31/10/2011

Teses sobre ETA

Iñaki Gil de San Vicente. Artigo tirado de Galizalivre (aqui).



«O marxismo, a menos dogmática e a menos formal das doutrinas, em cujo enquadramento de generalizações ressaltam a carne viva e o sangue quente das lutas sociais e de suas paixões.» Trotsky 1915

«É verdade que prever significa unicamente ver claro o presente e o passado enquanto movimento. Ver claro: isto é, identificar com exatidão os elementos fundamentais e permanentes do processo. Mas é absurdo pensar em uma previsão puramente "objetiva" (...) Só aquele que quer com força identifica os elementos necessários para a realização de sua vontade.» Gramsci 1924

«Eles lutaram, fracassaram, lutaram de novo, fracassaram de novo, voltaram a lutar; acumularam uma experiência de 109 anos, uma experiência de centenas de lutas, grandes e pequenas, militares e políticas, econômicas e culturais, com ou sem derramamento de sangue, e só então obtiveram a vitória fundamental de hoje. Estas são as condições morais, sem as quais a revolução não poderia triunfar.» Mao 1949

1. O comunicado da ETA da passada quinta-feira 20 de outubro, que anunciava a cessação definitiva de sua acionar armado, confirma de novo que a ETA é uma organização política clandestina que por circunstâncias óbvias se viu na necessidade de recorrer à violência defensiva tática, à luta armada. Que a ETA é uma organização política foi reconhecido por comentadores espanhóis e pelos sucessivos governos do Estado espanhol que conversaram e negociaram com ela. Reconheceu-se também que sua influência política não desapareceu nos momentos de cessar-fogo ou de qualquer outra forma de cessação transitória de sua ação armada, plasmando-se doutra maneira, com outras expressões. A natureza política da ETA inscreve-se de pleno dentro da tradição marxista que sempre fez questão da dialética entre os objetivos históricos, a estratégia adequada para os atingir em cada fase e contexto de luta, e as adequações táticas que devem ser implementadas dentro da estratégia segundo variam as conjunturas e circunstâncias. Não só a longa história da ETA, como também a curta história prévia de EKIN e inclusive, apressando a análise, o prolongado processo de lenta confluência intermitente e gorada pelas ditaduras de 1923-1931 e de 1936 em adiante, entre diferentes correntes marxistas, socialistas, nacionalistas e independentistas bascas, este processo decisivo para entender o surgimento e a força de massas da ETA também se realizou segundo a dialética entre os fins e os meios, sempre dentro das mudanças forçadas pelas inovações repressivas dos sucessivos governos espanhóis.

2. Não faz falta insistir que em semelhante interação permanente de forças, a casualidade joga um papel maior ou menor dependendo de menor ou maior acerto estratégico e teórico da esquerda revolucionária. Neste sentido, é inegável a capacidade do «fenômeno ETA» para superar todas as adversidades e contingências. Não podemos entender esta permanência se utilizarmos definições mecânicas, não dialéticas. Há que entender a ETA como uma dupla realidade: por um lado, a ETA «quando muito mais que a ETA», isto é, como um complexo e intrincado movimento de (re)construção nacional basca que se sustenta apesar de tudo desde finais da década de 1950 e, por outro lado, «como muitas ETA» que vão aparecendo e desaparecendo no tempo, mas mantendo uma continuidade coerente baseada na luta por uns objetivos irrenunciáveis e elementares. O que liga as duas componentes desta realidade histórica é a inquestionável legitimidade do independentismo basco, sustentada apesar de todas as repressões, enganos e cisões sofridas. Apressando um pouco, poderíamos dizer que a ETA é como o rio de Heráclito que é e não é, que permanece apesar de que sempre muda. E esta inegável realidade histórica é incomprensível para o mecanicismo formalista do pensamento dominante.

