórica de Marx. Há que aclarar que estes textos não ofereciam as interpretações forenses de um observador objectivo e sem compromisso. Marx, após tudo, tinha sido elegido outra vez presidente do comité executivo da Liga; o que ele contribuía era uma análise da experiência das revoluções de 1848, que serviria para a futura construção de uma organização socialista, tarefa urgente do momento. Como dizia Marx: "a revolução está morrida, viva a revolução".
As lições e conclusões de Marx, ao estudar as revoluções de 1848, são tão relevantes hoje como o foram para seus contemporâneos. Mas a diferença de outros escritores que também publicaram as suas várias versões dos acontecimentos daquele ano histórico, Marx os examinava desde o ponto de vista da classe trabalhadora e com o objectivo de entender suas consequências, tanto políticas como organizativas, para os socialistas do futuro.
Sua primeira conclusão foi que a revolução convenceu a importantes sectores da classe média da necessidade de procurar formas de acção unida com a classe trabalhadora. Essa unidade na acção, no entanto, durou pouco, tanto em França como em Alemanha. Em ambos casos, a burguesía, que seria a beneficiaria mais importante da introdução da democracia parlamentar, resultado principal das revoluções de 1848, começou a temer que o processo não se detivesse aí. Temia que a classe trabalhadora e seus aliados levassem as coisas mais longe e mais rapidamente até ameaçar a existência mesma da propriedade privada. Por isso terminaram dando as costas a seus aliados anteriores, procurando acordos com as mesmas classes dirigentes, cuja derrota queriam fazia tão pouco tempo.
A transformação da sociedade capitalista nunca será realizada por uma classe cujo interesse radica no conservar. Por isso é imprescindible que a classe trabalhadora esteja em condições de seguir procurando a transformação independentemente de seus aliados de antanho. À burguesía interessava-lhe dar por concluída a revolução quanto dantes. "A nós, em mudança, interessa-nos e corresponde-nos assegurar que a revolução se volte permanente". Esta ideia da revolução permanente costuma-se identificar com o pensamento de León Trotsky, mas tem sua origem nas reflexões de Marx sobre as experiências de 1848.
Ao mesmo tempo, Marx estava envolvido num debate feroz com os seguidores de Blanqui. Na insurrección de Paris jogaram um importante papel, mas depois voltaram a sua posição original: os revolucionários devem actuar em segredo. Marx e Engels, em mudança, faziam questão deste ponto; o crítico era que a classe trabalhadora actuasse independentemente da burguesía, a sabiendas de que tarde ou cedo a burguesía procuraria a forma de frear o movimento. E isto seria possível na medida de que a classe trabalhadora tivesse um entendimento claro de seus próprios interesses de classe, dos interesses das outras classes sociais e de como levar-se-ia a cabo a revolução. O imprescindível era que tivesse ao menos um sector dos trabalhadores que o tivessem claro dantes do próximo brote revolucionário.
De aí que a tarefa urgente fosse a construção de um partido revolucionário da classe trabalhadora. Quiçá Marx era demasiado optimista, naquele momento, em quanto às perspectivas imediatas para a revolução (isto reconhecê-lo-ia Engels ao escrever um novo prefacio às lutas operárias em França, após a morte de Marx). Estava completamente justificada, em mudança, a sua convicção de que a tarefa para os revolucionários era a construção de um partido capaz de se ganhar a direcção do movimento revolucionário e levar o processo até o fim, fim que eles definiram como "a ditadura do proletariado".
Poucas palavras de Marx prestaram-se a tantos malentendidos e distorsiones como estas. A palavra "ditadura" cobrou um terrível significado desde que o mundo conhecesse o nazismo, o estalinismo e as infinitamente diversas tiranías que o capitalismo gerou nos últimos cem anos. Em tempos de Marx não tinha o mesmo sentido; ele falava de todas as formas do estado, não importa o grau de democracia que abrigassem. Para Marx, todos os estados são instrumentos do domínio de classe [isto remarcam-no também os autores do projecto MEGA das obras complestas de Marx desde o alemám e tem sido analisado por vários autores tanto em Marx como em Robespierre].
Em França e Alemanha, o estado pós-revolucionário, onde muitos ministros se aliaram brevemente com a classe trabalhadora na luta pela democracia, da forma mais bárbara, se voltou depois na contramão dos trabalhadores. Que tipo de estado, se perguntava Marx, poderia proteger os interesses da maioria? A sua resposta foi "o domínio político exclusivo da classe trabalhadora com todas as mudanças revolucionárias e as transformações das condições sociais que isto pode significar". Este era o único tipo de Estado capaz de defender os avanços que os trabalhadores conseguiram, assegurando assim as transformações sociais que seriam sua garantia. Neste momento Marx só tinha uma ideia geral, uma teoria. A realidade manifestar-se-ia na Comuna de 1871.
Ao reflexionar sobre essa extraordinária época transformadora, Marx estabelecia um vínculo directo entre a revolução e a crise do sistema económico. As crises não eram, simplesmente, produto da casualidade ou os erros, senão resultado dos conflitos internos do capitalismo mesmo. Daí Marx sacava a conclusão de que era precisamente a ausência de crise, isto é, a onda de prosperidade e crescimento económico em Inglaterra, durante os últimos anos da década dos 40, que subvirtió a potencialidad revolucionária do Cartismo. Em França, em mudança, a classe operária não era nem o suficientemente poderosa, nem tão finque para a economia como para assegurar sua potencialidad revolucionária.
