Immanuel Wallerstein. Artigo tirado de Outras Palavras (aqui). Tradução: Antonio Martins. Imagem: Henri Rousseau, Guerra (1894). O negrito é de nosso.
Immanuel
Wallerstein descreve o caos geopolítico da região e alerta: “não há
mais controle; será preciso sorte, para evitar uma explosão”
Houve
um tempo em que todos, ou quase todos os atores no Oriente Médio,
tinham posições claras. Era possível antecipar, com alto grau de êxito,
como este ou aquele ator reagiria a qualquer fato novo. Este tempo
passou. Se examinarmos a guerra civil na Síria, perceberemos rapidamente
não apenas que cada ator estabelece para si mesmo um largo leque de
objetivos, mas também que cada um está envolvido em debates internos
ferozes, sobre que posição deveria adotar.
No
próprio interior da Síria, a situação oferece três opções básicas. Há
quem apoie, por diversas razões, a manutenção do regime hoje no poder.
Há os que desejem a chamada “solução salafista, na qual alguma forma de regime da sharia
islâmica se estabelece. E existem os que não querem nenhum destes
desfechos, preferindo uma solução em que o regime de Assad é derrubado
mas não se instala, em seu lugar, um regime salafista.
Esta
é, claro, uma imagem muito simples, mesmo como descrição das posições
dos atores internos. Cada uma desta três posições básicas é apoiada por
diferentes atores (poderíamos chamá-los de sub-atores?), que debatem
consigo mesmos sobre as táticas que seus partidários deveriam adotar.
Claro, o o debate sobre táticas na luta é também um debate sobre o
desfecho preciso desejado por cada sub-ator. No entanto, este triângulo
de atores, cada um com múltiplos sub-atores, cria uma situação em que há
uma constante revisão de alianças locais, que é difícil de explicar e
cujas resultantes são difíceis de prever.
Os
dilemas não são menores entre os atores não-sírios. Vejamos os Estados
Unidos, que já foram o gigante da arena, e hoje são vistos amplamente
como um país em grave declínio e, portanto, sem muitas opções positivas.
Até o fato de admitir isso é polêmico, nos Estados Unidos. O presidente
Obama é severamente pressionado por alguns sub-atores, para fazer
“mais”; e, por outros, para fazer “menos”. Este debate está presente até
mesmo em seu círculo de assessores mais íntimos, para não falar do
Congresso e da mídia.
O
Irã enfrenta o dilema de como melhorar suas relações com os Estados
Unidos (e também com a Turquia e mesmo a Arábia Saudita) sem reduzir seu
apoio ao regime sírio e o Hezbollah. O debate interno sobre as táticas a
adotar parece tão intenso e em tom elevado quanto nos Estados Unidos.
A
Arábia Saudita deseja apoiar os grupos muçulmanos amigos, na Síria, sem
fortalecer os que são ligados à Al Qaeda, e querem a queda do regime
saudita. O governo de Riad teme cometer um erro capaz de fortalecer a
causa dos que desejam que o impasse se espalhe em suas fronteiras. Por
isso, procura pressionar o governo dos EUA para que execute seus
objetivos. Ao mesmo tempo (e tão secretamente quanto possível) conversa
com os iranianos. Não é uma jogada muito fácil…
O
regime turco, que agora tem seus próprios problemas internos, foi
primeiro um apoiador do regime sírio; mais tarde, um opositor feroz; e
hoje parece não ser nem uma coisa, nem outra. Procura retornar à antiga
posição de uma Turquia pós-otomana que era um amigo poderoso de todo
mundo.
Os
curdos, ao buscarem a máxima autonomia (se possível, Estado
independente de fato) travam negociações difíceis com todos os quatro
Estados em que há populações curdas expressivas – Turquia, Síria, Iraque
e Irã.
Israel
não pode decidir de que lado realmente está. É contra o Irã e o
Hezbollah, mas até há dois anos tinha relações muito estáveis com o
regime do partido Baath, na Síria. Se apoiar os oponentes do regime
sírio, arrisca-se a construir um regime pior, de seu ponto de vista. Mas
para enfraquecer o Irã e o Hezbollah, não pode ser indiferente ao papel
que o regime de Damasco joga, ao facilitar relações de proximidade
entre o Irã e o Hezbollah. Por isso, Israel ora é verborrágico, sem
consistência real, ora mantém-se calado.
Debates
internos perturbam todos os Estados não-árabes que têm algum interesse
na região: Rússia, China, Paquistão, Afganistão, França, Grã-Bretanha,
Alemanha e Itália, para começar.
É
um caos geopolítico, algo que exige, de cada um dos atores, manobras
muito astutas, para não cometer erros desastrosos para seus próprios
interesses. Nesse turbilhão de alianças – das globais às muito locais –
em constante movimento, muitos grupos e sub-grupos consideram útil,
taticamente, ampliar a escalada da violência.
A guerra civil síria é, no momento, o locus, do
maior volume de violência no Oriente Médio e há poucas razões para
esperar que ela cesse. Começou, ao contrário, a se espalhar pelo Líbano e
Iraque, em particular. A maior parte dos atores teme que a difusão da
violência, além de chocante, possa ao final ferir seus interesses, ao
invés de promovê-los. Por isso, muitos atores procuram, de diversas
maneiras, restringi-la. Mas poderão fazê-lo?
Quando
o Exército de Libertação Popular marchou sobre Xangai em 1949 e
estabeleceu um governo comunista, teve início nos Estados Unidos um
debate enorme – e fútil. Foi focado no tema “Quem perdeu a China?”. Era
como se a China fosse algo que outros pudessem perder. É provável que,
muito em breve, haja debates em muitos países, sobre “Quem perdeu a
Síria”. Na verdade, todos estes atores têm capacidade muito limitada de
influir sobre os desfechos. O Oriente Médio está ficando fora de
controle e precisaremos de sorte para evitar uma explosão.
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