30/03/2011

Líbia: revolta popular, guerra civil ou ataque militar?

Grégoire Lalieu e Michel Collon. Artigo tirado de aqui. Recentemente eu próprio escrevia um artigo que entronca com as consideraçons da parte final do artigo, disponível aqui.


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Depois de Tunísia e Egipto, chegou a revolução árabe a Líbia?

O que está a ocorrer pelo momento em Líbia é diferente. Na Tunísia e Egipto a falta de liberdade era flagrante. No entanto, foram as terríveis condições sociais as que realmente levaram aos jovens a se rebelar. Os tunecinos e egípcios não tinham nenhuma esperança no futuro.

Em Líbia, o regime de Muamar Gadafi é corrupto, monopoliza uma grande parte da riqueza do país e sempre reprimiu severamente qualquer tipo de oposição. Mas as condições sociais da gente de Líbia são melhores que nos países vizinhos. A esperança de vida em Líbia é maior que no resto da África. Os sistemas de saúde e de educação são bons. Líbia, por outra parte, é um dos primeiros países africanos que erradicaram a malária. Conquanto há uma grande desigualdade na distribuição da riqueza, o PIB por habitante é de 11.000 dólares -um dos mais altos do mundo árabe. Portanto, em Líbia não se dão as mesmas condições objetivas que deram local aos levantamentos populares na Tunísia e Egipto.

Então, como se explica o que está a ocorrer em Líbia?

Para entender corretamente os acontecimentos atuais devemos pôr no seu contexto histórico. Líbia foi no passado uma província otomana. Em 1835 França fez-se cargo de Argélia. Enquanto, Mohamed Ali, governador do Egipto baixo o Império Otomano, foi aplicando políticas a cada vez mais independentes. Com os franceses instalados em Argélia, por uma parte, e Ali Mohamed no Egipto, por outra, os otomanos temeram perder o controlo da região. Enviaram as suas tropas a Líbia.

Naquele momento, a Irmandade Senusi era muito influente no país. era fundada por Sayid Mohamed Ibn Ali como Senusi, um argelino que após estudar no seu próprio país e em Marrocos, foi pregar a sua versão do Islão a Tunísia e Líbia. Ao começo do século XIX, Senusi atraiu a numerosos seguidores mas não foi muito apreçado por uma parte das autoridades religiosas otomanas que o criticavam nas suas sermons. Após passar algum tempo no Egipto e na Meca, Senusi decidiu exilar-se definitivamente na Cirenaica, no este de Líbia.

A sua Irmandade  cresceu ali e organizou a vida da região arrecadando impostos, resolvendo conflitos intertribais, etc., inclusive tinha o seu próprio exército e oferecia os seus serviços de escolta às caravanas de comerciantes que passavam pela zona. Finalmente, a sua Fraternizada Senusi converteu-se no governo de facto da Cirenaica expandindo a sua influência inclusive até o norte do Chade. Mas então as potências coloniais européias instalaram-se na África dividindo a parte subsaariana do continente. Isso teve um impacto negativo nos Senusi. Assim mesmo, a invasão de Líbia por parte da Itália socavou gravemente a hegemonía regional da Irrmandade.

Em 2008 Itália pagou uma indemnização a Líbia pelos crimes dos colonialistas. A tal ponto foi terrível a colonização? Ou o que pretendia Berlusconi era ser visto com bons olhos poder concluir contratos comerciais com Gadafi?

A colonização de Líbia foi terrível. A princípios do século XX, um governo fascista começou a difundir propaganda dizendo que era necessário que Itália, que era derrotada pelo exército etíope na batalha de Adoua em 1896, voltasse a estabelecer a supremazia do homem branco sobre o continente negro. Era necessário limpar a grande nação civilizada da afrenta que lhe tinham infligido os bárbaros. Esta propaganda afirmava que Líbia era um país de selvagens, habitado por uns quantos nómadas atrasados e que seria bom para os italianos se instalar nessa amável terra, com a sua beleza de postal.

A invasão de Líbia surgiu da guerra italo-turca de 1911 -um conflito particularmente sangrento que terminou com a vitória da Itália em um ano depois. No entanto, a potência européia só ganhou o controlo da região de Trípoli e achou uma feroz resistência no resto do país, especialmente na Cirenaica. O clã Senusi apoiou a Omar a o-Mujtar, quem encabeçou uma notável luta guerrillera em bosques, grutas e montanhas. Infligiu graves perdas no exército italiano, embora este último estava muito melhor equipado e era superior numericamente.

Finalmente, a princípios da década de 1930, Mussolini tomou medidas radicais para acabar com a resistência. A repressão chegou a ser extremamente brutal e um dos principais carniceiros, o general Rodolfo Graziani, escreveria: "Os soldados italianos estavam convencidos de que se lhes tinha confiado uma missão nobre e civilizadora... Deviam-se a si mesmos cumprir com este dever humano a qualquer preço... Se não se pode convencer os líbios dos benefícios fundamentais que se lhes têm proposto, então os italianos têm que livrar uma luta contínua na sua contra e podem acabar com toda a população líbia com o fim de conseguir a paz, a paz do cemitério...".

Em 2008, Silvio Berlusconi pagou uma indemnização a Líbia por estes crimes coloniais. Por suposto, baseava-se em motivos ulteriores. Berlusconi queria ganhar-se a Gadafi com o fim de favorecer alianças económicas. No entanto, pode-se dizer que o povo líbio sofreu terrivelmente durante a época colonial. Não seria exagerado falar em termos de genocídio.

Como obteve Líbia a sua independência?

Enquanto os colonos italianos suprimiam à resistência em Cirenaica, o dirigente dos Senusi, Idris, exiliou-se no Egito com o fim de negociar com os britânicos. Após a Segunda Guerra Mundial, o império colonial europeu foi desmantelado progressivamente e Líbia independiçou-se em 1951. Com o apoio de Grã-Bretanha, Idris tomou o poder. No entanto, parte da burguesía *libia, baixo a influência do nacionalismo árabe que se estava a desenvolver no Cairo, queria que Líbia fizesse parte do Egipto. Mas os imperialistas não queriam que se formasse uma grande nação árabe. Portanto, apoiaram a independência de Líbia situando ao seu fantoche Idris no poder.

O rei Idris esteve de acordo?

Por suposto. Com a independência, as três regiões que compõem Líbia -Tripolitana, Fezzan e Cirenaica- viram-se unidas em um sistema federal. Mas há que ter em conta que Líbia é três vezes maior que França. Devido à falta de infraestrutura, as fronteiras do território não puderam ser claramente definidas até após que o avião se tivesse inventado. E em 1951, no país só tinha um milhão de habitantes. Por outra parte, as três regiões que se acabavam de unir tinham uma cultura e uma História muito diferentes. Por último, o país carecia de estradas que unissem as regiões para facilitar a comunicação. Líbia, de facto, encontrava-se em uma fase muito atrasada e não era uma verdadeira nação.

Pode explicar este conceito?

O estado-nação é um conceito vinculado ao aparecimento da burguesia e do capitalismo. Na Europa durante a Idade Média, a burguesía capitalista queria difundir os interesses empresariais na maior medida possível embora impediam-lho todas as limitações do sistema feudal. Os territórios estavam divididos em numerosas entidades pequenas a cujos comerciantes se lhes impunha um importante número de impostos se queriam transportar mercadorias de um local a outro. E isso sem considerar as diferentes obrigações com as que tinham que cumprir para os senhores feudais. Todos estes obstáculos foram eliminados pela revolução capitalista burguesa que permitiu criar estados-nação e grandes mercados nacionais sem obstáculos.

Mas a nação líbia criou-se em uma época na que ainda se estava em uma fase pré-capitalista. Carecia de infraestrutura; uma grande parte da população era nómada e de difícil controlo; as divisões na sociedade eram muito fortes, ainda se praticava a escravatura. Por outra parte o rei Idris não tinha um plano para o desenvolvimento do país. Dependia totalmente dos Estados Unidos e da ajuda britânica.

Por que recebeu o apoio dos Estados Unidos e de Grã-Bretanha? Tinha que ver com o petróleo?

Em 1951 ainda não se tinha descoberto o petróleo em Líbia. Mas os anglo-saxons tinham bases militares no país devido à posição estratégica que ocupa desde o ponto de vista do controlo do Mar Vermelho e o Mediterráneo.

Não foi até 1954 que o rico texano Nelson Bunker Hunt descobriu o petróleo líbio. Naquele momento, o petróleo árabe vendia-se ao redor de 90 centavos o barril. No entanto, o petróleo líbio comprou-se a 30 centavos porque o país estava muito atrasado. Era quiçá o mais pobre da África

Mas de todas formas o dinheiro afluia graças ao petróleo. Em que se usava?

O rei Idris e o seu clã Senusi enriqueceram-se pessoalmente. Também distribuíram parte dos rendimentos do petróleo aos chefes de outras tribos com o fim de apaziguar as tensões. Desenvolveu-se uma pequena elite graças ao comércio de petróleo e construiu-se alguma infraestrutura, principalmente ao longo da costa mediterránea, a área de maior importância para o comércio exterior. Mas as zonas rurais no coração do país seguiram muito depauperadas e os pobres começaram a inundar os bairros marginais ao redor das cidades. Isto continuou até 1969, quando três oficiais derrocaram ao rei, um dos quais era Gadafi.

Como é que a revolução se levou a cabo por oficiais do exército?

Em um país profundamente rasgado pelas divisões tribais, o exército era, de facto, a única instituição nacional. Líbia como tal não existia senão através do seu exército. Ademais, os Senuss do rei Idris tinham a sua própria milícia. Mas no exército nacional era onde se conheciam os líbios das diferentes regiões.

Gadafi tinha-se formado ao princípio em um grupo naserista mas mais tarde entendeu que essa organização não seria capaz de derrocar à monarquia, pelo que se uniu ao exército. Os três oficiais que derrocaram ao rei Idris estavam muito influenciados por Naser. Gamal Abdel Naser era um oficial do exército egípcio que derrocou ao rei Faruk. Inspirado pelo socialismo, Naser opunha-se à injerência do neo-colonialismo estrangeiro e pregou a unidade do mundo árabe. Por outra parte nacionalizou o Canal de Suez que até então era gerido por França e Grã-Bretanha, o que atraiu a hostilidade de Occidente e os bombardeios de 1956.

O panarabismo revolucionário de Naser foi uma grande influência em Líbia, especialmente no exército e mais ainda em Gadafi. Os oficiais líbios que levaram a cabo o golpe de Estado em 1969 seguiam a mesma agenda que Naser.

Quais foram os efeitos da revolução em Líbia?
Gadafi tinha duas opções. Ou deixava o petróleo líbio em mãos de companhias ocidentais como fazia o rei Idris convertendo a Líbia no mesmo que as monarquias petroleiras do Golfo -onde ainda se pratica a escravatura, as mulheres não têm direitos e os arquitetos europeus podem desfrutar construindo todo o tipo de construções estranhas com orçamentos astronómicos fornecidos pela riqueza dos povos árabes; ou podia seguir o caminho da independência dos poderes neo-coloniais. Gadafi elegeu a segunda opção. Nacionaliçou o petróleo líbio, o que enfureceu muito os imperialistas.

Na década de 1950, durante o governo de Eisenhower, circulava umha troça sobre a Casa Branca que baixo Reagan se converteu, de facto, em teoria política. Como se diferencia um bom árabe de um mau? Um bom árabe faz o que Estados Unido diz. A mudança obtém aviões, permite-se-lhe depositar o seu dinheiro em Suíça, convida-se-lhe a Washington, etc. Estes eram os que Eisenhower e Reagan chamavam bons árabes -os gajos de Arábia Saudita e Jordânia, os jeques e emires do Kuwait e o Golfo, o Sha do Irão, o rei de Marrocos e, por suposto, o rei Idris de Líbia. E os árabes maus? Esses eram os que não obedeciam a Washington, Naser, Gadafi, e mais tarde Saddam.

De todos modos, Gadafi não é muito?
Gadafi não é um mau árabe porque ordenasse disparar contra a multidão. O mesmo fizeram em Arábia Saudita ou em Bahréin e os dirigentes desses países ainda recebem todas as honras que Occidente pode outorgar. Gadafi é um mau árabe porque nacionaliçou o petróleo líbio que as empresas ocidentais achavam -até a revolução de 1969- que lhes pertencia. Ao nacionalizá-lo, Gadafi promoveu mudanças positivas em Líbia no que se refere a infraestruturas, educação, saúde, a posição da mulher, etc.

Bom, Gadafi derrocou à monarquia, nacionaliçou o petróleo, opôs-se aos poderes imperiais e provocou uma mudança positiva em Líbia. No entanto, 40 anos depois, é um ditador corruto que suprime toda a oposição e que, uma vez mais, abre o seu país às empresas ocidentais. Como se explica esta mudança?