Para um materialista revolucionário como Marx, estava claro que "as ideias não mudam a história" a não ser que encarnem-nas forças sociais viventes actuando em circunstâncias materiais que permitem a realização de suas potencialidades. Entender que ritmos e forças impulsionam o capitalismo, e daí circunstâncias produzem a crise, era tão fundamental para Marx como a criação de organizações operárias e a preparação política de seus militantes.
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6. UMA NOVA PERSPECTIVA CIENTÍFICA
Para mediados de 1850, Marx via, a cada vez com mais clareza, que a revolução não era uma possibilidade imediata. O capitalismo europeu entrava num período de crescimento e expansão. No entanto, a democracia burguesa experimentava certa dificuldade para desembarazarse dos restos do velho ordem. Assim o demonstrava a perseguição dos comunistas alemães após uma fracassada tentativa de assassinar ao imperador de Prusia.
Dentro da Liga Comunista surgiram discussões amargas, pois tinha dentro da direcção gente que seguia achando que a revolução era uma possibilidade relativamente imediata. Para eles, o único que se precisava era uma preparação militar e uma convicção profunda. A raiz dos movimentos de 1848, os argumentos tomavam um tinte nacionalista, já que os camaradas alemães faziam questão de que a classe trabalhadora nacional era tão radical como sempre.
Para Marx e Engels, então, tinha duas questões candentes. A primeira expressaram-na claramente no Manifesto Comunista: o movimento revolucionário dos trabalhadores devia ter um carácter internacional. A segunda expressava que esta revolução surgiria de uma combinação de factores subjetivos (a consciência dos trabalhadores e a autoridade entre eles das ideias revolucionárias) e factores objectivos (a crise do sistema):
A perspectiva universalista do Manifesto foi substituída pelo ponto de vista nacional alemão, comprazendo assim os sentimentos dos artesãos alemães. O ponto de vista materialista do Manifesto cedeu seu lugar ao idealismo. A revolução deixou de ver-se como produto da realidade para se propor como produto da vontade. Por um lado, nós dizemos aos operários que ainda terá que passar por 15, 20 ou 25 anos de guerra civil para que a situação se altere e estejam preparados para a tomada do poder. Por outro lado, eles dizem que há que tomar o poder em seguida, porque se não o fazemos mais valeria deitar-nos e dar-nos por vencidos.
Para Marx, eram tempos difíceis; sua situação económica ia de mau em pior e em várias oportunidades teve que se mudar de casa. Muitas vezes era só o altruismo e a constancia de Engels que mantinha a flutue à família Marx. No final de 1850 seu querido filho Heinrich (Marx chamava-o "Fawkesy") morreu; seis meses mais tarde, a servente que vivia com eles tinha dado a luz a um filho, Freddy. O seu pai, sem dúvida alguma, era o mesmo Marx, ainda que nunca reconheceu a seu filho natural. É mais, Engels aceitou a paternidade para proteger a seu amigo e colega: não era o primeiro sacrifício, nem o último, que faria por seu querido camarada.
Por estas datas, Marx acomodou-se em sua cadeira da sala de leitura do Museu Britânico de Londres. Ali dedicou-se ao que para qualquer outra pessoa tivesse sido um projecto enormemente ambicioso, definir e descrever as características gerais do sistema capitalista. No movimento não faltava quem o condenasse por abandonar a política: pelo geral era a gente que ficava acorda até altas horas da noite preparando a insurrección. Mas a verdade era que longe de abandonar a actividade política, Marx e Engels construíam o partido, ainda que o fizessem mais bem informalmente, ao menos até a criação da Internacional em 1864.
Marx seguia sempre com as suas polémicas com outros socialistas. Nunca amainou a sua produção de panfletos e artigos. No vazio que seguiu à ruptura com a Liga Comunista, estes debates e discussões fizeram parte do processo de construção partidária.
Não cabe dúvida de que nestes momentos Marx considerava seus estudos e investigações do sistema capitalista sua principal actividade política. Não se tratava somente de conhecer ao inimigo; o seu objectivo era entender as forças motrices do capitalismo e as contradições e tensões que produzia o seu desenvolvimento como sistema. Dado que a crise era inevitável, resultava imprescindível pôr-se sobre aviso ou quiçá até predizer como e onde começariam a aparecer as fendas. Tudo isto fazia parte da preparação dos comunistas para as futuras batalhas da luta de classes.
A tarefa que se propôs era entender a forma em que funcionava o capitalismo como sistema global e se desenvolvia através do tempo: desenmascarar, como ele dizia, as suas "leis de moção". Mas isso não era tudo. O problema era que o que aparece na superfície não sempre é o que realmente impulsiona o sistema desde dentro. Desde depois, em seus trabalhos prévios, Marx analisou com todo detalhe a forma em que as ideias e explicações dos mecanismos e regras do capitalismo muitas vezes serviam para ocultar ou distorsionar o que passava realmente: isso era o que ele entendia por "ideologia".
Na nossa época, por exemplo, ocorre que as decisões económicas tomadas por poderosos actores, em seu próprio interesse, muitas vezes se apresentam ao mundo como fenómenos naturais. Os noticiários diários da televisão terminam com relatórios sobre "os movimentos do mercado de valores" ou sobe-os e baixa de um que outro índice comercial, estatísticas mais bem incomprensibles. Costumam aparecer entre relatórios sobre desastres naturais e o boletim meteorológico, como se todos fossem parte do mesmo, fenómenos naturais que se escapam ao controle humano:
Os economistas burgueses expressam as relações de produção burguesas (...) como categorias fixas, inmutáveis, eternas... (Karl Marx, Miséria da filosofia).
A verdade é que estão determinadas por uma classe cujos interesses se opõem aos que produzem a riqueza, quem no entanto carecem de poder sobre o sistema e seu funcionamento.
Nos seus escritos de juventude, Marx descreveu a experiência dos trabalhadores baixo o capitalismo "aquela alienação" que produzia a sensação de impotencia que experimentavam todos eles, junto com a convicção profunda de que as máquinas com que trabalhavam tinham vida própria. Mas quais eram as características específicas do capitalismo que produziam esta relação entre os donos do capital e os produtores da riqueza?; e, quais eram as forças motrices que moviam o sistema para adiante? Marx queria ir para além dos exemplos pontuas do comportamento deste ou aquele capitalista, ou seu trato particular com os operários. O que lhe interessava averiguar era qual era a relação global entre os capitalistas e os trabalhadores no sistema capitalista.
A resposta não se ia encontrar em fórmulas abstractas: desde depois, Marx era materialista. O seu método partia da observação do comportamento de forças reais num tempo histórico real. Neste caso como em todos, a prova da teoria estava na prática. Este processo, como todo processo histórico, era dialéctico, produzindo contradições e conflitos que só resolver-se-iam mudando a sociedade.
Estas tensões expressavam-se nas crises periódicas do capitalismo. Era imprescindível que o movimento revolucionário entendesse sua natureza, as antecipasse e estivesse organizado para aproveitar as oportunidades que se apresentassem em semelhantes conjunturas. De maneira que, para Marx, este período de estudo e investigação representava um contributo directo e material a um projecto fundamentalmente político:
O nosso partido aproveitou este período de paz para estudar. A grande vantagem que tínhamos era que o fundamento teórico do partido era uma perspectiva científica cuja elaboração nos ocupou o tempo todo disponível. Por isso nunca nos "descoraçonamos" como tantos "personagens" do exílio.
Quando falavam de "o nosso partido", Marx estava a referir-se a ele mesmo e a Engels [em rigor "partido" tinha umha acepçom semántica de "movimento" muito mais ampla do que existe hoje, assim o usavam também comunistas libertários como Malatesta ou Kropotkine; N. do B.]. Por sorte, e apesar das perspectivas poucas prometedoras de uma luta imediata ou próxima, estavam ainda de bom ânimo. No caso de Marx sua resistência era ainda mais extraordinária, tendo em conta que ele e sua família passavam por uma época bastante tenebrosa de pobreza e insegurança, transladando-se constantemente de casa em casa, padecendo doenças toda a família, incluindo a Karl e a Jenny, e tendo que enfrentar a morte de outro menino, o pequeno Edgar. O único que os mantinha a flote era o apoio leal e o sacrifício de Engels.
Marx dedicou boa parte dos seguintes vinte anos a escrever O Capital, ainda que a primeira parte demorar-se-ia em publicar-se até 1867 e a obra completa não estaria a disposição do público até após sua morte. A primeira parte publicada (em 1859) foi a Contribuição a uma Crítica da Economia Política.
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7. NOMEANDO Ao MONSTRO
Quais eram as ideias centrais que formaram e impulsionaram essa extraordinária obra?
"A moderna sociedade burguesa que se alça sobre as ruínas da sociedade feudal não aboliu os antagonismos de classe. O que fez foi criar novas classes, novas condições de opresión, novas modalidades de luta, que vieram a substituir às antigas" (Marx e Engels, Manifesto Comunista).
Primeiro, o capitalismo representava uma etapa de uma história em desenvolvimento constante (¡e não, como insistem alguns teóricos modernos, "o fim da história"![refere-se a pseudocientífica teoria do pós-moderno Francis Fukuyama; N. do B.]). Surgiu em circunstâncias históricas específicas, e como todas as sociedades de classes anteriores, estava agrietada por contradições internas. Segundo, a incansável busca da mais-valia produzia tanto avanços tecnológicos como a perseguição dos meios para aumentar a productividad dos operários. Daí esse "constante revolucionar da produção" que tinha comentado Marx com tanto lirismo no Manifesto Comunista. Terceiro, a fonte da mais-valia é o trabalho mesmo, ou melhor dito, a exploração da força de trabalho. No mundo contemporâneo costuma-se ver a exploração como um problema moral, como um abuso de poder. Para Marx, o termo tinha um sentido mais técnico e preciso, pois descrevia uma relação entre capital e trabalho, onde o capital procura, de todas as formas possíveis, lhe sacar ao trabalhador quantidades de valor a cada vez maiores ou acima do que custa manter ao trabalhador nas suas funções: isto é, mais-valor ou mais-valia.
Por isso pára Marx, o capitalismo era uma sociedade de classes onde uma classe minoritária acaparava os meios de produção (ele o lume a burguesía, ainda que hoje chamá-la-íamos melhor a classe capitalista) e os demais, a imensa maioria, eram donos somente de sua própria capacidade para trabalhar (eles eram o proletariado, ou a classe trabalhadora).
