14/11/2010

As eleiçons nos EUA, atrozes e erradas

Noam Chomsky. Artigo tirado de aqui. A traduçom é de nosso. O Chomsky, que acaba de cumprir oitenta e um ano é o intelectual vivo mais importante e citado. O seu livro mais recente é Hopes and prospect.



As eleições intermedias de Estados Unidos registam um nível de cólera, temor e desilusão no país como nada que possa recordar em minha existência. Dado que os democratas estão no poder, eles recebem o impacto da rejeição em torno de nossa situação sócio-económica e política actual.

Mais da metade dos estadounidenses da corrente principal, segundo um inquérito Rasmussen do mês passado, disseram ver favoravelmente ao movimento do Tea Party -uma mostra clara do espírito de desencanto. As queixas são legítimas. Durante mais de 30 anos, os rendimentos reais da maioria da população estancaram-se ou declinado enquanto as horas de trabalho e a insegurança aumentaram, junto com a dívida. A riqueza acumulou-se, mas em muito poucos petos, levando a uma desigualdade sem precedentes.

Estas consequências surgem principalmente da financialización da economia desde os anos 70 e o correspondente esvaziamento da produção. O processo vê-se alentado pela mania de desregularización favorecida por Wall Street e é apoiado pelos economistas hipnotizados pelos mitos do mercado eficiente.

A gente vê que os banqueiros responsáveis em sua maior parte da crise financeira e que foram resgatados da bancarrota pelo público agora estão a desfrutar de utilidades sem precedentes e de enormes bonos. Em tanto, o desemprego oficial permanece em mais ou menos 10 por cento. A manufactura está em níveis da Depresão; um da cada seis carece de emprego, e é pouco provável que os bons trabalhos regressem.

Com todo direito, a gente quer respostas, e não as está a receber salvo por parte de vozes que dizem contos que têm alguma relevancia interna -se você está disposto a suspender a sua incredulidade e ingressar ao seu mundo de irracionalidade e engano.

No entanto, ridiculizar as argucias do Tea Party é um grave erro. É bem mais apropriado compreender que há por trás do atractivo popular do movimento, e nos perguntar por que gente justamente enojada está a ser mobilizada pela extrema direita e não pelo tipo de activismo construtivo que surgiu na Depresión, como o CIO (Congresso de Organizações Industriais, em inglês).

Agora os que simpatizan com o Tea Party estão a escutar que toda instituição, governo, corporación e as profissões, está podre, e que nada funciona.

Entre o desemprego e as execuções hipotecarias, os democratas não se podem queixar a respeito das políticas que levaram ao desastre. O presidente Ronald Reagan e seus sucessores republicanos quiçá tenham sido os piores culpados, mas as políticas começaram com o presidente Jimmy Carter e aceleraram-se com o presidente Bill Clinton. Durante as eleições presidenciais, os principais eleitores de Barack Obama foram as instituições financeiras, que conquistaram um domínio notável sobre a economia desde a geração passada. Esse incorregível radical do século XVIII, Adam Smith, falando de Inglaterra, disse que os principais arquitectos do poder eram os donos da sociedade -em seu dia, os mercaderes e os fabricantes- e eles asseguravam-se de que a política governamental atendesse escrupulosamente aos seus interesses, por mais doloroso que resultasse o impacto para o povo inglês; e pior ainda, para as vítimas da selvagem injustiça dos europeus no estrangeiro.

Uma versão moderna e mais sofisticada da máxima de Smith é a teoria dos investimentos da política do economista Thomas Ferguson, que vê as eleições como ocasiões em que os grupos de investidores se unem com o fim de controlar o Estado, seleccionando aos arquitectos de políticas que servirão a seus interesses.

A teoria de Ferguson resulta excelente para predizer a política ao longo de períodos prolongados. Isso não deveria surpreender a ninguém. As concentrações de poder económico naturalmente tendem a estender sua influência sobre qualquer processo político. Em Estados Unidos, essa dinâmica tende a ser extrema.

Pode dizer-se, no entanto, que os grandes protagonistas corporativos têm uma defesa válida contra acusações de cobiça e indiferença pela saúde da sociedade. Sua tarefa é maximizar as utilidades e sua percentagem do mercado; de facto, essa é sua obrigação legal. Se não cumprem com esse mandato, serão remplazados por alguém que o cumpra. Também ignoram o risco sistémico: a probabilidade de que suas transacções dañarán à economia em general. Tais externalidades não são assunto seu -não porque sejam gente má, senão por razões institucionais.

Quando a borbulha reventa, os que correram riscos podem fugir ao refúgio do Estado protector. Os resgates -uma espécie de póliza de seguro governamental- são alguns dos muitos incentivos perversos que magnifican as ineficiencias do mercado.

Há um crescente reconhecimento de que nosso sistema financeiro está a operar num ciclo do julgamento final, escreveram em janeiro os economistas Pete Boone e Simon Johnson no Financial Times. "A cada vez que falha, dependemos de dinheiro laxo e políticas fiscais para o resgatar. Esta resposta ensina ao sector financeiro: corre grandes riscos para ser pago abundantemente, e não te preocupes pelos custos -cobri-los-ão os contribuintes" mediante resgates e outros instrumentos, e o sistema financeiro "é assim ressuscitado para apostar novamente- e fracassar de novo".

A metáfora do julgamento final também se aplica fora do mundo financeiro. O Instituto Estadunidense do Petróleo, respaldado pela Câmara de Comércio e outros cabildos empresariais, intensificou seus esforços para persuadir ao público de descartar suas preocupações a respeito do esquentamento global antropogénico -com um sucesso considerável, como o indicam as encuestas. Entre os candidatos congresionales republicanos nas eleições de 2010, praticamente todos recusam o esquentamento global.

Os executivos por trás da propaganda sabem que o esquentamento global é real, e que nossas perspectivas são terríveis. Mas o destino da espécie é uma externalidade que os executivos devem passar por alto, na medida que o sistema de mercados prevalece. E o público não poderá correr ao resgate quando a pior das possibilidades se presente.

Sou apenas o suficientemente velho para recordar esses estremecedores e ominosos dias em que Alemanha desceu da decencia à barbarie, para citar a Fritz Stern, o distinto académico da história alemã. Num artigo em 2005, Stern indica que tem em mente o futuro de Estados Unidos quando revisa um processo histórico no que o ressentimento contra um mundo secular desencantado encontrou sua solução num escape extático de sem razão.

O mundo é demasiado complexo para que a história se repita, mas há, não obstante, lições que devemos recordar ao registar as consequências de outro ciclo eleitoral. Não terá escassez de tarefas para quem tentam apresentar uma alternativa à fúria e o engano mau dirigidas, ajudar aos inúmeros afectados e encabeçar o avanço para um futuro melhor.

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