31/05/2012

Tsipras em Berlim

Ángel Ferrero. Artigo tirado de SinPermiso (aquí) e traducido por Revolta IrmandinhaÀngel Ferrero é membro do Comité de Redação de SinPermiso.



Alexis Tsipras, o presidente de SYRIZA, deu a sua conferência de imprensa a escassos metros do epicentro de poder na Alemanha -o Reichstag e a Chancelaria-, na Haus der Bundespressekonferenz (BPK), um desses locais em que os jornalistas se cozem no seu o seu próprio suco e que conta com uma espaciosa e moderna sala de conferências, amplos gavinetes e até um abrevadeiro próprio onde os sócios podem se sentar a beber álcool e fazer como que são jornalistas (isso é o que nos ensinam os filmes, não?). Um colega comenta-me que a proximidade com respeito ao Reichstag e a Chancelaria obedece a uma razão muito precisa: os lambe-cus têm que estar cerca do cu. Pense-se o que se queira da linguagem, mas razão não lhe falta: a Tsipras perguntaram-lhe não uma nem duas, senão até três vezes que pensava fazer quando ganhasse as próximas eleições do 17 de junho -os inquéritos seguem dando a SYRIZA como ganhadora, com percentagens de até 30 pontos-[1] e Grécia saísse do euro como reza a propaganda oficial, apesar de que uma das primeiras coisas que disse foi que nada estava mais longe da intenção da coalizão que lidera, e exatamente o mesmo declarou no dia anterior em Paris. A verdade é que dava igual, porque a notícia estava redigida antes inclusive de que baixasse do avião. De facto, a repercussão da viagem de Tsipras a Paris e Berlim nos médios alemães foi mais bem escassa. O Bild, o rotativo sensacionalista mais lido da República Federal Alemã, respondeu à sua maneira e publicou um breve sobre Vicky Voulvoukeli, um desconhecida político de "Gregos independentes". [2] Mas esperem a que ganhe e então verão. O mais bonito que dizer-se-á de Tsipras será algo bem como "o Hugo Chávez do Mar Jónico". Segundo o diário Bild, Alexis Tsipras «simpatiza publicamente com os anarquistas violentos. Acusa-se-lhe de ser membro [de um destes grupos] e dos financiar.» [3]

A diferença de Paris, onde contou com um numeroso público na Assembleia Nacional,[4] a sala de imprensa do BPK não se encheu. O clima reinante foi tipicamente alemão, que é tanto como dizer hostil, mas reservado. Tsipras era convidado pela Esquerda a expor o seu programa em Berlim, como no dia anterior o tinha sido pelo Front de Gauche em Paris, onde, dito seja de passagem, não foi recebido por François Hollande, um eco a negativa que recebeu o próprio Hollande por parte de Merkel quando foi candidato à presidência francesa. O candidato de SYRIZA esteve em todo momento flanqueado por Klaus Ernst e Gregor Gysi, que aproveitou a ocasião para reclamar ao Partido Social-democrata Alemão (SPD) que recuse de maneira clara o pacto fiscal e aceite os eurobonos, ao que o SPD fez, apelando como sempre à "responsabilidade de estado" -essa instância superior equivalente a Deus na Alemanha-, ouvidos surdos.[5] Tsipras tomou a palavra e agradeceu à Esquerda a sua solidariedade (solidariedade que, dito seja de passagem, deve de lhe ter custado algum que outro ponto percentual nos inquéritos de intenção de voto). Que amarga deceção deveu supor para os jornalistas alemães, ávidos de carnaza, quando Tsipras declarou não se sentir protagonista de nada. «O povo grego é o protagonista», disse, e recalcó, como o fez em Paris, que não vinha a pressionar a ninguém.

A casa comum europeia

O problema da Grécia, disse Tsipras, é o problema da Europa. Que é tanto como dizer: o problema do projeto de unidade europeia, caracterizado pelos seus desequilíbrios internos e a ausência de uma política fiscal comum. Não se pode resolver, portanto, o problema da Europa sem resolver o problema da Grécia. Tsipras reclamou solidariedade aos povos da Europa e recordou, se é que fazia alguma falta, que o programa de austeridade fracassou: Grécia entra no seu quinto ano de recessão, algo que não tem precedentes na Europa em tempos de paz, só, como bem recordou o presidente de SYRIZA, na Europa oriental, laboratório da terapia de choque ultraliberal nos noventa depois da desintegração do bloco oriental. O consenso entre académicos e economistas de que estas medidas conduzem a uma situação desastrosa de pobreza e desemprego -que Tsipras não duvidou em qualificar de «catástrofe humanitária»- é amplo. As ajudas em nada contribuem a melhorar o bem-estar dos gregos, só servem para resgatar aos bancos. Há que propor, acrescentou, um programa de recuperação económica para a Grécia, frear o brain draining e evitar que o país se converta, como sonham os liberais alemães do FDP, em um protetorado alemão dedicado ao turismo, a produção de energia solar -canalizada a Alemanha, sobreintende-se (sobretudo após o apagão nuclear que se viu obrigado a tomar o governo de Merkel por pressão popular)- e uma agricultura pouco competitiva.

Tsipras não renunciou em nenhum momento ao seu programa íntegro e passou rapidamente ao contraataque: são os outros quem abandonaram os seus programas, que fizeram, senão, o PASOK e Nova Democracia? Quando um jornalista alemão sacou a relucir os problemas do estado grego, Tsipras respondeu que Grécia tem, efetivamente, problemas, e que as reformas são necessárias, mas que baixo nenhum conceito podem vincular à propaganda que assegura que se trata de um rasgo cultural. O problema não é o setor público, disse, este no máximo pode reestruturar-se para o seu melhor funcionamento, mas em nenhum caso recortar-se. SYRIZA quer contribuir à estabilidade da Europa e em nenhum caso quer a sua destruição, senão a sua regeneração democrática. Quem parece empecinada em terminar com a ideia da Europa é Angela Merkel. Já o disse faz meses Oskar Lafontaine (que nesse mesmo dia anunciou, por verdadeiro, que retirava a sua candidatura à presidência da Esquerda para deixar passo às novas gerações): «Merkel está aí para destruir a Europa.» [6]

Alexis Tsipras demonstrou também uma pouco conhecida habilidade retórica, sem estridencias, para reutilizar as metáforas das elites políticas europeias: assim, não é possível aumentar as doses do medicamento de austeridade, pois não só matará ao paciente grego, senão que contagiará ao resto da Europa. Quando a medicina falha, continuou Tsipras, a culpa não é do doente, senão da receita. E a receita fizeram-na os doutores de Berlim e Bruxelas. Grécia, seguiu, é parte de uma grande família europeia. Perguntado se a sua formação conduziria desde o governo ao abandono da Grécia da eurozona -ou pior ainda: a sua expulsión, uma ameaça presente, mas que não se menciona- recordou que a eurozona não é nenhuma casa que tenha um proprietário e em que o resto sejam meros inquilinos, senão que todos são inquilinos na casa comum europeia.

Terminou Tsipras a roda de imprensa com uma séria advertência: estamos em uma situação comparável em certas feições à década dos trinta. Devemos encontrar uma solução comum antes de que seja demasiado tarde. A guerra, assinalou Tsipras, não tem local entre nações, senão entre o povo e os trabalhadores, por um lado, e os capitalistas pelo outro. Já vai sendo hora de que no Reino de Espanha os súbditos comecem a ser cidadãos e comecem a falar "grego". Podem começar por aqui: "não" diz-se "όχι".


NOTAS:
[1] "Umfrage sieht Syriza-Partei in Griechenland vorne", Spiegel, 24 de maio de 2012.
[2] "Diese schöne Griechin will 70 Mrd. Euro "Kriegschulden" von Deutschland", Bild, 23 de maio de 2012.
[3] "Griechenland: Kommunisten, Judenhasser, Halb-Kriminelle: Regieren desse Radikalen bald Griechenland?", Bild, 12 de fevereiro de 2012.
[4] "Tsipras: 'Debemos refundar Europa y derrota al poder financiero'", El País, 21 de maio de 2012. 
[5] "El SPD alemán y Los Verdes se suman a Merkel en el rechazo a los eurobonos", El País, 24 de maio de 2012. 
[6] "Oskar Lafontaine: 'Merkel ist dabei, Europa zu zerstören'", Spiegel, 16 de fevereiro de 2012.


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