25/05/2010

Sobre o programa de ajuste dos 'socialistas' espanhóis


Carlos Taibo
É fácil comprovar como nos últimos anos, quando o Partido Socialista, no Governo, decidiu assumir algumha medida de importáncia, sempre o fijo a partir da lógica do respeito à superstiçom neoliberal e à desregulaçom que a acompanha.



1. O programa de ajuste que o Governo espanhol acabou por acatar é umha prova evidente de que a situaçom da economia do país era muito pior que a que retratavam frivolamente, os discursos oficiais.
Já que o programa em questom em muito lembra aquele que se acha em curso de aplicaçom na Grécia, há que reconhecer aos governantes espanhóis, contodo, umha excelsa habilidade na hora de contornar a imagem, plenamente razoável, de que a situaçom que nos ameaça é muito similar à que se revelou, com formidável eco mediático, na Grécia.
2. É fácil comprovar como nos últimos anos, quando o Partido Socialista, no Governo, decidiu assumir algumha medida de importáncia, sempre o fijo a partir da lógica do respeito à superstiçom neoliberal e à desregulaçom que a acompanha. Ainda que, claro, nom só seja essa a questom: até o mais parvo terá reparado já de que quem vai pagar as falhas geradas polo plano de ajuste nom será, de nengumha maneira, quem nos conduziu a um cenário muito delicado. Está na hora de recordarmos o pouco freqüente que é deparar com algum empresário que, ao mesmo tempo em que lamenta os dissabores do momento presente, resolva lembrar os formidaveis lucros que, com descaramento e sem controlo, muitos tenhem acumulado há uns poucos anos.
3. Dá nas vistas, de qualquer modo, que os esforços que nossos governantes assumírom nos últimos dias para cortar o gasto público nom se teriam que ter realizado se no seu momento tivessem decidido travar com energia a especulaçom bolsista e a bolha imobiliária, rejeitando as inapresentáveis fórmulas de resgate, com dinheiro público, de entidades financeiras à beira da falência, tivessem evitado esse nom menos inapresentável programa de ajudas estatais à aquisiçom de automóveis privados, se tivessem optado por aplicar as tesouras ao gasto militar ou, enfim, e por fechar umha lista que bem poderia ser bem mais ampla, nom tivessem suprimido o imposto sobre o património.
4. Ainda que haja quem prefira situar todo o anterior na rubrica geral da estupidez lazerante de quem nos governa, é mais simples e razoável atribuirmo-lo ao seu desígnio de aceitar submissamente as regras do jogo que imponhem os grandes poderes económicos. Que o Partido Socialista nom modificou um ápice essa linha estratégica fica demonstrado, numa finta, polo cálido apoio dispensado pola CEOE ao plano de ajuste destas horas. É a mesma organizaçom, já agora, que reclama se reduza ainda mais a já raquítica ajuda oficial ao desenvolvimento e que recorre a curiosas tretas na hora de descrever os factos. Recorde-se, em relaçom a estas últimas, o gotejar de notícias que referem que tal banco ou tal empresa viu como seus benefícios se reduziam em 30 ou 40%: o espectador ou o leitor pouco consciente das manipulaçons a que nos submetem é comum que nom reparem em que nom é que esses bancos ou empresas tenham hoje rendimentos 40% menores dos que tinham uns anos atrás. Trata-se é de que -e nom é o mesmo- os seus lucros, que continuam a existir, som menores do que os de antano.
5. Faltam as notícias a dar conta da abertura de causas legais contra as pessoas que nos conduzírom, da mao da especulaçom e ao abrigo da geral desregulaçom, a um palco tétrico. nom há nengumha surpresa nisso: as normas legais alentadas polos nossos governantes -os de agora como os de há uns anos- tomárom partido com clareza, e imoralmente, pola despenalizaçom de condutas como as que agora nos ocupam, e isso quando nom as estimulárom directamente. Assim sendo, é difícil desconsiderar a descriçom dos nossos dirigentes como sendo cúmplices activos dos criminosos.
