04/04/2011

Os zapatistas avançam em silêncio para a autonomia

Tirado de aqui.

Em Chiapas, na fronteira sul de México, lá onde a orografria é abrupta e a fome sulca os rostos dos mais pequenos, milhares de pessoas decidiram alçar-se em armas e dizer "basta" à pobreza, à marginação, à invisibilidade. Era o 1 de janeiro de 1994, e as cidades chiapanecas amanheceram tomadas pelos ninguém, os indígenas, aqueles que deviam baixar do passeio quando passava um caxlan -palavra maia para designar os mestiços- , aqueles que não sabiam, que andavam descalzos, os prescindíveis, singelos homens e mulheres que naquele dia se voltaram grandes ao fazer a primeira revolução do século XXI.


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"Esto somos nosotros. El EZLN. La voz que se arma para hacerse oír. El rostro que se esconde para mostrarse. El nombre que se calla para ser nombrado. La roja estrella que llama al hombre y al mundo para que escuchen, para que vean, para que nombren. El mañana que se cosecha en el ayer", Fragmento do discurso inaugural da maior Ana Maria, no primer encontro zapatista, em 27 de julho de 1996. Foto: Adolfo López.       







Hoje dizemos basta!, (...) os desposeidos somos milhões e chamamos a todos os nossos irmãos a que se somem a este chamado como o único caminho para não morrer de fome ante a ambição insaciável de uma ditadura a mais de 70 anos encabeçada por uma camarilha de traidores que representam os grupos mais conservadores e vende-pátrias", rezava a primeira declaração da Selva lacandona com a que esta guerrilha indígena, o Exército Zapatista de Libertação Nacional, se atrevia a lhe declarar a guerra ao Estado mexicano.

Era o dia que entrava em vigor o Tratado de Livre Comércio da América do Norte, que marcou a consolidação definitiva do ultraliberalismo em um país, e os zapatistas apresentavam 11 petições fundamentais relacionadas com o direito ao trabalho, a terra, a morada, a alimentação, a saúde, a educação, a independência, a liberdade, a democracia, a justiça e a paz. Em definitiva pediam ser cidadãos de primeira em um país que os negava, e ter capacidade para gozar do exercício desta cidadania com respeito aos seus modos de produção e autogoverno tradicionais, para além do sistema de partidos e a sobreexploração da terra. Esta proposta alborotou uma sociedade que se sentia em marasmo, sequestrada por mais de 60 anos por um partido único que já perdia a sua legitimidade, e economicamente em crise. "O EZLN mudou-nos a vida. Baixou o exercício da política à comunidade. Estendeu-se a percepção que a nossa palavra podia contar se assim o decidíamos, e se estendeu a participação de estudantes, camponeses, classes médias nos meios, na esfera pública", explica Glória Muñoz, jornalista que viveu muitos anos nas comunidades zapatistas e segue desde perto a trajetória do EZLN.
 
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O subcomandante Marcos, assim chamado porque o único comandante é o povo, ergueu adesons e simpatias por toda a parte, também nos EUA e em Europa. Na Rolda de Rebeldia impulsada polo Encontro Irmandinho ou nas teses da III Assembleia Nacional do EI há referências ao zapatismo.
Assim, o EZLN captou em seguida os focos nacionais e internacionais. O seu porta-voz, o Subcomandante Marcos, um encarapuçado com pipa, de humor retranqueiro, soltura seductora e tiros verbais certeiros, também sacudiu as esquerdas da velha Europa e EEUU, em plena crise ideológica após a queda de Berlim e o auge do ultraliberalismo.

O apoio nacional parou a matança que se tivesse desencadeado entre um Exército profissional e uma guerrilha camponesa ataviada com mais paus que armas de fogo. Assim, após 12 dias de confrontos armados, estes ninguém conseguiram o primeiro diálogo nacional em fevereiro-março de 1994 e posteriormente, entre o 95 e o 96, se elaboraram os Acordos de San Andrés, que estabeleciam a luta agrária, a luta pelo reconhecimento legal dos direitos dos indígenas e a construção de estruturas de governo autónomos.