Desde o princípio, Gadafi opôs-se às grandes potências coloniais e apoiou generosamente a vários movimentos de libertação em todo mundo. Acho que foi muito bom por essa razão. Mas para dar uma visão completa é necessário falar de que o Coronel era anti-comunista. Em 1971, por exemplo, enviou de regresso a Sudão um avião que transportava a dissidentes comunistas sudaneses que foram executados de imediato pelo presidente Nimeiri. A verdade é que Gadafi nunca foi um grande visionário. A sua revolução foi uma revolução nacional burguesa e o que estabeleceu foi o capitalismo de Estado. Para entender como o seu regime perdeu o rumo há que analisar o contexto -que operou em sua  contra- e também os erros pessoais cometidos por Gadafi.

Em primeiro lugar, já temos visto que Gadafi teve que começar desde zero em Líbia. O país estava muito atrasado. Não tinha gente formada da que dispor nem uma classe operária forte que apoiasse a revolução. A maioria das pessoas que recebia educação eram membros da elite que vendia a riqueza líbia às potências neo-coloniais. Obviamente essas pessoas não iam apoiar a revolução e a maioria abandonou o país com o fim de organizar uma oposição desde o estrangeiro.

Ademais, os oficiais líbios que derrocaram ao rei Idris estavam muito influídos por Naser. Egito e Líbia pretendiam unir em uma associação estratégica. Mas à morte de Naser em 1970, o projeto estava estancado e Egito converteu-se em um país contrarrevolucionário alinhado com Occidente. O novo presidente egípcio, Anwar a al-Sadat, aliou-se com Estados Unidos, liberou progressivamente a economia do país e iniciou uma aliança com Israel. Inclusive chegou a estourar um breve conflito com Líbia em 1977; imagine-se a situação em que se encontrou Gadafi: o estado que o tinha inspirado e com o que esperava estabelecer uma aliança tinha-se convertido de repente em inimigo.

Outro elemento da situação que operou na contramão da revolução líbia: a grave queda dos rendimentos do petróleo durante a década de 1980. Em 1973, durante a guerra árabe-israelita, os países produtores de petróleo decidiram impor um embargo que ocasionou que o preço do barril de petróleo se dispara. Este embargo proporcionou a primeira grande transferência da riqueza do Norte em direção ao Sul. Mas durante a década de 1980 produziu-se também o que poder-se-ia chamar a "contrarrevolução do petróleo" orquestrada por Reagan e os sauditas. Arábia Saudita aumentou consideravelmente a produção e inundou o mercado causando uma queda em massa dos preços. O preço do barril passou de 35 dólares a 8.

Não estava Arábia Saudita atirando pedras contra o seu próprio telhado?

Por suposto, teve um impacto negativo na economia saudita. Mas o petróleo não é o mais importante para Arábia Saudita. Os seus relacionamentos com Estados Unidos preocupam-lhe mais porque é o apoio de Washington o que permite à dinastia saudita manter no poder. Esta onda que afetou ao preço do petróleo resultou catastrófica para vários países produtores que se viram endividados. Tudo isto ocorreu tão só 10 anos após que Gadafi chegasse ao poder. O líder líbio, que chegou da nada, via como o único médio que tinha para construir algo desaparecia como neve fundida segundo se ia reduzindo o dinheiro do petróleo.

Assim mesmo, há que ter em conta que a contrarrevolução do petróleo também acelerou o colapso da URSS que nesse momento estava empantanada no Afeganistão. Com o desaparecimento do bloco soviético, Líbia perdido a sua principal fonte de apoio político e encontrou-se isolada na cena internacional e, ademais, foi incluída na lista de Estados terroristas da administração Reagan e ficou submetida a toda uma série de sanções.

Quais foram os erros de Gadafi?