3. Um pensamento dominante que de partida e durante anos afirmou a derrota imediata e definitiva extinção da ETA; que mais tarde afirmou que seu desaparecimento estava à beira de se produzir, e que agora sustenta triunfante que por fim a ETA foi derrotada. O rio que sempre flui, que nunca é o mesmo mas que permanece, que está e não está, segue rompendo os esquemas mentais dominantes, ao conseguir a ETA ultrapassar os sucessivos sistemas repressivos espanhóis, com suas doutrinas, estratégias e táticas, ultrapassagem perceptível a médio e longo prazo, mas não isenta de erros, estancamentos e momentos de crises. O Estado é o centralizador estratégico das táticas repressivas para garantir os objetivos do capital: seu lucro alargado. Quando é um Estado nacionalmente opressor, a centralidade estratégica das repressões adquire mais importância que quando não oprime outro ou outros povos. Na primeira situação, a espanhola e a francesa, a centralidade repressiva é muito superior à segunda, embora ela não negue a existência de repressões concretas que têm autonomia relativa, tanta autonomia aparente que muitos intelectuais terminam achando que o Estado desapareceu. Mas a realidade é teimosa e sempre termina se impondo, sobretudo quando se constata o avanço da luta independentista dos povos e quando a crise do capital obriga o Estado a intervir cruamente.

4. A evolução da ETA tem estado influenciada, além de pelaa repressão, também pelas duas grandes crises econômicas do capital, a iniciada em 1968-1973 e a iniciada em 2007, e pela crise da esquerda internacional agudizada pela contraofensiva neoliberal exacerbada desde a década de 1980. Foi uma influência direta no quíntuplo sentido de, um, o golpe à vertebração operário-fabril industrial clássico do povo trabalhador durante a falsa «reconversão industrial»; dois, a derrota das lutas armadas no centro do imperialismo e sua evolução nos povos oprimidos; três, a implosão da URSS e de seu bloco com o desprestígio do seu «socialismo»; quatro, os efeitos sociais do boom financeiro e imobiliário, do dinheiro barato, do consumo fácil, das modas pós-modernas e pós-marxistas e individualistas, do apoliticismo 'bacana', etc.; e, cinco, a surpreendente irrupção da crise atual em 2007, com sua gravidade ainda não assimilada teórica e politicamente em todas suas consequências por parte da esquerda abertzale, apesar das três greves gerais e da áspera e crescente luta de classes que se livra em nossa nação.

5. Mas além dos desgastes produzidos pela repressão sempre atualizada e pelos efeitos das crises, também pressionaram sobre a ETA os mecanismos de alienação e absorção inerentes à ordem capitalista, enquanto tal, sua «coerção surda» e a capacidade deste sistema para investir e ocultar a estrutura exploradora, apresentando as causas como efeitos e estes como aquelas. O capital é um sistema de relacionamentos sociais de exploração que se invisibiliza a si mesmo e que se reforça a si mesmo sumindo o trabalho na sua egoísta e individualista lógica do máximo lucro quanto antes e sem olhar a consequências. Conquanto a consciência nacional de povo oprimido, que sabe e sofre o colaboracionismo da sua burguesia com o Estado, atua como relativo contrapeso do fetichismo, sendo isto verdade, também não há que sobrevalorizar a sua efetividade emancipadora. Os três grandes problemas que afetam a ETA e a esquerda abertzale em seu conjunto, bem como ao processo ascendente que vai do autonomismo crítico, ao soberanismo e ao independentismo socialista são repressão, crise e fetichismo, porque ao formar uma sinergia multiplicam seu efeito paralisante e até reacionário, unionista e nacionalista espanhol e francês.

6. Partindo desta realidade, o enquadramento teórico sintetizado em três citações acima expostas permite-nos compreender tanto a evolução da ETA como, em uma escala maior, a do povo trabalhador desde sua formação na fase industrial do capitalismo basco no final do século XIX. É assim porque as três versam sobre duas componentes insubstituíveis do marxismo como praxe da revolução: por um lado, a dialética entre o objetivo e o subjetivo, e, por outro lado, a importância chave da ética socialista como força material que se plasma no processo histórico. Entre outros e outras muitas marxistas, Trotsky, Gramsci e Mao voltam a incidir em diversos tempos e espaços em que, ao longo dos decénios de luta, a subjetividade, a decisão lúcida e crítica, e a vontade de vencer, reforçada geração após geração, atuam como forças políticas física, materiais, tangíveis, à margem das táticas violentas ou pacíficas -formas diferentes de violência e de paz, et cetera- que se adotarem em cada período. Sem dúvida, a ética socialista revela-se mais facilmente como força de emancipação nas longas lutas sociais, sobretudo de libertação nacional de classe e de sexo-gênero, que nas relativamente curtas fases e ondas de luta de classes em sua orientação exclusivamente economicista e sindical, não política no sentido decisivo de tomada do poder. Aqui, a citação de Mao é mais apropriada para a experiência basca em geral e da ETA designadamente.

7. Com isto não negamos a importância decisiva de outras contribuições marxistas. Enquanto teoria matriz, o marxismo chega ao segredo das múltiplas explorações descobrindo como nascem e se desenvolvem, como crescem e interagem, surgindo impercetivelmente a partir das contradições essenciais do capital, a partir da sua identidade genético-estrutural; e explica ainda como esta expansão crescente das opressões diferenciadas em suas formas externas fica ainda mais complexa com o desenvolvimento desigual do histórico-genético. Como teoria matriz, o marxismo explica que o desenvolvimento desigual das lutas, desigualdade que deve ser assumida sobretudo em seu conteúdo de libertação nacional de classe e de sexo-gênero, sempre nos remete para uma escala mais ampla, a do desenvolvimento combinado da luta mundial entre o capital e o trabalho. A dialética entre estes dois níveis unidos no interior à totalidade deve ser teorizada, por um lado, mediante o internacionalismo proletário, hoje mais necessário que nunca ao ver como algumas esquerdas esgotadas se dobram diante dos ditados do capital mundializado; e, por outro lado, desde as experiências próprias dos povos trabalhadores em sua luta pelo socialismo e por sua verdadeira independência. Ambas práticas teóricas se baseiam só e exclusivamente na práxis revolucionária sustentada durante gerações, apesar dos altos, baixos e derrotas.

8. Deliberadamente, chegámos a um dos pontos de reflexão que queríamos propor: o do papel da consciência subjetiva de massas, da vontade de luta de um povo nacionalmente oprimido e seu entroncamento dentro do marxismo. A evolução da ETA e o comunicado do passado 20 de outubro remetem-nos para esta questão que, muito significativamente, marcou um dos pontos de separação entre o independentismo socialista e o marxismo libresco e formal, antidialético. Não vamos lembrar aqui as causas das sucessivas cisões dentro de independentismo socialista que optaram por vias que de um modo ou outro passavam pela aceitação do enquadramento estatal de resolução do conflito provocado pela ocupação espanhola de uma parte de Euskal Herria. Por enquadramento estatal de resolução entendemos a tese que sustenta que o futuro livre de Hego Euskal Herria só é possível dentro de um Estado espanhol federal ou confederal, mas Estado espanhol em definitivo.

9. Em outros textos defendemos a existência de um «marxismo espanhol» incapaz de romper sua dependência ontológica, epistemológica e axiológica com e do enquadramento de acumulação de capital que é a «nação espanhola» e não nos vamos estender agora. O que sim devemos repetir aqui é que esse enquadramento estato-nacional burguês tem uma falha interna que vai se agudizando, ou que fica a bolhar no subsolo, com a mundialização da lei do valor-trabalho e com a concentração, centralização e perequação de capitais dentro da União Europeia: referimo-nos à falência, à sima abisal criada ao conjugar-se a debilidade de uma burguesia que não se atreveu a realizar a sua revolução política-econômica, agrária e antifeudal, cultural e educativa, militar e de integração não maioritariamente violenta, com as dinâmicas desestabilizadoras que tendem a surgir das entranhas da contradição expansivo-constritiva inerente à definição simples de capital. Esta contradição é a base da territorialização do Estado-nação burguês como espaço centrípeto de acumulação geograficamente demarcado e a cada vez mais submetido às forças centrífugas da mundialização.

10. Bem, pois a ETA, como expressão e síntese da longa luta do povo trabalhador basco, age em parâmetros qualitativamente diferentes aos do «marxismo espanhol», já que o que propõe é, em primeiro e decisivo lugar, a independência estatal de Euskal Herria, assumindo, além disso, que o mesmo direito o têm o resto de nações e povos dominados pelo imperialismo espanhol. De uma perspetiva marxista, quer isto dizer que a liberdade dos povos e a emancipação das classes exploradas só podem ser conseguias mediante a extinção histórica do Estado espanhol como espaço material e simbólico de acumulação de capital e, por isso, de desenvolvimento da lei do valor-trabalho relativamente controlado pela classe dominante, pela burguesia espanhola. Uma vez que o Estado é a forma política do capital geograficamente localizado, por isso mesmo, a emancipação do trabalho -em sua tripla expressão de sexo-gênero, de nação e de classe- é inseparável da extinção do Estado.

11. Mais ainda, na situação basca, o direito à independência aparece já como a necessidade de um Estado independente. A dialética entre direito e necessidade está sujeita à agudização das contradições, de maneira que o direito, qualquer direito, se transforma em necessidade urgente do realizar, de praticar esse direito, conforme a opressão que o nega se endureceu a tal extremo que põe em risco a sobrevivência do coletivo que tem esse direito, embora não seja reconhecido, embora seja negado. O direito à greve, por exemplo, passa a ser necessidade imperiosa de fazer greve quando a patronal endurece suas agressões e o direito/necessidade de greve se transforma em necessidade de ocupar a fábrica, recuperando para a classe operária, quando o patronato quer a fechar definitivamente. Em essência, o mesmo acontece com o direito de autodeterminação: passa a ser necessidade quando o povo negado desse direito elementar compreende que sem seu exercício se multiplicam as explorações que sofre. E o direito/necessidade de autodeterminação salta a necessidade da independência estatal quando o contexto inteiro pressiona nessa direção.

12. O que rebole abaixo do direito/necessidade à independência, como à recuperação de uma fábrica, ou a impedir que um banco expulse de seu domicílio uma família operária, ou o direito/necessidade ao aborto consciente, livre e gratuito, et cetera, não é outra coisa que a luta contra a propriedade privada. A burguesia espanhola é agora proprietária do Povo Basco e do resto de nações que ocupa e explora, tal como é proprietária das forças produtivas e proprietária das mercadorias fabricadas pela classe trabalhadora; da mesma forma que o homem é proprietário da mulher e o imperialismo é proprietário de meio mundo. Pois bem, a independência em seu sentido pleno, socialista, significa a expropriação do expropriador, a recuperação da nação pelo povo oprimido, tal como, em outra escala, a classe operária recupera sua fábrica, a mulher recupera seu corpo e a família recupera seu domicílio ao impedir o despejo pelo banco, despejo executado graças ao direito burguês à propriedade privada, direito garantido e aplicado por suas forças repressivas e seu judiciário.

