16/01/2011

Que ideia: matar os jovens!

Umberto Eco. Artigo tirado de aqui e traduzido para o galego por nós.



No anterior número de L'Espresso divertia-me imaginando algumas consequências, especialmente no campo diplomático, do novo rumo da transparência inaugurado por Wikileaks. Eram fantasías vagamente fantacientíficas, mas baseavam-se no suposto inegável de que, se desde agora se pode aceder aos arquivos mais confidenciais e segredos, algo terá que mudar, ao menos nos métodos de arquivo.

Então, por que não tentar, ao início do novo ano, alguma outra extrapolação de factos innegáveis, ainda que seja exagerando as coisas com visões apocalípticas? Após tudo, san Juan ganhou-se assim a fama imortal, e ainda hoje, quando nos ocorre uma desgraça, vemos-nos tentados de dizer que sucede exactamente o que ele tinha predito. Apresento-me, pois, a segundo vidente da ilha de Patmos. Ao princípio era o papel carvão.

Ao menos em Itália (e cinjamos-nos a este país), a cada vez há mais velhos que jovens. Dantes morriam-se aos 60 anos, hoje aos 90; consomem, portanto, 30 anos mais de pensão. Como é sabido, esta pensão terão que a pagar os jovens. Mas, com uns velhos tão intrusivos e presentes no comando de muitas instituições públicas e privadas até pelo menos o início de seu marasmo senil (e, em muitos casos, para além), os jovens não encontram trabalho e, por tanto, não podem produzir para lhes pagar a pensão aos idosos.

Nesta situação, ainda se o país sacasse ao mercado obrigações a taxas de juro atraentes, os investidores estrangeiros já não fiar-se-ão, e então faltará dinheiro para as pensões. Em cima, devemos ter em conta que, se os jovens não encontram trabalho, têm que viver mantidos pelos pais ou os avôs aposentados. Tragédia.

Primeira solução, e a mais óbvia. Os jovens terão que começar a fazer listas de eliminação dos idosos sem descendentes. Mas não será suficiente, e, dado que o instinto de conservação é o que é, aos jovens não ficar-lhes-á mais remédio que eliminar também aos velhos com descendencia, isto é, a seus próprios familiares. Será duro, mas tudo é questão de se acostumar. Tens 60 anos? Não somos eternos, papai, iremos todos a acompanhar-te à estação na tua última viagem para os campos de eliminação, com os netos dizendo: "adeus avoinho". E se depois os idosos se rebelassem, desencadear-se-ia a caça ao velho, com a ajuda dos delatores. Se sucedeu com os judeus, por que não com os pensionistas?

Mas aqueles idosos que não estão aposentados, e que ainda se encontram no poder, aceitarão este senão sem rechistar? Antes de mais nada, terão evitado com tempo ter filhos para não trazer ao mundo a potenciais exterminadores, pelo que o número de jovens terá diminuído ainda mais. E ao final, estes velhos capitães (e cavalieri) da indústria, forjados em mil batalhas, decidir-se-ão, ainda que seja com toda a dor de seu coração, a liquidar a filhos e netos. Não os mandando aos campos de exterminio como teriam feito com eles seus descendentes, já que seguirá sendo uma geração unida aos valores tradicionais da Família e da Pátria, senão desencadeando guerras que, como se sabe, criban às quintas mais jovens e são, como diziam os inspiradores de quem agora nos governa, a única higiene do mundo.


Teremos assim um país quase sem jovens e com muitíssimos idosos, sãos e florecientes, ocupados em erigir monumentos aos caídos e comemorando àqueles que deram generosamente a vida pela Pátria. Mas, quem trabalhará para pagar suas pensões? Os imigrantes, deseosísimos de conseguir a cidadania italiana, ansiosos por trabalhar duro a baixo custo e em negro, e propensos, por antigas taras, a morrer dantes dos 50 anos, deixando passo a outra força de trabalho mais fresca. Assim, em decorrência de duas gerações, dezenas de milhões de italianos bronceados garantirão o bem-estar a uma elite de nonagenarios brancos com o nariz colorada e às grandes afortunadas (as senhoras com encajes e tocados), que beberão whisky and soda nos porches de suas propriedades coloniales, nos lagos ou na costa, longe das miasmas das cidades, habitadas só por zombis de tez escura que se alcoholizarán com a lejía anunciada em televisão.

No que respecta a minha convicção de que avançamos a passo de cangrejo e de que agora o progresso coincide com a regresión, dar-nos-emos conta de que chegamos a uma situação não muito diferente àquela do império colonial em Índia, no archipiélago malayo ou em África central; e quem tenha chegado felizmente aos 110 anos graças ao desenvolvimento da medicina, sentir-se-á como o rajá branco de Sarawak, sir James Brooke, sobre o que fantaseaba lendo de menino as novelas de Salgari.

Nenhum comentário: