29/08/2010

Trotsky, a modo de balanço

Guillermo Almeyra, artigo publicado originalmente aqui e traduzido para o galego-português neste outro site. Excepcionalmente reproduzimos um dos comentários da nova em galego polo seu interesse.

Leon Trotsky, assassinado faz 70 anos no México, foi para a esquerda o homem mais importante do século passado e é hoje o único que continua sendo indispensável para compreender aspectos fundamentais da realidade deste século.
Efetivamente, Estaline enterrou a obra de Lenine, salvou o capitalismo mundial, vacinou povos inteiros contra a ideia do socialismo e conduziu para o derrube inglorioso da União Soviética e dos países socialistas da Europa oriental, enquanto Mao, em quem muitos depositaram tantas esperanças, conduziu por sua vez para a construção de um partido que não só não é anticapitalista, como conta com milhares de milionários em dólares em seu seio e que se dedica a edificar apressadamente um país capitalista baseado na terrível exploração da natureza e da mão de obra.
Trotsky, como todos os grandes homens, teve grandes defeitos e também erros de grande magnitude e trascendência. Com Lenine, por exemplo, reprimiu aos marinheiros anarquistas de Kronstadt e ilegalizou sucessivamente os socialistas revolucionários e aos mencheviques de esquerda, que tinham apoiado a revolução de outubro e faziam parte do governo e dos sovietes (conselhos operários). Depois votou a supressão de frações no partido, o qual sentou as bases para sua transformação num partido único identificado com um Estado herdado do czarismo, burocrático e hierárquico, e assim abriu involuntariamente o caminho a Estaline. A invasão estrangeira e a guerra civil tiveram para ele prioridade sobre a construção de uma consciência socialista e junto com Lenine pôs o partido acima da classe operária, a substituindo e a submetendo ao esmagar a oposição operária no partido. Julgou nos anos 20 que o partido podia representar toda a classe operária, desconhecendo a pluralidade desta, e que poderia a dirigir, deixando assim de lado a necessidade de ganhar democraticamente consenso para construir o socialismo, pois este não é obra de um partido, mas dos trabalhadores mesmos. Por último, não deu ouvidos a Lenine, que lhe propunha combaterem conjuntamente Estaline e conciliou com este e depois também com Zinoviev e Kamenev, que tinham entronizado e servido Estaline e voltaram a capitular ante ele.
Enquanto Lenine era uma seta estendida para o objetivo coletivo, Trotsky, que não era um construtor de partidos, mas um pensador revolucionário, tinha demasiado em conta sua personalidade e estava demasiado convencido de sua superioridade intelectual. Isso levou-o, crendo vencer, a aceitar a luta imposta por Estaline e Zinoviev sobre quem era mais fiel ao legado de Lenine, e essa longa defesa da ortodoxia leninista demorou sua comprovação de que o partido de Lenine tinha desaparecido irremediavelmente e que era já impossível reformá-lo.
Trotsky também não pôde apreciar em toda sua magnitude o dano irreparável causado à consciência dos operários de todo mundo pelas tremendas derrotas dos anos 20 e 30, sofridas devido à política de Estaline e dos partidos estalinistas, bem como pela qualificação de socialista para um regime burocrático totalitário. Por isso, mesmo prevendo já em 1936 a possibilidade do desaparecimento da União Soviética a não ser que tivesse uma nova revolução socialista, excluiu de sua análise sobre esta a inexistência na URSS dos núcleos revolucionários capazes da dirigir, todos os quais estavam sendo assassinados nos campos de extermínio.
A grandeza de Trotsky e seu papel indispensável, seu legado teórico, virão sobretudo do profeta desarmado, ainda que já tinha demonstrado, com sua teoria sobre a revolução permanente, que a luta pela democracia se une indissoluvelmente com as tarefas anticapitalistas. Porque manteve o internacionalismo contra o nacionalismo contrarrevolucionário de Estaline e lutou desde os anos 20 pela democratização da vida interna do partido e do Estado e pela separação entre ambos. Porque propôs luzidamente a necessidade de desenvolver as sucessivas ocasiões revolucionárias, como a revolução chinesa ou a de Espanha. Porque, com sua teoria sobre o desenvolvimento desigual e combinado, armou posteriormente outros como René Zavaleta Mercado, no entendimento de que o capitalismo não só convive com formações pré-capitalistas, como as subsume num todo único e contraditório, o qual obriga a reconhecer as diversidades para buscar uma unidade dinâmica e em mudança delas no processo revolucionário. Trotsky foi também quem analisou os governos bonapartistas nos países dependentes dando a chave para evitar qualificações vazias e tontas como o populismo ou a busca eterna de em que consiste o "progressismo" dos governos que se opõem ao imperialismo.
Sem a análise de Trotsky sobre a burocracia soviética e as burocracias em geral nos períodos de transição é igualmente impossível compreender o que se passa nos governos revolucionários. E sem a ênfase dele na independência política da classe operária, ainda que seja num partido operário baseado nos sindicatos que favoreça a evolução política dos trabalhadores e sem a ênfase que pôs na construção de um núcleo em torno de princípios sólidos e a uma visão internacional, não se pode preservar nada fundamental do legado de Marx e de Lenine. Portanto, não se pode ler e conservar Trotsky religiosamente como fazem os fiéis com seus livros sagrados e, evidentemente, Leon Trotsky não é responsável da dezena de grupos que o caricaturizam.
Trotsky foi um pensador crítico, ainda que nem sempre suficientemente autocrítico, e partia sempre das modificações e contradições na realidade, não de uma teoria preconcebida. Para ele, que exigia rigor teórico, também a árvore da vida é verde e o da teoria é cinza. Daí Trotsky viver e seus assassinos terem fracassado em sua tentativa de calar seu pensamento.


COMENTÁRIO:

#1 Afonso Gonçalves 28-08-2010 11:35
Ao ler este texto, veio-me à memória uma passagem de Marx existente na Miséria da FilosofiaPara ele, Sr. Proudhon, toda a categoria económica tem dois lados, um bom, outro mau. Encara as categorias como o pequeno burguês encara os grandes homens da História: Napoleão é um grande homem; fez muito bem, fez também muito mal."
É mais ou menos a conclusão que podemos tirar de Trotsky, para além, claro, de ter sido para a esquerda o homem mais importante do século passado e é hoje o "único" que continua sendo indispensável para compreender aspectos fundamentais da realidade deste século". Pelos vistos existe uma grande ingratidão na esquerda que não reconhece o seu génio, isto é, só vê a aquilo que de mal ele fez e não vê o que fez de bom. Pequeno burgueses incapazes de ver o lado bom do homem...
 onde observa o seguinte: "

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