Artigo tirado de http://www.esquerda.net/artigo/pepe-mujica-na-onu-%E2%80%9Co-deus-mercado-financia-apar%C3%AAncia-de-felicidade%E2%80%9D/29610
Destoando dos discursos feitos pelos seus pares durante a 68ª Assembleia Geral da ONU, o presidente uruguaio José Mujica criticou veementemente o consumismo e defendeu que “enquanto o homem recorrer à guerra quando fracassar a política, estaremos na pré-história”. Artigo de Vanessa Silva, do portal Vermelho.
O presidente
uruguaio Pepe Mujica voltou a surpreender o mundo com o seu discurso
desassombrado esta terça-feira na Assembleia Geral das Nações Unidas.
Aos jornais uruguaios, Mujica prometera um “discurso exótico” e de
facto fugiu do protocolo ao dizer que “tem angústia pelo futuro” e que a
nossa “primeira tarefa é salvar a vida humana”. “Sou do Sul e carrego
inequivocamente milhões de pessoas pobres na América Latina, carrego as
culturas originárias esmagadas, o resto do colonialismo nas Malvinas, os
bloqueios inúteis a Cuba, carrego a consequência da vigilância
eletrónica, que gera desconfiança que nos envenena inutilmente. Carrego a
dívida social e a necessidade de defender a Amazónia, nossos rios, de
lutar por pátria para todos e que a Colômbia possa encontrar o caminho
da paz, com o dever de lutar pela tolerância.”
A humanidade sacrificou os deuses imateriais e ocupou o templo com o
“deus mercado, que organiza a economia, a vida e financia a aparência de
felicidade. Parece que nascemos só para consumir e consumir. E quando
não podemos, carregamos a frustração, a pobreza, a autoexclusão”. No
mesmo tom, sublinhou o fracasso do modelo adotado no capitalismo: “o
certo hoje é que para a sociedade consumir como um americano médio
seriam necessários três planetas. A nossa civilização montou um desafio
mentiroso”.
Para o chefe de Estado, que já havia surpreendido o mundo com o seu
discurso durante a cimeira Rio+20, criámos uma “civilização que é contra
os ciclos naturais, uma civilização que é contra a liberdade, que supõe
ter tempo para viver, (…) é uma civilização contra o tempo livre, que
não se paga, que não se compra e que é o que nos permite ter tempo para
viver as relações humanas”, porque “só o amor, a amizade, a
solidariedade, e família transcendem”. “Arrasamos as selvas e
implantamos selvas de cimento. Enfrentamos o sedentarismo com esteiras, a
insónia com remédios. E pensamos que somos felizes ao deixar o humano”.
Mujica defendeu a utilidade da produção de recursos no mundo: temos que
“mobilizar as grandes economias não para produzir descartáveis com
obsolescência programada, mas para criar coisas úteis para a população
mundial. Muito melhor do que fazer guerras. Talvez nosso mundo necessite
de menos organismos mundiais, destes que organizam fóruns e
conferências. E que no melhor dos casos ninguém obedece”. “O que uns
chamam de crise ecológica é consequência da ambição humana, este é nosso
triunfo e nossa derrota”.
E defendeu que é através da ciência e não dos bancos que o planeta deve ser governado.
Paz e guerra
“A cada 2 minutos gastam-se 2 milhões de dólares em orçamentos
militares. As investigações médicas correspondem à quinta parte dos
investimentos militares”, criticou o presidente ao sustentar que ainda
estamos na pré-história: “enquanto o homem recorrer à guerra quando
fracassar a política, estaremos na pré-história”, defendeu o mandatário
ao criticar a política da guerra.
Assim, criamos “este processo do qual não podemos sair e causa ódio,
fanatismo, desconfiança, novas guerras; eu sei que é fácil poeticamente
autocriticarmos. Mas seria possível se firmássemos acordos de política
planetária que nos garanta a paz”. Ao invés disso, “bloqueiam os espaços
da ONU, que foi criada com um sonho de paz para a humanidade”.
O uruguaio também abordou a debilidade da ONU, que “se burocratiza por
falta de poder e autonomia, de reconhecimento e de uma democracia e de
um mundo que corresponda à maioria do planeta”.
“Nosso pequeno país tem a maior quantidade de soldados em missões de
paz e estamos onde queiram que estejamos, e somos pequenos”. Dizemos com
conhecimento de causa, garantiu o mandatário, que “estes sonhos, estes
desafios que estão no horizonte implicam lutar por uma agenda de acordos
mundiais para governar nossa história e superar as ameaças à vida”.
Para isso é “preciso entender que os indigentes do mundo não são da
África, ou da América Latina e sim de toda humanidade que, globalizada,
deve se empenhar no desenvolvimento para a vida”.
“Pensem que a vida humana é um milagre e nada vale mais que a vida. E
que nosso dever biológico é acima de todas as coisas, impulsionar e
multiplicar a vida e entendermos que a espécie somos nós” e concluiu: “a
espécie deveria ter um governo para a humanidade que supere o
individualismo e crie cabeças políticas”.
Artigo de Vanessa Silva, do portal Vermelho.
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