Ao interior da cada classe podia dar-se uma grande diversidade: de género, de etnia, de aparência, de gustos. Poderia ter empresários tiranos e outros caritativos, uns racistas e outros liberais, estes nacionalistas e aqueles cosmopolitas. Entre os trabalhadores teria gente educada e outra não, teria brancos e negros, homens e mulheres. Mas, todos com um rasgo que os vincula; pertenciam a classes sociais por sua relação comum com os recursos da sociedade e a forma em que estes se organizavam. A burguesia, todos eles e apesar das suas diferenças, actuavam em forma unânime ao defender sua posse da riqueza social; é mais, aproveitavam seu poder e autoridade para organizar a produção social em benefício próprio.
¡Acumulai, acumulai! ¡Isso é Moisés e os Profetas! (Karl Marx, O Capital).
Com essa frase tão simples, Marx resumia o que impulsionava ao capitalismo. Os donos dos meios de produção formam uma sozinha classe, ainda que ao mesmo tempo competem entre eles para acaparar mercados e aumentar seus ganhos; é a plusvalía que move o sistema. Um capitalista não é somente uma pessoa dona de meios de produção, senão que é ademais uma pessoa que se aproveita desses recursos para ganhar mais dinheiro e ao mesmo tempo ganhar-lhe terreno ao competidor. E o capitalismo é uma forma de organizar o sistema económico para que isto seja possível.
Esse sistema de produção, ou como o dizia Marx, esse modo de produção, é bastante complexo, claro está. Requer não só certa maneira de preparar a produção mesma, senão também outras formas e práticas que a mantenham, desde meios de transporte que levem à gente ao trabalho e a educação que lhes ensine como usar a nova maquinaria, até a criação de uma gama de instrumentos culturais para convencer aos produtores de que, apesar de sua pobreza, estão no melhor de todos os mundos possíveis. Marx discutiu e analisou a cada um destes diferentes aspectos.
Mas o coração de todo era a produção. Como asseguravam os capitalistas seus ganhos? Investiam seu dinheiro, compravam as máquinas, empregavam à gente e decidiam que e como se devia produzir. A criação das coisas, em mudança, era obra dos trabalhadores a quem pagava-se-lhes um salário para que passassem os seus dias nas máquinas. Em tempo de Marx a quantidade de gente envolvida neste tipo de actividade aumentava a cada dia. E não era difícil para ele se imaginar as imensas fábricas do século vinte com seus milhares de mãos produzindo bens em longas linhas de produção.
Na sua época, ao igual que agora, a produção era um processo muito elaborado que envolvia a muitas pessoas e actividades diferentes. Os molinos de algodão, do século XIX, empregavam algodão recolhido por escravos em Egipto e a Índia; muitos mais encarregavam-se de transportá-lo até as fábricas inglesas. Outros (menos naquele tempo que agora) dedicavam-se a alimentar, educar e cuidar aos trabalhadores do moínho.
Desde aqueles tempos criaram-se exércitos de trabalhadores para tratar aos feridos e danados por um sistema a cada vez mais brutal e desumano. O que vincula e une a toda esta gente, trabalhando nos diferentes pontos da corrente de produção, desde os que trabalham nos centros de telefonemas até os trabalhadores sociais e os condutores de camião, é sua relação com o sistema em sua totalidade. Todos vendem a sua força de trabalho aos donos dos meios de produção a mudança de um salário.
Cerna da produção capitalista, no entanto, é o facto de que os trabalhadores produzem bem mais do que eles recebem em salários; a diferença entre o valor que produzem e o dinheiro que recebem ao final da quincena "a mais-valia" fica no peto do capitalista.
Os empresários sempre faziam questão de que era legítimo que eles tomassem esse dinheiro, porque por um lado o precisavam pára reinvertir e pelo outro era justo que se lhes compensasse o "risco" que, num princípio, tomaram ao investir. Mas, quando o investimento falha e os trabalhadores perdem os seus postos de trabalho, compensam-se igual os executivos e gerentes e, a diferença de seus trabalhadores, protegem-se contra as consequências negativas desses "riscos".
Uma vez renovadas as máquinas e pago o empréstimo do banco, o que fica é ganho, uma parte da qual se dedica a manter o estilo de vida do burgués. Outra parte investe-se em nova maquinaria que aumentará a quantidade de plusvalía produzida pela cada trabalhador, dando-lhe ao inversionista a possibilidade de se adiantar à concorrência. Agora bem, a cada capitalista deve estar a fazer o mesmo. Então, que lhe dá a um a vantagem sobre os outros? A resposta está clara; o ganhador é aquele que consegue sacar a máxima produção de seus trabalhadores.
Mas, conforme a cada trabalhador tem que operar a cada vez mais maquinaria, a própria fonte dos benefícios "que é o trabalho vivo do operário" diminui como proporção do processo productivo total. O resultado é uma tendência a diminuir o nível de ganho, ainda que a soma total dos ganhos vá aumentando. Em longo prazo isto representa uma séria ameaça para o capitalismo.
Resumindo; o que impulsiona a produção capitalista é a necessidade imperante e desesperada de acumular mais-valia a expensas dos demais capitalistas. As suas consignas são a acumulación e a concorrência. Se o trabalhador de uma fábrica produz mais que o trabalhador da fábrica vizinha pelo mesmo salário, isto significará maiores rendimentos para a primeira planta. Nos factos, isto significou a expropiação da cada vez mais recursos naturais, consumindo ou destruindo-os, como consequência dessa carreira por dominar o mercado. Os bosques devastam-se, o petróleo e o gás escarbam-se da terra, o carvão e as fontes fósseis de energia queimam-se, e no processo a terra fica esgotada. E as fábricas de hoje -num princípio encontravam-se exclusivamente em Europa e América do Norte, mas já apareceram em China, Coréia, México, Colômbia, Irã entre outros países- já estão a esgotar os recursos de manhã.
Mas, por que não o podem ver? Por que será que George Bush se nega a reconhecer o que para o resto do mundo é do mais óbvio? Na carreira constante por rebasar ao outro, o capitalista não pensa no dia de manhã -ou melhor dito de passado manhã- porque todos os demais pensam da mesma maneira. O irónico, como assinalava Marx, é que à longa, o capitalismo acabará por destruir o planeta. Pois a Halliburton e General Motors importa-lhes bem pouco o que passe no dia de manhã; o único que lhes interessa são os ganhos de hoje. ¡É Moisés e os Profetas!
A última incógnita é, pára quem se produzem os bens? Numa sociedade onde a produção sirva para satisfazer as necessidades do povo, elas determinariam que se produz e quando; as fábricas produziriam alimentos para os famintos ou ambulancias para os doentes. No capitalismo, mas, prevalece outro critério; por isso uma escassez de ambulancias convive com um imenso excesso de armas e milhões de pessoas com fome carecem de comida, enquanto ao mesmo tempo se seguem produzindo quantidades imensas de alimentos que ninguém come e que ao final se jogam ao lixo.
Isto ocorre porque os produtos se compram e se vendem; não há relação directa entre o produtor e o consumidor. É assim que a decisão sobre que produzir se toma exclusivamente sobre a base dos ganhos. Outra consequência mais da produção para o mercado é que ninguém faz a tentativa da coordenar segundo as necessidades sociais. Como dizia Marx, o despotismo na fábrica tem a sua contrapartida na anarquía que rege na economia em general. Existe o planejamento dentro da cada fábrica, mas o sistema em sua totalidade carece de um plano. Isto cria a instabilidade, as crises e os boom inherentes no capitalismo como sistema económico: não são, como pretendem seus apologistas, casualidades imprevisíveis ou acidentes. O capitalismo, pois, é um sistema baseado por natureza no conflito, a luta e a contradição.
O que fica é um paradoxo. Por um lado, o capitalismo procura constantemente formas de fazer mais "eficiente" a produção: abaratando o trabalho, desenvolvendo tecnologias novas que permitam que um faça o trabalho de muitos, brigando pára que os preços das matérias primas se mantenham o mais baixos possível. Por outro lado, o trabalhador hoje em dia passa mais tempo no trabalho que nunca e parece que, daqui a pouco, terá que trabalhar mais anos, pois o valor de sua aposentação, conseguida a regañadientes faz pouco, está hoje ameaçado pelo grande capital.
O capitalismo gerou a capacidade tecnológica para suprimir a fome, garantir o abrigo e cuidar a saúde de toda a população do planeta; no entanto, são milhões e a cada vez mais milhões os que padecem fome, estão sem teto e sofrem doenças, sem ter acesso aos meios para cobrir essas necessidades mais básicas. O que deveria facilitar a libertação da humanidade, de facto, tem o efeito oposto baixo o capitalismo.
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8. As CRISES E As OPORTUNIDADES
Para Marx, 1848 foi uma época de crise capitalista que produziu uma resposta revolucionária, ainda quando o resultado não foi o que ele tivesse desejado. No entanto serviu-lhe para demonstrar tanto o poder da classe operária como a ferocidad das classes dirigentes. Era uma lição importante que serviria para a próxima crise, crise que, como demonstravam seus estudos, seria consequência inevitável da natureza anárquica do capitalismo. E a próxima vez, a classe trabalhadora estaria preparada.
Em 1857 ocorreu outra crise económica [os ciclos de sete anos que Kontratiev e mais modernamente o trotskysta Mandel tenhem assinalado; N. do B.]. Era irónico, já que num ano dantes Jenny Marx recebeu uma pequena herança que lhes permitiu saldar as dívidas e conseguir um alojamento melhor. O craque de 1857 de facto não produziu um aumento das lutas, ainda que sim teve sinais de actividade, em Europa sobretudo. A classe trabalhadora crescia em França e Alemanha e surgiam novas expressões políticas que ocupavam o espaço político que deixou o Cartismo, a expressão mais radical da organização operária, agora desaparecido.
Em Inglaterra em 1865 teve grandes concentrações de trabalhadores em apoio ao norte na guerra civil norte-americana, opondo-se ao plano do governo britânico de intervir do lado dos estados esclavistas do sul. Para Marx isto tinha implicancias profundas. O líder radical italiano Garibaldi foi agasajado em reuniões de massas em Londres e teve um apoio generalizado à insurreção em Polónia. Todos estes mítines foram organizados pelo Conselho Sindical de Londres, com o que Marx e Engels levavam anos trabalhando.
Em setembro de 1864, o mesmo grupo de líderes operários convocou uma reunião internacional com o fim de promover a solidariedade para além das fronteiras nacionais e evitar que os trabalhadores de diferentes países se enfrentassem a instância dos capitalistas. Ainda que não estivesse implicado na fundação do que mais tarde transformar-se-ia na Associação Internacional dos Trabalhadores, convidou-se a Marx a que participasse. Não tinha estado muito activo durante os dois anos anteriores, mas agora sim aproveitou a oportunidade que se lhe oferecia, dizia que "tratava-se de gente de importância real", isto é, dirigentes do movimento operário. Mas em realidade, não todos os que assistiram à reunião eram operários, e também não todos estavam comprometidos com a causa internacional dos trabalhadores.