Como já mencionei, não era um grande visionário. A teoria desenvolvida no enquadramento do seu Livro Verde é uma mistura de anti-imperialismo, islamismo, nacionalismo, capitalismo de Estado e outras coisas. Além da sua falta de visão política, Gadafi cometeu um grave erro ao atacar a Chade na década de 1970. Chade é o quinto país maior da África e o coronel, que sem dúvida pensava que Líbia era demasiado pequeno para dar cabida às suas ambições megalómanas, anexou-se da Faixa de Auzu. É verdadeiro que historicamente a Irmandad Senusi exercia a sua influência nessa região. E que em 1945 o ministro francês de Relacionamentos Exteriores, Pierre Laval, quis comprar a Mussolini, oferecendo-lhe a Faixa de Auzu [1]. Mas ao final Mussolini acercou-se a Hitler e o acordo ficou em letra morrida. [A data de 1945 penso tem que estar errada, já que nesse ano Mussolini estava morto e remata a segunda guerra mundial suicidando-se Hitler na chancelaria de Berlim; Nota do blogger].

Gadafi não obstante, queria anexar este território e entrou em uma luta contra Paris pela influência sobre esta ex-colónia francesa. Ao final, Estados Unidos, França, Egipto, Sudão e outras forças reaccionárias na região apoiaram ao exército de Chade, que derrotou às tropas líbias. Capturaram-se milhares de soldados e grandes quantidades de armas. O presidente de Chade, Hissène Terei, vendeu esses soldados à administração Reagan: a CIA utilizou-os como mercenários em Quénia e em Latinoamérica.

Mas o erro maior da revolução líbia foi ter apostado demasiado pelo seu petróleo. A maior riqueza de um país são os seus recursos humanos. Não se pode ter sucesso em uma revolução se não se desenvolvem a harmonia nacional, a justiça social e uma distribuição equitativa da riqueza.

No entanto, o coronel não eliminou as práticas discriminatórias que faziam parte da tradição líbia desde muito tempo atrás. Como se pode mobilizar à população se não se demonstra aos líbios que seja qual seja a sua origem étnica ou tribal, todos são iguais e podem trabalhar juntos pelo bem da nação? A maioria da população líbia é árabe, fala o mesmo idioma e compartilha a mesma religião. A diversidade étnica não é muito importante. fosse possível abolir toda a forma de discriminação com o fim de mobilizar à população.

Assim mesmo, Gadafi foi incapaz de educar ao povo líbio em matéria revolucionária. Não elevou o nível da consciência política dos cidadãos e não construiu um partido para apoiar a revolução.

No entanto, de acordo com o seu Livro Verde de 1975, estabeleceu os comités populares, uma espécie de democracia direta.

A tentativa de democracia direta estava influenciado por conceitos marxistas-leninistas. Mas os comités populares em Líbia não se baseavam na análise política nem em qualquer ideologia clara. Foram um falhanço. Também Gadafi não  construiu um partido político para apoiar a sua revolução. Ao final, separou-se do povo. A revolução líbia converteu-se no projeto de um homem. Tudo girava em torno deste líder carismático divorciado da realidade. E quando se abriu um abismo entre o líder e o seu povo, a força e a repressão vieram a encher o vazio. O excesso seguiu ao excesso, a corrupção estendeu-se, as diferenças tribais cristalizaram.

Hoje em dia essas divisões situaram-se à cabeça da crise líbia. Há, por suposto, uma parte de jovens líbios cansados da ditadura que foram influídos pelos acontecimentos na Tunísia e Egipto. Mas a oposição do este do país, que representa a sua parte do bolo após que a distribuição da riqueza seja muito desigual no enquadramento do regime de Gadafi, está-se a aproveitar desses sentimentos populares. Por outra parte, não sabemos muito a respeito deste movimento de oposição. Quem são?, qual é o seu programa?, se querem realmente empreender uma revolução democrática, por que recorreram às bandeiras do rei Idris, símbolo da época em que a Cirenaica era a província dominante do país? Se um faz parte da oposição de um país e como patriota quer derrocar ao seu governo, deve tratar do fazer corretamente. Não se pode provocar uma guerra civil no seu próprio país sem o pôr em risco de balcanização.

Na sua opinião, já não é só uma questão de uma guerra civil pelas contradições entre os diferentes clãs de Líbia?

É pior, acho. Já se deram anteriormente contradições entre as tribos mas nunca foram tão generalizadas. Aqui Estados Unidos está a avivar os lumes dessas tensões com o fim de poder intervir militarmente em Líbia. Desde os primeiros dias da insurreção, a secretária de Estado, Hillary Clinton, sugeriu armar à oposição. Desde o princípio, a oposição organizada pelo Conselho Nacional negou toda injerência estrangeira por parte de potências estrangeiras porque sabiam que qualquer interferência desacreditaria ao seu movimento. Mas hoje em dia parte da oposição pediu a intervenção armada.