13. A ascensão do direito em abstrato à necessidade concreta e imperiosa realiza-se só mediante a luta revolucionária como síntese suprema de um sem fim de outras lutas coletivas e individuais mais superficiais embora sempre importantes. A luta revolucionária é radical porque vai à raiz, à recuperação da propriedade coletiva, pública, estatal, comunal e à construção do poder popular, do Estado próprio: propriedade coletiva e poder popular, tenho aqui a raiz. Somente a experiência adquirida nas lutas parciais e setoriais pode sentar a base teórica e política para ir confluindo na luta revolucionária dirigida à raiz. E nessa dinâmica ascendente os setores menos concienciados, que se limitam à reivindicação do direito abstrato, vão avançando com mais ou menos dificuldades à consciência política da necessidade da independência, da urgência de deixar de ser um objeto passivo propriedade da burguesía a chegar a ser um sujeito ativo proprietário de si mesmo. Naturalmente, este avanço é permanentemente obstruído por um sem fim de forças contrárias que buscam assegurar a dominação espanhola, de maneira que em absoluto se trata de uma ascensão linear e predeterminada, mas de uma luta que pode concluir em derrota.

14. Como organização política, a ETA foi muito consciente desta ascensão da abstração democraticista, necessária em si mesma como base de início, à consciência concreta da necessidade da independência. Um momento importante nessa ascensão está sendo o salto do autonomismo para o soberanismo como antessala do independentismo. Agora esses três níveis gerais, surcados a cada um deles por graduações específicas, se expressam já em Bildu e tendem a se expressar em Amaiur, como mostra da ascensão na mobilização democrático-institucional popular e de massas. Mas este lucro vinha já anunciado, além de por múltiplos práticas, pela crescente vontade de participação a vários níveis nos sucessivos períodos de contato, conversa e negociação entre a ETA e os governos espanhóis, e entre a esquerda abertzale e outras forças sociopolíticas, sindicais e populares com representantes desses governos. E para não nos estendermos, um outro exemplo é a efetividade com que a esquerda abertzale e a ETA foram ultrapassando a a cada vez mais duros sistemas repressivos.

15. A passagem do direito à necessidade fica refletido, fundamentalmente, na decisão de se empancipar conceptualmente, não só materialmente, com a lógica estatalista do pensamento espanhol e francês que atua como um buraco negro, que engole e pulveriza tudo. Uma vez constatada a suficiente acumulação crítica de iniciativa popular e social capaz de acelerar, estender e intensificar a consciência da necessidade do Estado independente, uma vez chegados a esta fase, a organização política ETA põe em marcha uma decisão já teorizada como possível desde faz muito tempo e vista como a cada vez mais provável conforme se materializa o avanço popular. O comunicado de 20 de outubro oficializa essa transformação nova de um processo de libertação que sempre muda reforçando sua permanência. Fazemos questão de que o mecanicismo é incapaz de entender esta dialética do movimento. Se por um instante recorrêssemos ao individualismo metodológico burguês, diríamos que da mesma forma em que na cada crises determinados marxistas individuais desataram o nó górdio que os atava ao passado voltando à dialética, o mesmo aconteceu várias vezes na história de ETA: recordemos, por exemplo, Txabi Etxebarrieta e Argala e sobretudo muitíssimos militantes anônimos, imprescindíveis heróis desconhecidos. Mas como uma das caraterísticas da esquerda abertzale é seu pensamento coletivo, dizemos que a dialética do movimento se expressa na praxe de dezenas e dezenas de milhares de pessoas.

16. Ora bem, porquanto movimento, a dialética dos contrários aparece a nu, e isso é muito bom porque descobre os riscos e perigos, e os erros. Aqui só podemos refletir sobre quatro. Um é o retrocesso na formação intelectual, teórica, da militância abertzale. Sempre o pensamento vai por trás da mudança do real, mas o pensamento tem de tentar que essa distância seja o mais pequena possível e, sobretudo, tem de tentar descobrir a tendência evolutiva das contradições, para conseguir incidir sobre elas. Em momentos de crises como o atual, prever as tendências é decisivo, mais se cabe quando a consciência da necessidade de um Estado independente segue assentado mais que tudo sobre desejos e anseios. O desejo chega a ser uma força revolucionária objetiva, como vimos nas três citações anteriores, mas sua efetividade emancipadora assenta sobre o conhecimento teórico do real, caso contrário, o desejo costuma terminar na decepção.