Embora cedo ficaram em nada, os Acordos são um documento de referência e deram visibilidade aos povos indígenas. Deles saiu o Congresso Nacional Indígena que converteu aos povos originários em um ator político. Os zapatistas passaram da deceção aos factos e começaram a levar os seus direitos e a sua autonomia pela sua conta. Se não tinha reconhecimento legal das suas necessidades e os seus modos próprios, exercê-los-iam na prática. Recuperaram milhares de hectares de terras aos caciques para trabalhá-las eles mesmos. E começaram uma política de fortalecimiento local. Para isso, a estrutura militar cedeu espaço às suas bases de apoio, como se fazem chamar os zapatistas civis. Organizaram-se em Municípios Autónomos Rebeldes Zapatistas, que estruturam os territórios que controlam e promovem o desenvolvimento local fosse das leis governamentais. E com a soma destas municipalidades estabeleceram cinco supraregioes, que funcionam como centros de poder político e administrativo, os Caracois. Em 1998, o EZLN controlava 38 municípios autónomos concentrados no centro e oriente de Chiapas e, já no 2003, existiam cinco Juntas de Bom Governo, as suas autoridades, compostas por delegados dos diferentes municípios que se relevam temporariamente e são eleitos pela própria comunidade. As JBG são os responsáveis pelos projetos, a administração e a impartição de justiça. A partir delas se constrói o seu sistema alternativo, baseado na visão e prática do mundo dos povos originários, com uma estrutura mais participativa e um grande arraigo com a terra. A sua prática autonóma constrói-se a partir do envolvimento das bases no trabalho coletivo da comunidade como promotores de saúde, educação, comunicação, sem mais recompensa que a melhora da sua vida quotidiana e a da sua comunidade.
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As mulheres foram um dos setores que mais se empoderaram com a revolta zapatista, nom apenas atingindo amplitude de cargos, mas também com a Lei Revolucionária de Mulheres vigente nos territórios zapatistas desde 1993. Foto: Adolfo López.
 
"O que nos ensinou o EZLN, é realmente a lutar, que íamos lutar por essas demandas e nos advertiram que ia levar um longo tempo.E descobre que a pobreza que existe na comunidade é por culpa de uns exploradores, então como que lhe abre a um a vista, o pensamento, o coração a que não é porque não trabalhamos que somos pobres, ou como algum que outro dizia é que deus assim quer de por si, que uns vão ser ricos e outros vão ser pobres. Então como que o EZLN faz uma nova proposta a diferença de outras organizações, porque a proposta dele é a lutar, não só a correr os finqueros, senão a trabalhar. Vai lutar pela saúde, pela educação, pela alimentação, pela morada, pela justiça, pela democracia" explica o colega Jacinto em Rádio Insurgente, a emissora zapatista, ao ser perguntado por como lhe mudou a vida com o EZLN.

Esta autonomia de facto causou simpatias em todo mundo, que lhes acompanham através de redes internacionais solidárias que apoiam com financiamento para os programas e capacitação aos promotores locais. Assim, implementaram um sistema de saúde e educação autónomo, bem como multidão de projetos produtivos e de melhora das condições de vida.

"Dantes quando tinha um problema na nossa comunidade às vezes ia um até onde está o mau governo e aí somente arranjava o seu problema o que tinha dinheiro, mas agora mudou, porque aqui connosco, com o nosso governo do povo já não se precisa dinheiro, senão que o que de por sim tem a razão é o que tem a razão, e o que tem a culpa pois se reconhece que tem a culpa" relata na mesma emissora com um castelhano precário, o colega Francisco, zapatista do povo de San Miguel, do Caracol A Realidade, na parte mais setentrional do estado.
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"No morirá la flor de la palabra. Podrá morir el rostro oculto de quien la nombra hoy, pero la palabra que vino desde el fondo de la historia y de la tierra ya no podrá ser arrancada por la soberbia del poder", EZLN. Foto: Adolfo López
"É o princípio de mandar obedecendo que promovem, isto é a política posta na gente de abaixo, o princípio da consulta, do não fazer nada sem perguntar aos povos, o princípio da revocação do mandato, que se não o fazes bem te tiro, e sobretudo o princípio da participação coletiva", sublinha Muñoz.

Assim as coisas, se referir ao zapatismo agora, 17 anos após o levantamento, não é falar somente de um grupo guerrilheiro, senão de uma nova forma de relacionamentos sociais entre as comunidades e de uma nova forma de ver e viver o mundo. Para além das armas, impactou a sua decisão e a sua dignidade, que acordou a consciência de milhões de cidadãos e cidadãs e viraram para Chiapas os refletores internacionais.

Mas com o passo dos anos, os zapatistas perderam poder mediático, e com a sombra, têm-se acentuado os hostigamentos. Pese ao alto ao fogo, o governo manteve sempre um cerco militar os territórios zapatistas, e o exército foi denunciados em numerosas ocasiões de violar os Direitos Humanos com ameaças, tomada ilegal de terras, execuções, torturas ou por forçar a deslocação dos povoadores indígenas. Segundo o Centro de Análise Políticos e Investigações Sociais e Económicas (CAPISE) mantêm-se 118 instalações militares, 57 das quais em terras comunais. Permanece assim o estado de espreito, com uma guerra submergida e esquecida, em onde os excessos passam desapercibidos pela falta de informação.

Ademais, ao acosso dos soldados somou-se uma nova estratégia de contra-insurgência através de paramilitares, outros indígenas a salário, treinados e armados que espreitam constantemente aos zapatistas, de tal maneira que mediáticamente pareçam conflitos *interétnicos ou religiosos.

