A estratégia principal dos últimos tempos é renegar da política e dizer que tudo quanto acontece é inevitável. E no caso de Portugal não é diferente: Sócrates pede o resgate – diz-nos – porque é o único que pode fazer. E, querendo ou não, o resultado é que Portugal já está metido numa gravíssima situação que se há verificar desde já. Por dous motivos: o primeiro, o que se há verificar asinha e que resulta do mais elementar, é que, se o país não consegue pagar a quantidade que logo depois pede emprestada, também não poderá devolver essa quantidade mais os juros, ainda menos se o que acontece também imediatamente é que a recessão da cousa económica portuguesa deixa de ser uma situação transitória para eternizar-se. E aí é aonde conduzem as políticas exigidas polo próprio empréstimo. O segundo motivo tem a ver com algo que já dissemos aqui em diversas ocasiões: não existe Portugal, nem os Estados Unidos nem a União Europeia. Não existem, quando menos, como sujeitos de Poder na medida em que têm renunciado a exercê-lo e o têm desviado explicitamente às grandes corporações económicas. Não é certa, pois, a tese já clássica de que os Estados perdem poder por cima (cara à UE, neste caso) e por baixo (cara à cidadania): por onde os Estados perdem poder é pola renúncia a uma política de empoderamento – uma renúncia que se verifica em forma de externalizações, terceirizações, privatizações, administração paralela, etc., e que na prática delega as iniciativas no Fundo Monetário Internacional, no Banco Mundial ou, mais caseiramente, no Fundo Europeu de Estabilidade Financeira. São esses organismos os que marcam o quê pode ser feito e o quê não: são os que organizam o cenário sobre o que logo se constrói a política diária a dizer “os curtes são inevitáveis” e “a austeridade é a única alternativa possível”.
É bem certo que Portugal deverá aplicar curtes e restrições gravíssimas se quiser continuar nesse cenário que acabamos de referir e no que ordenam, principalmente, as oligarquias financeiras das agências de rating e do FMI (que tem os seus interesses próprios, ninguém esqueça). Mas não é certo que não haja alternativa e que a trajetória dos últimos tempos seja a única possível: Portugal pode começar um processo de empoderamento que consista em recuperar a capacidade e a responsabilidade de combater o 220% do PIB que constitui a dívida privada (privada, não do Estado) e de avançar polo caminho do decrescimento controlado e, ainda mais, a iniciativa de decidir naqueles temas que foram transferidos para a UE, para o BCE e para as corporações privadas. Mas o empoderamento é um processo político, e não todos os partidos que se apresentam a resgatar o país estão dispostos a avançar por esse caminho nem, muito menos a enfrentar um diktat que se negociará e se aprovará e estará a vigorar antes mesmo de que o povo português possa auto-determinar o seu futuro em 5 de junho. Por isso, a unidade da esquerda do BE e do PCP é necessária e exigível. Não é possível passar por menos, porque fazê-lo apenas leva para continuar na mesma via. E por essa via, suficientemente explorada, já sabemos todos aonde é que se chega.
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