Desde que desatou-se o conflito, o presidente Obama instou a que se tenham em conta todo o tipo de opções e o Senado estadounidense fez o apelo à comunidade internacional para impor uma zona de exclusão aérea sobre território líbio, o que supõe um verdadeiro ato de guerra. Ademais, o portaavions nuclear, o USS Enterprise, que estava estacionado no Golfo de Adém para lutar contra a pirateria,  transladou-se até a costa de Líbia. Dois barcos anfíbios, o USS Kearsarge e o USS Ponce, com vários milhares de infantes de marinha e as frotas de helicópteros de combate a bordo, também se estacionaram no Mediterráneo.

Na semana passada, Louis Michel, ex comissário de Desenvolvimento e Ajuda Humanitária da UE, propôs energicamente uma pergunta em um estudo de televisão sobre que governo teria o valor de levar o caso de uma intervenção armada em Líbia aos seus parlamentares. No entanto, Louis Michel não pediu nunca uma intervenção assim no Egipto ou em Bahréin. Por que?

É a repressão mais violenta em Líbia?

A repressão foi muito violenta no Egito embora a OTAN não enviou navios de guerra à costa egípcia para ameaçar a Mubarak. Não teve mais que um apelo para que se procurasse uma solução democrática.

No caso de Líbia há que ter muito cuidado com a informação que nos chega. Em um dia fala-se de 2.000 mortes e ao dia seguinte revisa-se a conta a 300. Também  está-se a dizer desde o começo da crise que Gadafi bombardeava ao seu próprio povo embora o exército russo, que está a observar a situação por satélite, desmentiu oficialmente essa informação. Se a OTAN prepara-se para intervir militarmente em Líbia podemos estar seguros de que os meios de informação dominantes vão difundir a sua propaganda de guerra habitual.

De facto, ocorreu o mesmo na Roménia com Ceausescu. Na Noiteboa de 1989, o primeiro-ministro belga, Wilfred Martiens, pronunciou um discurso na televisão. Afirmou que as forças de segurança de Ceaucescu acabavam de matar a 12.000 pessoas, o que não era verdadeiro. As imagens do famoso massacre de Timosoara circularam assim mesmo por todo mundo. Estavam destinadas a demonstrar a violência cega do presidente romanês. Mas mais tarde demonstrou-se que todo era preparado. Tinham-se sacado corpos do depósito de cadáveres e colocaram-se nas trincheiras com o fim de impressionar aos jornalistas. Também se disse que os comunistas envenenavam a água, que tinha mercenários sírios e palestinianos em Romênia, ou inclusive que Ceaucescu treinava a órfões como máquinas de matar. Todo era pura propaganda dirigida a desestabilizar o regime.

Ao final, Ceaucescu e a sua esposa foram assassinados após uma farsa de julgamento que durou 55 minutos. Por suposto, o presidente romanês, como Gadafi, não era um santo. Mas que aconteceu desde então? A Romênia converteu-se em uma semi-colónia européia. Explode-se a sua mão de obra barata. Numerosos serviços privatizaram-se em benefício das empresas ocidentais e estão fora do alcance económico de grande parte da população. E agora, a cada ano não são poucos os romenos que vão chorar envelope a tumba de Ceaucescu. A ditadura foi uma coisa terrível mas depois o país foi destruído economicamente; ainda pior [de facto inquéritos recentes demonstram que mais da metade dos romenos afirmam que viviam melhor sob o "comunismo"; Nota do blogger, ver aqui].

Por que Estados Unidos quer derrocar a Gadafi? Durante os últimos dez anos, o coronel foi muito suscetível a Occidente e privatizou uma parte importante da economia líbia, beneficiando às empresas ocidentais no processo.

Há que analisar todos estes acontecimentos à luz do novo equilíbrio de forças no mundo. As potências imperialistas estão em declínio enquanto outras forças vão em aumento. Recentemente China ofereceu-se a comprar a dívida portuguesa. Na Grécia, a população é a cada vez mais hostil a esta União Européia que se percebe como uma armadilha do imperialismo alemão. Sentimentos similares estão a crescer nos países do Leste. Por outra parte, Estados Unidos atacou o Iraque com o fim de obter o controlo do seu petróleo, mas ao final só uma única empresa estadounidense se está a beneficiar disso, o resto do petróleo está a ser explodido por empresas de Malásia e China. Em resumo, o imperialismo está em crise.

Ademais, a revolução da Tunísia realmente apanhou por surpresa a Occidente. A queda de Mubarak ainda mais. Washington tenta de recuperar a sua influência sobre estes movimentos populares mas o seu controlo desvanece-se. Na Tunísia, o primeiro-ministro Mohamad Ghanouchi, um produto direto da ditadura de Ben Ali, estava destinado a controlar a transição criando a ilusão de mudança. Mas a determinação do povo obrigou-o a renunciar. No Egipto, Estados Unidos contava com o exército para manter um sistema aceitável no seu local. Mas recebi informações que confirmam que em muitos quartéis militares de todo o país, os oficiais jovens se estão a organizar em comités revolucionários em apoio do povo egípcio. Inclusive prenderam a alguns oficiais relacionados com o regime de Mubarak.

A região poderia escapar ao controlo dos Estados Unidos. A intervenção em Líbia permitiria a Washington avariar o movimento revolucionário e evitar a sua propagaçom ao resto do mundo árabe e da África. Desde a semana passada, os jovens têm estado protestando em Burkina Faso, embora os meios guardam silêncio ao respeito. Como o guardam sobre as manifestações que estão a ter local no Iraque.

Outro perigo para os Estados Unidos é o possível aparecimento de governos anti-imperialistas na Tunísia e Egito. Se isto acontecesse, Gadafi já não estaria isolado e poderia incumprir os acordos atingidos com Occidente. Líbia, Egipto e Tunísia poderiam unir-se para formar um bloco anti-imperialista. Com todos os recursos que têm ao seu dispor, especialmente as grandes reservas de divisas de Gadafi, os três poderiam converter em uma potência regional importante, provavelmente mais importante de Turquia.

No entanto, Gadafi apoiou a Ben Ali quando o povo da Tunísia se rebelou.

Isso demonstra até que ponto é débil e está isolado e fora de contacto com a realidade. No entanto, o cambiante equilíbrio de forças na região poderia transformar as coisas. Gadafi poderia mudar de ombro o seu fuzil; não seria a primeira vez.

Como poderia se modificar a situação em Líbia?

As potências ocidentais e o movimento denominado de oposição recusaram a oferta de mediação de Chávez. Isso significa que não estão interessados em uma solução pacífica ao conflito. Mas os efeitos de uma intervenção da OTAN serão desastrosos. vimos o que ocorreu no Kosovo ou Afeganistão.

Por outra parte, a agressão militar poderia alentar os grupos islamistas a entrar em Líbia que poderiam tomar grandes depósitos de armas ali. A al-Qaida poderia infiltrar-se e converter Líbia em um segundo Iraque. Ademais, já há grupos armados em Níger que ninguém pôde controlar. A sua influência poderia estender-se a Líbia, Chade, Malí e Argélia. Com a intervenção militar, o imperialismo está a abrir as portas do inferno.

Para concluir, o povo líbio merece algo melhor que este movimento de oposição que está a afundar ao país no caos. Precisa um movimento realmente democrático que substitua ao regime de Gadafi e traga a justiça social. Em nenhum caso os líbios merecem uma agressão militar. As forças imperialistas em retrocesso parecem, no entanto, dispostas para uma ofensiva contrarrevolucionária no mundo árabe. Atacar a Líbia é a sua solução de urgência. Mas estão a disparar-se nos pés.

Nota:

1. Esta zona é rica em urânio - CPGB ml

Fonte: http://www.michelcollon.info/*Libya-popular-*uprising-*civilian.html

2 comentários:

Anônimo disse...

Nao restam duvidas que a informacao deixada aqui, representa um verdadeiro manancial didactico, contudo e de qualquer maneira, ninguem tem o direito de tirar a vida de qualquer um que for, essa ate hoje e entendida como virtude de Deus Celestial.Na minha humilde opiniao, Gaddafi de forma isacerbada o seu poder quando virou os contra o seu proprio povo.

Anônimo disse...

A crenca diz que, o unico poder que nao tem fim e o de deus, nao me escandaliso com o fim de Kaddafi.A propria informacao deixada neste artigo, monstra que tarde ou cedo Kaddafi, tinha de terminar e o certo e esse, o lider ditador, esta na rampa do abismo.adeus Kaddafi ate sempre.