20/03/2011

Missas e aquelarres em uma universidade de Madrid

José Carlos Bermejo Barrera. Tirado de aqui e traduzido por nós para o galego-português. Boa semana e boa leitura irmás e irmaos.

El aquelarre

Dá a impressão de que na atual universidade espanhola se pensa, sobretudo por parte das autoridades académicas - seja qual seja a sua cor política-, que os valores são umas coisas que cotam na saca e fazem parte de um maravilhoso casino, en que se joga com as leis do mercado para obter enormes benefícios. A antiga pirâmide dos valores parece que deixou já de existir.

Os valores do conhecimento, estruturados em torno da ideia para valer, subordinam-se ao benefício económico, já que só é válido o conhecimento que produz riqueza, através do I+D+I. Os valores éticos e políticos, ou bem se subordinam às leis do mercado, ou simplesmente se convertem em parte do jogo eleitoral, baseado no cálculo dos votos. E dos valores estéticos só se pode dizer que se acha que são recuperáveis se a cultura, graças ao turismo, também pode passar a fazer parte da economia.

Só em uma universidade como esta e em um estado como a Espanha do 2011, é onde pode ter local um incidente como o ocorrido em uma das capelas da Universidade Complutense. Um incidente em que, com um gesto entre obsceno e infantil, umas garotas pretenderam passar à história interrompendo uma missa, ou o que é o mesmo, um ato em que (se supõe por parte de quem deseja o interromper), umas pessoas falam e realizam gestos dirigidos a uma realidade que elas não reconhecem, com todo o seu direito ao fazer.

Espanha não é um país furibundamente laico nem laicista. A Constituição não só reconhece a liberdade religiosa como um direito fundamental, senão que outorga um local relevante à religião católica, devido a razões históricas, o que em outros países como os EEUU seria notoriamente anticonstitucional, já que nenhuma religião pode ter privilégios em frente a outras. Isto explica que a UCM, graças a um acordo com o Arzobispado de Madrid, permita o livre uso das antigas capelas por parte da Igreja Católica. Umas capelas às que vai quem quer a exercer um direito que compartilha com todos os demais espanhóis, mas cuja ideia do mesmo não se pode impor aos demais.

Se isto se reconhecesse assim não teria problema algum, não se tivesse produzido este incidente, nem o lamentável debate a que  deu local. Um debate no que alguns apocalípticos católicos parecem querer uma nova Cruzada na que se mande de novo a tiros ao inferno aos maus e os demais sejam encaminhados ao céu, embora seja a pancadas. Um debate no que um incidente um pouco infantil na sua proposta aparece engrandecido como a manifestação mais sublime da praxe política e um debate em que o oportunismo político se apressa a captar votos no rio volto do semsentido quotidiano.

Durante as Idades Média e Moderna muitos eclesiásticos estiveram verdadeiramente obsedados com o sexo. Desde o Código Teodosiano a sodomia foi castigada com a pena de morte e muitos milhares de homossexuais foram queimados e  muitas mulheres também o foram, sendo acusadas de brujaria por parte de uns inquisidores que lhas imaginavam copulando com o demónio e praticando toda a classe de obscenidades, que muitas vezes eram só o fruto da sua imaginação e a sua excessiva obsessão com o sexo.

Algumas mulheres e homens pensavam que a melhor maneira de responder à obsessão pelo sexo era exibir a obscenidade com gestos e palavras, porque também eles pareciam achar que o sexo era o mais profundo e o mais verdadeiro que pode existir na nossa natureza humana.

Dá a impressão de que estamos a assistir a uma repetição de uma cena medieval deste tipo. Há muitas classes de escândalos, além do sexual: a fome, a miséria, a injustiça e a opressão são escândalos muitos maiores para a moral cristã. E por isso converter este ato sem sentido em anúncio da Apocalipse roça os limites do absurdo, já que convivemos na universidade e fora dela com estes outros tipos de escândalos muitos mais graves.

Analisados os comentários sobre o facto, dá a impressão de que vai a estourar uma nova guerra entre os católicos e as lesbianas. Uma guerra, na que, segundo alguns crentes que dizem falar em nome de Deus, mas que em realidade pensam que Deus está obrigado a pensar o que eles dizem, as lesbianas deverão representar ao bando do demónio.

Dizia Blas Pascal que "o homem não é nem um anjo nem uma besta e quem faz o anjo faz a besta". Por isso devemos ter em conta que entre os católicos há pessoas boas ou más, miseráveis ou generosas, inteligentes ou tontas. E o mesmo ocorre entre as lesbianas e os gais, às vezes objeto de excessiva atenção por parte de algumas autoridades eclesiásticas.

O incidente ocorrido na UCM é a mostra de um falhanço; mas não de um Reitor que tenha que demitir - em vésperas eleitorais- para pôr outro de outro partido, que só poderia tomar as mesmas medidas com este assunto: aplicar o Estatuto do Estudante de data 31 de dezembro de 2010, que exige respeitar os atos que têm local no âmbito da universidade e tratar o incidente como uma falta (o mesmo que se se interrompe com o mesmo procedimento um Conselho de Governo), pois o ato só pode ser sacrílego para os crentes; não é senão a mostra de um falhanço coletivo.

O falhanço da universidade espanhola, que vive à margem da realidade social e económica do país, que se move em um duplo discurso no que o que se diz por um lado se nega pelo outro, que tem desabrigados os seus alunos, sumidos na mais absoluta desorientação, desmovilizados e inermes, incapazes de reagir perante os gravíssimos problemas com os que terám que se enfrentar, mas dispostos a magnificar incidentes como este com os que se alimenta o pobríssimo discurso dos nossos políticos, das nossas autoridades académicas e de boa parte dos professores.

E o falhanço da sociedade espanhola, que ainda não chegou a compreender o valor da tolerância, do respeito às pessoas e às suas ideias. Que vive na desinformação política e que perante uma gravíssima crise económica e social, da que não só é responsável o atual governo, só se move com a carnaça informativa que pode ser explodida pelos reality shows, exarcebada às vezes pelos políticos de algumas autonomias como a madrilena.

Pessoalmente como galego e cidadão de Santiago de Compostela, uma cidade em que a Igreja não tem nenhum problema com nenhuma ideologia política e na que convivem muitos grupos políticos e movimentos sociais de todo o tipo, incluídas as lesbianas e os gais, por suposto, resultam-me um pouco surpreendentes estes ardores apocalípticos, ao igual que estas novas manifestações dos aquelarres hispânicos.

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