A Marx pediam-lhe que redigisse as regras e princípios da nova organização; requeria uma delicadeza real. Ainda aqueles que reconheceram o papel finque que tinha desempenhado e lhe pediram sua colaboração, suspeitavam em muitos casos do socialismo, ou não estavam convencidos da necessidade de fazer a revolução. Para os dirigentes sindicalistas ingleses o objectivo era ganhar o direito ao voto para todos os trabalhadores. Os delegados franceses por outro lado estavam muito influídos por Proudhon, o antigo adversário de Marx; e entre os italianos dominava o nacionalismo radical de Mazzini.
Esta era uma oportunidade política extraordinária para ganhar entre a direcção do movimento operário uma influência para as ideias revolucionárias; ainda que, neste momento, pudesse parecer mais bem um movimento embrionário. Mas as investigações realizadas por Marx sobre o desenvolvimento do capitalismo no O Capital, convenceram-lhe de que a época de expansão do capitalismo europeu significaria também o crescimento da classe operária. O resultado seria inenarrável, teria conflitos a cada vez mais intensos entre o capital e o trabalho. O seu reconto da experiência das lutas operárias no seu Manifesto Inaugural da Internacional mostrou até que ponto estas se tinham arreciado desde 1848. A sua conclusão principal era que o internacionalismo, ainda nesta etapa relativamente primaria, era indispensável para a luta pelo socialismo.
Nos estatutos, Marx deixa claro que não se pensa impor às secções nacionais os estatutos únicos. Ao mesmo tempo Marx e Engels estavam convencidos da necessidade de uma direcção unificada e centralizada, questão que não demoraria em se propor nas discussões internas na Internacional. A primeira declaração que prologa os estatutos faz eco desta, a mais central das ideias de Marx:
"que a emancipação da classe operária deve ser obra dos operários mesmos; que a luta pela emancipación da classe operária não é uma luta por privilégios e monopólios de classe, senão pelo estabelecimento de direitos e deveres iguais e pela abolição de todo privilégio de classe".
Os estatutos faziam fincapé em que "a conquista do poder político converteu-se no grande dever do proletariado", frase que os diferentes actores entendiam de muito diferente maneira, dando lugar a uma série de debates e discussões. Um ano depois alguns delegados franceses questionavam o direito de Marx de assistir, um sindicalista inglês, entre os presentes, recordou-lhes que " o cidadão Marx dedicou a sua vida ao triunfo da classe trabalhadora". Outro insistia que o congresso devia estar aberto a "todos aqueles que estudaram a economia política desde o ponto de vista da classe trabalhadora".
Os mais hostis a Marx eram os discípulos de Proudhon; eram operários na sua maioria, mas quase nenhum trabalhava nas grandes indústrias do novo capitalismo. Mais bem se localizavam no sector artesanal; daí a sua afição pelo conceito proudhoniano de criar associações mútuas como uma espécie de alternativa paralela ao capitalismo. Isto era exactamente o contrário ao que sustentava Marx, que fazia questão da necessidade de criar uma organização revolucionária dos trabalhadores, capaz de se enfrentar com o poder de classe da burguesía e construir um ordem social diferente em onde os interesses da maioria prevaleceriam e a busca da mais-valia deixaria de ser a força motriz e o princípio organizador da sociedade inteira.
Em Alemanha livrou-se uma batalha parecida com os seguidores de Fernando Lassalle. Daí que a formação do Partido Operário Social-democrata de Alemanha, baixo a direcção de Wilhelm Liebknecht, representasse um grande salto adiante pára "o partido de Marx".
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9. UM NOVO PODER. A COMUNA DE PARIS
Em 1871 a história dá forma real a estes debates. Em julho de 1870, Louis Bonaparte (Napoleón III) de França permitiu que o líder prusiano Bismarck lhe provocasse a declarar a guerra. Para setembro Louis Napoleón já estava preso. Em Paris o governo declarou uma república baixo um governo de defesa nacional. No entanto, durou pouco a sua resistência, e para fevereiro de 1871 elegeu-se uma Assembleia Nacional com o propósito explícito de negociar a paz com uma Alemanha recém unificada.
O governo, encabeçado pelo reaccionario Thiers, estabeleceu-se em Versalles, fora de Paris. A capital, enquanto, asediada pelos prusianos, ficou abandonada; o governo e os ricos fugiram da cidade. Só ficavam os milicianos da Guarda Nacional para a defender. Quando Thiers, atemorizado pela ameaça de uma população armada, tentou se apoderar das canhões da Guarda em Montmartre, os habitantes da cidade montaram resistência e declararam fundada a Comuna.
Durante os dois meses de sua existência, Marx mal tirou a vista da Comuna. Fascinava.-lhe [o começo nom a apoiou por nom dar-se as condiçons; N. do B.]. As suas críticas e denúncias à segunda república de Louis Napoleón eram ferozes; mas confiava em que faltava pouco para que ocorresse uma nova revolução francesa. A verdade, no entanto, era que as condições imperantes de escassez, após meses de assédio, não eram as mais ventajosas para uma sublevación dos trabalhadores. O grande temor de Marx era que os trabalhadores parisinos ficassem isolados e ao final derrotados, a não ser que marchassem contra Versalles. Era muito consciente também de que uma insurreção operária não seria tão implacável, nem brutal, como a resposta de um estado burgués, pois este sim que não teria conserto algum em reprimir a seu inimigo de classe com máxima ferocidade.