"Há um conflito armado não resolto. Mantêm-se as forças militares no território e aparecem paramilitares com um rosto civil, mas que operam com hostigamento, amedrentamento com populações zapatistas ou os seus simpatizantes. É uma estratégia integral de contra-insurgência", resume Jorge Armando Gómez, do Centro de Direitos Humanos Fray Bartolomé das Casas (Frayba), em Chiapas.

As provas sobre a atividade paramilitar sobram: assassinatos, massacres, como as 45 pessoas assassinadas no povoado de Acteal em 1997, roubos de colheitas e gado são uma constante. O Frayba leva a cabo um trabalho sistémico de coletar informação e denunciar os crimes, tanto de paramilitares como do Exército. Quem leia alguns dos seus relatórios anuais, encontrar-se-á com uma situação crítica em Chiapas, onde a criminalização do protesto está à ordem do dia, enquanto as comunidades indígenas resistem desde faz anos toda a classe de vejações. De facto, o mesmo Frayba, sofreu uma campanha de difamação e criminalização pelo seu mesmo labor de denúncia, além de que vários dos seus integrantes sofreram ameaças diretas.

"Seguem aplicando uma estratégia de deslegitimação do movimento e todos os seus simpatizantes. O movimento zapatista é pela sua natureza uma pedra no sapato de México. Choca com um modelo de desenvolvimento e exploração do território ultraliberal e ademais fá-lo na fronteira sul, um local importantíssimo geoestrategicamente com todos os interesses económicos transnacionais, para Centro e Suramérica. É uma pedra que se resiste mas ademais é bem mais grande e simbólica porque contribui alternativas à humanidade", argüe Gómez.

Efetivamente, a praxe do zapatismo propõe alternativas de respeito intercultural, politicamente leva a cabo o autogoverno e a livre determinação, no económico procura a produção coletiva, o uso e cuidado da terra para além do material. "Sempre procurar-se-á os acabar por todos os meios possíveis, porque se opõe à crença de que o capitalimo ultraliberal é o único modelo válido para a sociedade", agrega Gómez.
 
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"Nosotros nacimos de la noche. En ella vivimos. Moriremos en ella. Pero la luz será mañana para los más, para todos aquellos que hoy lloran la noche, para quienes se niega el día, para quienes es regalo la muerte, para quienes está prohibida la vida", IV Declaraçom da selva lacandona, publicada em 1 de janeiro de 1996. Foto Adolfo López. 
 
De facto, além da importância geoestratégica de Chiapas, nos últimos anos converteu-se em um novo foco nacional do investimento turístico e ambos interesses chocam com a defesa do território dos indígenas. Entre os projetos estatais mais importantes destacam a construção de uma autoestrada San Cristóbal-Palenque, e a criação de uma presa hidroeléctrica nos rios Água Azul, Tulijá e Bascán, que despojaria às comunidades dos seus recursos naturais mais importantes.

Quando as comunidades se opõem, o governo tenta-se apropriar do território com desafiuzamentos forçados, a cooptação para a assinatura de convénios e projetos de desenvolvimento, a ocupação policial e militar da zona, a criminalização de defensores e a judicialização de ações de defesa de direitos. É o caso dos recentes conflitos dos povoados de Bachajón e Mitzitón.

EmBachajón, uma das comunidades afetadas pela presa, o passado fevereiro assassinaram a um  comuneiro e feriram a outro. Cento dezassete pessoas foram detidas, das quais cinco ainda permanecem presas, e as pessoas que permanecem plantadas no local para evitar o desalojo, sofrem constantes hostigamentos.

O povo de Mitzitón também mantém um "plantão" desde o ano para defesa o seu território do passo da Autoestrada. Desde então um grupo de paramilitares liderados pelo "Exército de Deus" e "Asas de Águia", protagonizam confrontos armados contra os povoadores inclusive em presença de servidores públicos estatais.

Como explica o Frayba, o que se disputa é "evitar o empoderamento dos povos indígenas da região para exercer o seu direito a decidir que precisam como povos e como podem cuidar, proteger e defender os seus territórios".
 
 
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A isso soma-se a pressão constante dos partidos políticos que com agasalhos simbólicos e promesas intangíveis tentam rachar a autonomia dos povos zapatistas em resistência. “Hay altibajos en las comunidades, porque el gobierno nos está atacando con sus programas, con sus proyectos, entonces nos está atacando de maneras de que dejemos de luchar y nos salgamos de la lucha y ahora podamos volver a ser dominados por él”, resume o irmao Jacinto desde La Realidad.

No entanto, todo o que figeram e continuam fazendo as comunidades indígenas zapatistas, na sua andaina coletiva, desde há 17 anos mas que vem de mais atrás ainda, é possível graças à consciência política que desenvolveram à para da sua organização para a vida.

Um comentário:

Unknown disse...

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