05/05/2013

Da política, a prática e o espectáculo

Diego Santório. Artigo tirado de ContraPoder (aqui). O autor é militante do Movimento Galego ao Socialismo, partido integrado no BNG.

“Toda a vida política é umha cadeia sem-fim composta de um número infinito de elos. A arte do político consiste precisamente em encontrar o elo e a ele agarrar-se fortemente, o elo mais difícil de escapar das maos, o mais importante naquele momento, e que garanta a seu possuidor a melhor forma de manter toda a cadeia”
— V.I. Lenine
cordabomba
A apologia da impotência na política leva-nos muitas vezes a diagnoses erradas. No entanto o capitalismo parecía chegar nos 90 ao final da história como alternativa triunfante, muitas esquerdas abandonavam principios históricos ou refugiavam-se no pequeno, no temporário e no “autónomo”. Das ruínas da caída soviética nascérom as análises de Hardt e Negri. Mas se os alicerces da exploraçom seguem a ser os mesmos, as nossas análises fundamentais terám toda a vigência. Hoje o mundo parece-se mais com o descrito no Manifesto Comunista que o próprio da época: a Inglaterra fabril estendeu-se hoje a todo o planeta.

Com as ideias do pequeno e autónomo vinha também a alergia aos relatos totalizadores e globais: eram só as luitas sectoriais as que importavam. Os movimentos sociais e as organizaçons políticas pareciam nom ter lugares de encontro e confluência, imaginando-se separados ou mesmo confrontados. Mas na realidade o sectorial e o global acham-se em complementariedade e com grande relaçom. Quem pode duvidar que a loita polas preferentes hoje nom guarda relaçom com o desmantelamento do sistema financeiro galego? Como ignorar que o drama dos despejos provém dunha crise global do capitalismo financeirizado? Como desunir os problemas ambientais da necessidade do capital de encontrar novas fontes de lucro? Como separar a luita contra o patriarcado dum sistema que o reforza e promove? As luitas em cada ámbito estám ligadas ao geral, cada vitória parcial contribui ao global, cada retrocesso no global fai-se sentir em cada luita específica.
Hoje mais do que nunca devemos ter claro que tal como o Estado é a concentraçom do domínio de classe e a forma mais eficaz de implementaçom de programas de agressom, som as organizaçons políticas que luitamos contra o sistema o lugar de condensaçom e de confluência das loitas para enfrontar essas agressons: sem elas estamos inermes. O que cumpre pois é integrarmos na forma “organizaçom política/partido” todas as luitas contra o capitalismo (colonial na Galiza), nom desfazer-se da ferramenta.
Hoje observamos com alegria como existe umha muito maior clareza de discurso no conjunto do nacionalismo, identificando a luita pola soberania nacional posta ao serviço da classe trabalhadora e o conjunto das classes populares (e nom o seu suposto respeito contemplativo como enfeite do que presumir) como o única alternativa que na Galiza pode sacar-nos da destruiçom produtiva e cultural, da pobreza generalizada, do desemprego e da exclusom social. O discurso é pois correcto, mas só o discurso nom avonda se nom é levado à prática: a palavra-de-ordem da pedagogia hoje estendida, para exercê-la, implica a participaçom no interior dos muitos movimentos associativos, sindicais, vizinhais para poder popularizar essa necessidade

Parte do descrédito, devemos reconhecer, além de ser selvagemmente fomentado polo sistema, tem origem em atuaçons incorrectas. Afastar-se das luitas, tentando ser o representante político delas quando o nosso caminho vai paralelo sem se cruzar conduze ao desastre, igual que trasladar mecanicamente posiçons sem contrastá-las no interior dos movimentos, seja de forma intencional ou nom, ao nom ter em conta o nível de consciência, origem social, etc. desses movimentos.
Se às formas líquidas correspondem ideias líquidas, igualmente aqui achamos a louvança pós-moderna dos meios digitais como Internet como a panaceia acrítica que vai suplir as nossas carências. Saber que estes som importantes para certos segmentos da populaçom tem como contraparte saber que nom o som (ainda?) para a maioria, que fica ainda ligada aos meios tradicionais e mesmo às supostamente “vetustas” formas da relaçom pessoal directa: Internet nom cancela pois as relaçons de dependência salariada nem as relaçons de poder que se dam na sociedade, cada vez mais brutais, incluídas chantagens, caciquismos e amiguismos. A situaçom na Galiza bem demonstra a potência da dominaçom.

II.

Se o espectáculo, considerado sob o aspecto restrito dos “meios de comunicaçom de massa”, que som a sua manifestaçom superficial mais esmagadora, parece invadir a sociedade como umha simples instrumentaçom, esta nom é de facto nada neutra, é antes a própria instrumentaçom que convém ao seu automovimento total (…) A alienaçom do espectador em proveito do objecto contemplado exprime-se assim: quanto mais ele contempla, menos vive”
— Guy Debord


Vemos entom que funçom pode desempenhar o espectáculo “radical” na política. Se parte da política nos Parlamentos é a representaçom teatral nunha pseudodemocracia da que só fica a casca, esta “representaçom espectacular” tem que estar ao serviço das luitas reais. Corremos o risco de viver o espectáculo como substituiçom da prática: o grande líder comunica-se com os seus seguidores sen intermediários, fazendo da inexistência ou da febleza orgánica umha virtude. Se essa realidade parece nom mediada, já que nom passa através da atuaçom colectiva e organizadora, essa suposta comunicaçom directa está finalmente mediada por aqueles filtros que precisamente mais utiliza hoje o capitalismo: os meios de comunicaçom. Meios que hoje se convertérom quiçá na maior superestrutura de controlo do sistema, provavelmente ao mesmo nível que aquel que Althusser assinalava nos 70 como o maior aparato ideológico de Estado, a escola.
Aí é onde reside precisamente o perigo e o engano: é o sistema quem alenta, oculta ou distorce os discursos, favorece certas alternativas ou nom, e modula a “indignaçom popular” cara aqueles lugares que podam ser mais inofensivos, convertendo a anedota em lei e essencialmente apagando as causas que provocam a resposta popular. Aqueles que jogam esse perigoso jogo em vez de serem suporte dum projecto colectivo de mudança radical podem funcionar de rutilante estrela mediática que cega as causas. A televisom por exemplo, dizia Bourdieu, é estruturalmente incapaz, é dizer, está criada por tempos e modos de forma que seja impossível ao espectador ter um contexto e situar as acçons globalmente: é a velocidade voraz do capitalismo que nom deixa parar a reflexionar. O espectáculo polo puro espectáculo, o espectáculo como substitutivo da radicalidade verdadeira, nos parlamentos ou onde for, esteriliza e substitui as luitas, ao dificultar o entendimento destas luitas como algo colectivo, individualiza e cria figuras para admirar, mas nom criará nunca poder popular.


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