Em março de 1871 nasceu um novo tipo de poder. Na sua análise inspirador da Comuna de Paris, Marx dá uma visão do poder operário, de seus limites e possibilidades, dos problemas que teria que enfrentar e a criatividade que seria capaz de expressar ao construir um ordem novo e diferente. Apesar de suas dúvidas Marx era um de seus defensores mais apasionados; até mandou o seu genro, Paul Lafargue, a Paris a trabalhar com a Comuna.
Mas que tinha de novo a Comuna? Na guerra civil em França, onde examina os acontecimentos de Paris, Marx contesta a pergunta a sua geração e às venideras:
A Comuna era, essencialmente, um governo da classe operária, fruto da luta da classe produtora contra a classe apropriadora, a forma política ao fim descoberta que permitia realizar a emancipação económica do trabalho.
O mais importante era que a Comuna acabou com os instrumentos do domínio burgués: o exército profissional, remplazado por uma milícia do povo, "o povo em armas". As instituições da democracia burguesa viram-se substituídas por uma democracia directa onde todos os delegados poderiam ser instantaneamente destituídos e novas eleições convocadas (um direito renacido nos soviets durante as revoluções russas de 1905 e 1917) e onde nenhum perceberia privilégio algum como resultado de seus deveres políticos. Ademais, "o serviço público cumprir-se-á ao salário média de um operário". Era um novo tipo de estado. Os estados anteriores descansavam sempre -em última instância sobre a repressão violenta da maioria-, como assinalou Lenin. No novo Estado da Comuna, em mudança, o governo não estava nem separado da maioria nem acima dela senão, ao invés, sujeito à vontade maioritária. Esta era precisamente a ditadura do proletariado tal como lha tinha imaginado Marx anos dantes.
Em seus escassos dois meses de existência, os comuneros não tiveram o tempo suficiente para estabelecer um ordem novo onde estaria garantida a libertação da mulher, acabar-se-ia com a exploração e criar-se-iam novas estruturas colectivas de vida social. Como disse Marx, o sucesso mais importante da Comuna era sua existência mesma". E de ali sacou Marx a conclusão de maior envergadura política;
Mas a classe operária não pode se limitar simplesmente a tomar posse da máquina do estado tal como está, e a se servir dela para seus próprios fins.
O Estado burgués existe para defender e prolongar o domínio da classe capitalista. Uma sociedade dedicada à redistribución do rendimento, a igualdade e a acabar com a exploração requer seu instrumento de poder próprio, o Estado operário. Em Paris, durante esses dois meses, vislumbrou-se, ainda que muito brevemente, como seria essa sociedade, como se constroem os órgãos do poder operário, e ao mesmo tempo, o preço terrível da derrota.
A Assembleia da Comuna incluía a 17 membros da Internacional (só uma minoria deles pertenciam ao partido de Marx"). Os 92 membros da Assembleia representavam um amplo espectro de visões e posturas e para além da defesa da Comuna e a denúncia da república reaccionária, tinha muito pouca clareza. Os seguidores de Proudhon, por exemplo, estavam divididos entre si, incluíndo alguns que ficaram o tempo todo em Versalles sem dizer nada.
Outros apoiavam as posições de Blanqui e de Mijaíl Bakunin, o anarquista russo que mais tarde disputaria a herança da Comuna com Marx e que finalmente acabaria com a primeira Internacional. Bakunin era aficionado às conspirações e inimigo a ultranza do estado. É mais; Bakunin dizia que a classe trabalhadora não podia organizar-se, nem preparar o seu próprio assalto ao poder, pois isto seria uma forma de autoritarismo. Ironicamente, ele sustentava que o ataque ao estado o devia lançar uma rede de células conspirativas clandestinas, sem obrigação de responder ante a gente a quem dizia representar.
Desta maneira Bakunin recusava o princípio mais central e mais precioso para Marx: que a emancipação da classe trabalhadora tinha que ser acto da classe operária mesma. No seguinte congresso da Internacional, em 1872, Bakunin atacou o conceito de uma organização centralizada e disciplinada. Marx e Engels responderam da forma mais talhante. A Internacional, segundo eles, "era um motor poderoso para a revolução, não um salão de debate" é uma sociedade organizada para a luta e não para a elaboração de elegantes teorias.
A Comuna era depoimento da coragem e da criatividade da classe trabalhadora; nela vislumbrou-se um novo ordem socialista possível e se demonstrou sem lugar a dúvidas a absoluta necessidade de abolir o estado burgués para que esse novo ordem se realizasse. E na derrota e a terrível vingança de parte de uma classe dirigente aterrorizada que seguiu a essa derrota (foram assassinados dezenas de milhares de comuneros), ficou demonstrada a apremiante necessidade da Internacional.
A Comuna caiu, dizia Marx, "porque não reproduziu em todos os demais centros, em Berlim, em Madri, etc., o movimento revolucionário correspondente ao levantamento do proletariado de Paris". A tarefa para o futuro era aprender da experiência para assegurar que a próxima vez a rebelião triunfasse
As divisões internas entre Bakunin e Marx significavam que esta Internacional não podia ser o instrumento idóneo. Eram Marx e Engels mesmos os que "acabaram com a besta agonizante". Para 1876, a Internacional já não existia oficialmente.
Em março de 1883, Marx morreu. Paradoxalmente, em seus últimos anos não tinha a pressão económica que voltava tão precária e difícil sua vida com Jenny e seus filhos. Algum consolo teve no crepúsculo de sua vida, mas nada podia compensar a morte de seus filhos e de sua querida Jenny dois anos dantes. Engels, como era de esperar, o acompanhou em seu leito de morte, tal e como o tinha acompanhado à cada passo pelo caminho revolucionário desde seu primeiro encontro. Engels sobreviveu outros doze anos mais, tempo que dedicou a diseminar a obra de seu amigo, colaborador e parceiro Karl Marx. Com sua modéstia de sempre, Engels declarou no enterro que a humanidade perdeu um cérebro com a morte de Marx.
Pois Marx era, antes de mais nada, um revolucionário. Cooperar, deste ou do outro modo, ao derrocamiento da sociedade capitalista e das instituições políticas criadas por ela, contribuir à emancipação do proletariado moderno, a quem ele tinha infundido pela primeira vez a consciência da sua própria situação e das suas necessidades, a consciência das condições da sua emancipación: tal era a verdadeira missão de sua vida. A luta era seu elemento. E lutou com uma paixão, uma tenacidade e um sucesso como poucos.
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10. MARX PARA NOSSOS DIAS
Sempre terá gente que faz questão de que "Marx não tem nada que dizer no século XXI". Sempre há quem argumenta, à cada passo, que suas ideias caducaram ?que seu momento passou. A queda do "comunismo" em 1989 interpretou-se como a prova definitiva de que Marx já não tinha nada que nos dizer.
É verdadeiro que em 1989 caíram os regimes de Europa do Leste, em rápida sucessão, um depois de outro. Também é verdadeiro que se chamavam socialistas. No entanto, quando caíram as fachadas, ficou fora de toda dúvida que aquelas sociedades nem estavam baixo o controle da classe trabalhadora, nem a distribuição dos recursos sociais obedecia aos interesses da maioria. Todo o contrário; o conceito central do marxismo "a revolução significa a auto emancipación da classe trabalhadora" tinha-se voltado ao revés. Assim, se aproveitava pára legitimar tiranias grotescas e brutais criadas por um reduzido grupo de dirigentes que protegiam seus próprios interesses a expensas das maiorias. Na cada um desses estados prevalecia a lógica do capitalismo: a acumulação a qualquer custo, a concorrência entre estados, rasgos definitivos do capitalismo, não do socialismo.
Para entender os impulsos e as leis de moção que explicam o funcionamento do capitalismo, temos que voltar uma e outra vez a Marx. A busca da plusvalia segue prevalecendo sobre todas as demais considerações, e é o domínio do capitalismo o que forma, ou melhor dito deforma, definitivamente o mundo.
O processo do trabalho muda de aparência através do tempo; a burguesía muda de roupa e de estilo de vida, os trabalhadores vestem-se agora de bata branca ou de uniforme em vez de macaco, e as fábricas de hoje zumban em vez de rugir como dantes. Mas as relações entre os donos da riqueza e os recursos da sociedade, ou quem controlam-nos e administram, e quem dependem do salário que percebem por produzir a riqueza para sobreviver, segue sendo exactamente a mesma que definiu Marx. É mais, o capitalismo do século XXI parece-se mais que nunca ao sistema descrito por Marx. A classe trabalhadora de Coréia do Sur é maior hoje que a classe operária em sua totalidade da época de Marx. É bem mais fácil conceber o que significa uma classe trabalhadora mundial hoje que na época de Marx.
O efeito estuga, os lagos envenenados, a desertificaçom de tantas extensões de terra e as fábricas vazias e abandonadas de antano que servem de monumentos à industrialización são testemunhas da constante e imparável transformação do mundo que nos acerca a cada vez mais à beira da destruição.
Marx queria entender o capitalismo e a sua brutalidade não para fazer-lhe uma crítica moral, senão para preparar a emancipação da classe trabalhadora. O capitalismo não reconhecia as fronteiras nem aceitava trava alguma a sua expansão; da mesma maneira, o movimento revolucionário devia ser internacional. A sua força organizada, num dia, arrasaria com as estruturas de poder e dominación e finalmente acabaria com o estado mesmo. Mas isso não ocorreria de forma automática, senão como resultado das lutas dos trabalhadores. E no curso dessa luta, não só se retaría e acabar-se-ia com o poder do capital, senão que nasceria uma nova sociedade na que os recursos da humanidade empregar-se-iam para conseguir a liberdade humana.
A tarefa resulta hoje mais urgente que nunca.
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NOTAS DO ORIGINAL
1. Também chamados "esquerda hegeliana", fizeram uma crítica radical ao governo, o Estado e a religião (N. Ed.).
2. Discípulo de Hegel, este filósofo alemão fez uma profunda crítica da religião (N. Ed.)
3. Título de um livro famoso de John Reed sobre a revolução russa.
4. De facto encontraram-se no ano anterior, mas mal se falaram.
5. Em 1838 um grupo de parlamentares e trabalhadores ingleses redigiram uma Carta do Povo reivindicando o sufragio universal. Recolheram milhares de assinaturas de apoio mas o Parlamento negou-se a receber a petição. Os líderes cartistas lembraram organizar um movimento de massas extraparlamentario que mobilizou a milhares de trabalhadores nos anos posteriores. Em 1848, o movimento chega a seu ponto máximo com imensas concentrações nas cidades principais do país coincidindo com a apresentação ao parlamento de dois milhões de assinaturas apoiando a Carta.
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