17. Outro risco, o segundo, nasce do anterior e atinge a urgência de argumentar a viabilidade de um Estado basco como pedra angular do independentismo no longo contexto mundial determinado pela atual crise. Avança-se devagar neste assunto, ainda sabendo, a grandes traços, a sua factibilidade. Superar os daninhos efeitos de várias modas ideológicas já destroçadas pela objetividade do capital em crise, é tanto mais urgente quanto que, ainda, setores do povo trabalhador e de sua juventude, setores da militancia abertzale, muitos setores do soberanismo e autonomismo critico, das forças democráticas, e o grosso da casta acadêmica, seguem parcial ou totalmente sob os influxos adormecedores dessas obsoletas e descartáveis mercadorias intelectuais. Conquanto se multiplicam os esforços para encurtar a distância entre a crise e o pensamento, ainda não saímos da zona de perigo que pode crescer pelo nossos erros, voltando a aumentar a distância entre a evolução do real e nosso lento desejo.

18. O terceiro risco não é outro que menosprezar a força paralisante e ordeira do capital em si, com seus recursos quase infinitos. Se falar sempre de burguesia é falar de Estado e de classes exploradas, de sua composição interna, agora é vitalmente urgente conhecer que é e como se expressa o povo trabalhador, as «grandes massas exploradas», na terminologia de Rosa Luxemburg. A recuperação do conceito de povo trabalhador e sua aplicação à realidade do capitalismo basco de finais dos anos 60 foi um dos acertos decisivos da ETA. A ficção e irrealidade de um suposto «capitalismo sem crise», da «nova economia», etc., acantoaram este conceito até quase esquecê-lo. Mas a realidade é teimosa e não pode ser ocultado por muito tempo a objetividade da exploração. Conhecer com suficiente rigor as diferentes frações e setores, camadas e estratos internos do povo trabalhador atual é imprescindível para realizar uma política acertada de aglutinação de forças, de alianças com a genericamente denominada «classe média», com a velha e nova pequena burguesia. São estas preocupações permanentes na história da ETA que nestes momentos voltam a mostrar sua decisiva influência.

19. E o quarto e último risco é o menosprezar a força de recuperação do nacionalismo imperialista espanhol e francês. A dinâmica abertzale orientada para a criação de um Estado próprio, que pode e deve chegar inclusive ao momento crítico de uma declaração de independência nacional à margem das instituições espanholas, tal qual existam nesse momento, sejam republicanas ou monárquicas, deve ter muito em conta que faz tempo que entramos na fase de luta entre modelos opostos de identidade nacional. Os cantos de sereia de que se pode ser ao mesmo tempo basco, espanhol e europeu foram silenciados pela barulhenta devastação da crise estrutural, civilizacional, de longa duração que afeta absolutamente toda a realidade humana e a seus sentimentos mais pessoais e íntimos. Neste novo contexto que se impõe com a imisericorde fiereza das leis do acumulação, a (re)criação de uma identidade basca progressista, solidária e aberta à inclusão, que busca ser uma força emancipadora em um mundo em luta contra a barbárie e o caos imperialista, esta identidade é uma força de libertação imprescindível.

20. A ETA, como processo histórico complexo mas ativo e atual, permanente, foi e é o fator decisivo para a sobrevivência do Povo Basco, embora não atue com as armas. E isto é assim porque sua simbologia referencial penetrou tanto no movimento do Povo Basco que já é a componente basal da sua (re)criação para se enfrentar vitoriosamente à longa fase histórica de malviver em um capitalismo que sobreviverá na medida que lho permitirmos. A independência socialista, que é outra das decisivas criações praxeológicas da ETA, está hoje mais vigente que nunca antes, e que esteja menos que amanhã depende de todas e todos.

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