6. É evidente que a vácua retórica sobre os direitos sociais que o Partido Socialista tentou vender nos últimos anos ruiu numhas poucas horas. Que significativo é que entre os barons socialistas nom se tenha escuitado -até onde chega o meu conhecimento- nengum sinal de revolta. Falamos de pessoal que, ao que parece, sempre está carregado de razom: na segunda-feira quando nos contam que os direitos sociais som intocáveis e na terça-feira quando anunciam retoques visíveis, em baixa, naqueles acompanhados de umha incontornável, polos vistos, reforma laboral. Há quem sustente quanto a isto, com umha mistura de lucidez e de ingenuidade, que o presidente Rodríguez Zapatero, umha vez conhecidas as regras do plano de ajuste exigido pola UE, devia ter convocado eleiçons antecipadas para se apresentar a elas com um orgulhoso programa de rejeiçom dessas regras. Pensar que um político tam submiso à miséria geral pudesse ter assumido umha conduta de tal natureza é, sem mais, virar costas à realidade. Porque, e para além do mais, quem nos situou na esteira do desastre teria de rectificar da noite para o dia para reconsiderar o facto e romper com aquilo que defendeu durante seis anos?
7. Claro que um elemento mais que dá conta da magnitude da crise é a certeza de que a oposiçom oficial que configura o Partido Popular nom contribui outra cousa a nom ser mais do mesmo. Bom é nom esquecermos que o PP nom duvidou em glossar encomiasticamente as políticas económicas abraçadas por Rodríguez Zapatero no seu primeiro mandato presidencial sobre a base de um chamativo argumento: eram boas porque constituíam -e assim era, efectivamente- umha mera prolongaçom do que tinha feito com anterioridade José María Aznar. Como queira que o leitor avezado já se terá percatado do óbvio --tirios e troianos apostaram na mesma miséria--, nom podem produzir senom rubor as declaraçons de Mariano Rajoi, um dirigente político sempre alinhado com a patronal e sempre decidido a defender umha reforma laboral desreguladora, em suposta defesa dos direitos sociais.
8. Nunca se sublinhará suficientemente o patético papel que em todo isto corresponde aos sindicatos maioritários. Se ao calor do programa de ajuste zapateriano assumírom um exercício de incipiente e cautelosa resposta, isso é assim em virtude de um temor, lógico, a ficar dramaticamente por trás de umha eventual e autónoma mobilizaçom de muitos trabalhadores. Como quer que seja, e consoante o que acontece com o grosso da esquerda política, esses sindicatos nom vam para além de umha defesa vergonhosa de empregos e salários ou, o que é o mesmo, brigam pola simples reconstruçom da fictícia regulaçom de antano, com o que oferecem umha ponte de prata para que o capitalismo saia da melhor maneira possível desta crise.
9. Demandar agora, e as cousas como vam, que os sindicatos maioritários tomem consciência da crise ecológica, assumam que o crescimento económico que nos vendem por todos o lado é um gigantesco falhanço, voltem o olhar um momento para os problemas dos países do Sul - situaçom destes continua a ser, claro, incomensuravelmente pior do que a nossa - ou assumam um exercício de contestaçom franca do capitalismo e das suas regras é um exercício de ingenuidade mais, só ao alcance de quem nom deu em que as organizaçons correspondentes som um esteio decisivo para a preservaçom dos sistemas que padecemos. Em nada mudaria este diagnóstico a possível convocaçom de umha greve geral que teria, no melhor dos casos, um liviano efeito simbólico nom acompanhado de qualquer consequência material. No decénio de 1930 a CNT estava pola greve geral indefinida...
10. Ainda que seja verdade que o programa de ajuste nom pode ter senom efeitos negativos em termos de umha estratégia, a oficial, que continua a idolatrar o consumo e o crescimento medidos da mao desse gigantesco roubo que é o PIB, nom o é menos que o mais significativo do momento actual é que, excepto nos circuitos da esquerda social, ninguém leva a sério o de sair do capitalismo. Curioso é que quando se acumulam as razons para concluir que estamos onde estamos em virtude das marcas, bem conhecidas, que arrasta de sempre o capitalismo, falte a contestaçom que este deveria receber em forma de propostas que impliquem a sua franca e urgente superaçom.

O Carlos Taibo é professor de Ciência Política na Universidade Autónoma de Madrid, colaborador da revista Sin Permiso, do portar Altermundo e do Diário Liberdade, do que foi tirado este artigo. Conta, aliás, com vários livros e artigos em galego-português sobre ultraliberalismo, as repúblicas da Antiga URSS e a globalizaçom / mundializaçom e o seu impacto na Galiza.

Nenhum comentário: