01/02/2011

Sobre as revoltas de Tunísia e Egipto. Entrevista

Hossam el-Hamalawy. Num post anterior remetiamos-vos a esta entrevista na sua versom em castelhano em Sin Permiso, de onde nós a tiramos para verquê-la ao galego. El-Hamalawy é jornalista e blogueiro.
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Por que foi necessária uma revolução em Tunes para sacar aos egípcios às ruas em quantidades sem precedentes?

Em Egipto dizemos que Tunes foi mais um catalizador que um instigador, porque as condições objectivas para um levantamento existiam em Egipto e durante os últimos anos a revolta estava no ar. Por verdadeiro, já conseguimos ter dois mini-intifadas ou "mini-Tunes" em 2008. A primeira foi um levantamento em abril de 2008 em Mahalla, seguida por outro em Borollos, no norte do país.

As revoluções não surgem da nada. Não temos mecanicamente uma manhã em Egipto porque ontem teve uma em Tunes. Não é possível isolar estes protestos dos quatro últimos anos de greves de trabalhadores em Egipto ou de eventos internacionais como a intifada a o-Aqsa e a invasão do Iraque por EE.UU. O estallido da intifada a o-Aqsa foi especialmente importante porque nos anos oitenta e noventa o activismo nas ruas tinha sido efectivamente impedido pelo governo como parte da luta contra insurgentes islamistas. Só seguiu existindo nos campus universitários ou as centrais dos partidos. Mas quando estalló a intifada do ano 2000 e Al-Jazeera começou a transmitir imagens dela, inspirou a nossa juventude a tomar as ruas, da mesma maneira que hoje nos inspira Tunes.

Como se desenvolvem os protestos?

É demasiado cedo para dizer como desenvolver-se-ão. É um milagre que continuassem ontem após meia-noite apesar do medo e a repressão. Mas tenho-o dito, a situação chegou a um nível em que todos estão fartos, seriamente fartos. E inclusive se as forças de segurança conseguem aplastar hoje os protestos não poderão aplastar as que sucedam na próxima semana, ou no próximo mês ou mais adiante durante este ano. Definitivamente há uma mudança no grau de valentia da gente. Ao Estado ajudou-lhe a desculpa de combater o terrorismo nos anos noventa para acabar com todo tipo de disenso no país, um truque utilizado por todos os governos, incluído EE.UU. Mas uma vez que a oposição formal a um regime passa das armas a protestos em massa, é muito difícil enfrentar um disenso semelhante. Pode-se planificar a liquidação de um grupo de terroristas que combate nos canhaverais, mas que vão fazer ante milhares de manifestantes nas ruas? Não podem os matar a todos. Nem sequer podem garantir que os soldados o façam, que disparem contra os pobres.

Qual é a relação entre eventos regionais e locais neste país?

Há que compreender que o regional é local neste país. No ano 2000 os protestos não começaram como protestos contra o regime senão mais bem contra Israel e em apoio dos palestinos. O mesmo ocorreu com a invasão estadounidense de Iraq três anos depois. Mas uma vez que sais às ruas e te enfrentas à violência do regime um começa a fazer perguntas: Por que envia soldados Mubarak para enfrentar a manifestantes em lugar de enfrentar a Israel? Por que exporta cemento a Israel para que o utilize para construir assentamentos em lugar de ajudar aos palestinos? Por que a polícia é tão brutal conosco quando só tratamos de expressar nossa solidariedade com os palestinos de maneira pacífica? E assim os problemas regionais como Israel e Iraq uepassaram a ser temas locais. E em poucos instantes, os mesmos manifestantes que coreaban consignas pró-palestinas começaram ao fazer contra Mubarak. O momento decisivo específico em termos de protestos foi 2004, quando o disenso se voltou interior.

Em Tunísia os sindicatos jogaram um papel crucial na revolução, já que sua ampla e disciplinada militáncia assegurou que os protestos não pudessem aplastar-se facilmente e confiriu-lhes uma organização. Qual é o papel do movimento dos trabalhadores em Egipto no actual levantamento?

O movimento sindical egípcio foi bastante atacado nos anos oitenta e noventa pela polícia, que utilizou munição de guerra contra grevistas pacíficos em 1989 durante greves nas plantas siderúrgicas e em 1994 nas greves das fábricas têxtiles. Mas desde dezembro de 2006 nosso país vive continuamente as maiores e mais sustentadas ondas de acções grevistas desde 1946, detonadas por greves na indústria têxtil na cidade de Mahalla no Delta do Nilo, centro da maior força trabalhista em Médio Oriente com mais de 28.000 trabalhadores. Começou por temas trabalhistas mas estendeu-se a todos os sectores da sociedade com a excepção da polícia e as forças armadas.

Como resultado dessas greves conseguimos obter 2 sindicatos independentes, os primeiros de sua classe desde 1957, o dos cobradores de contribuições de bens raízes, que inclui a mais de 40.000 empregados públicos e o dos técnicos da saúde, mais de 30.000 dos quais lançaram um sindicato no passado mês fora dos sindicatos controlados pelo Estado.

Mas é verdade que há uma diferença importante entre nós e Tunes, e é que ainda que era uma ditadura, Tunes tinha uma federação sindical semiindependiente. Inclusive se a dirigencia colaborava com o regime, os membros eram sindicalistas militantes. De maneira que quando chegou a hora de greves gerais, os sindicatos puderam somar-se. Mas aqui em Egipto temos um vazio que esperamos encher cedo. Aos sindicalistas independentes já os submeteram a caças de bruxas desde que trataram de se estabelecer; já há processos iniciados contra eles pelos sindicatos estatais e respaldados pelo Estado, mas se seguem fortalecendo apesar das contínuas tentativas dos silenciar.

Por verdadeiro, nos últimos dias a repressão dirigiu-se contra os manifestantes nas ruas, os quais não são necessariamente sindicalistas. Estes protestos reuniram a um amplo espectro de egípcios, incluídos filhos e filhas da elite. De maneira que temos uma combinação de pobres e jovens das cidades junto com a classe média e os filhos e filhas da elite. Penso que Mubarak conseguiu agrupar a todos os sectores da sociedade com a excepção de seu círculo íntimo de cúmplices.

A revolução tunecina descreveu-se como muito encabeçada pela "juventude" e dependente para seu sucesso da tecnologia das redes sociais como Facebook e Twitter. E agora a gente se concentra na juventude em Egipto como um catalizador importante. Trata-se de uma "intifada juvenil" e poderia ter lugar sem Facebook e outras novas tecnologias mediáticas?

Sim, é uma intifada juvenil na rua. Internet só joga um papel na difusión da palavra e das imagens do que sucede no terreno. Não utilizamos Internet para nos organizar. Utilizamo-lo para dar a conhecer o que estamos a fazer sobre o terreno com a esperança de animar a outros para que participem na acção.

Como terá ouvido, em EE.UU., o presentador de programas de entrevistas Glenn Beck atacou a uma académica já maior, Frances Fox Piven, por um artigo que ela escreveu chamando aos desocupados a realizar protestos em massa pelos postos de trabalho. Inclusive recebeu ameaças de morte, algumas de gente sem trabalho que parece mais feliz fantaseando sobre disparar -lhe com uma de suas numerosas armas que por lutar realmente por seus direitos. É surpreendente pensar no papel crucial dos sindicatos no mundo árabe actual, tendo em conta as mais de duas décadas de regimes ultraliberais em toda a região cujo objectivo primordial é destruir a solidariedade da classe trabalhadora. Por que seguiram sendo tão importantes os sindicatos?

Os sindicatos sempre são o remédio mágico contra qualquer ditadura. Olhe a Polónia, Coréia do Sur, América Latina ou Tunísia. Os sindicatos sempre foram úteis para a mobilização das massas. Faz falta uma greve geral para derrocar uma ditadura, e não há nada melhor que um sindicato independente para o fazer.

Há um programa ideológico mais amplo depois dos protestos, ou só se livrar de Mubarak?

A cada qual tem suas razões para sair às ruas, mas eu suponho que se o nosso levantamento tem sucesso e derrocamos a Mubarak aparecerão divisões. Os pobres quererão impulsionar à revolução a uma posição bem mais radical, impulsionar a redistribução radical da riqueza e combater a corrupção, enquanto os denominados reformistas querem pôr travões, pressionar mais ou menos pelas mudanças "desde acima" e limitar um pouco os poderes mas manter alguma essência de Estado.

Qual é o papel da Irmandade Muçulmana e como impacta na situação o facto que permaneça distante dos actuais protestos?

A Irmandade sofreu divisões desde o estourido da intifada al-Aqsa. A sua participação no Movimento de Solidariedade com Palestina quando se enfrentou com o regime foi desastrosa. Basicamente, a cada vez que  os seus dirigentes chegam a um compromisso com o regime, especialmente os acólitos do actual guia supremo, desmoralizan a seus quadros de base. Conheço pessoalmente a numerosos jovens irmãos que abandonaram o grupo, alguns deles uniram-se a outros grupos ou seguem independentes. À medida que cresce o actual movimento de rua e a dirigencia inferior participa, terá mais divisões porque a dirigência superior não pode justificar por que não faz parte do novo levantamento.

Qual é o papel de EE.UU. neste conflito? Como vê a gente na rua suas posições?

Mubarak é o segundo beneficiario da ajuda exterior de EE.UU., após Israel. Conhece-se-lhe como o matón de EE.UU. na região; é um dos instrumentos da política exterior estadounidense, que implementa o seu programa de segurança para Israel e o fluxo sem problemas do petróleo enquanto mantém a raia aos palestinos. De maneira que não é nenhum segredo que esta ditadura gozou do respaldo de governos de EE.UU. desde o primeiro dia, inclusive durante a enganosa retórica pró-democracia de Bush. Portanto não há que se surpreender ante as risíbeis declarações de Clinton que mais ou menos defendiam o regime de Mubarak, já que um dos piares da política exterior de EE.UU. é manter regimes estáveis a costa da liberdade e os direitos cívicos.

Não esperamos nada de Obama, a quem consideramos como um grande hipócrita. Mas esperamos que o povo estadounidense -sindicatos, associações de professores, uniões estudiantiles, grupos de activistas,- se pronunciem em nosso apoio. O que queremos é que o governo de EE.UU. se mantenha completamente fora do assunto. Não queremos nenhum tipo de apoio, simplesmente que corte de imediato a ajuda a Mubarak e retire o apoio, que se retire de todas as bases em Médio Oriente e deixe de apoiar ao Estado de Israel.

Em última instância, Mubarak fará todo o que tenha que fazer para proteger-se. De repente adoptará a retórica mais anti-estadounidense se pensa que lhe pode ajudar a salvar a pele. Afinal de contas está comprometido com seus próprios interesses e se pensa que EE.UU. não apoiá-lo-á, voltar-se-á em outra direcção. A realidade é que qualquer governo realmente limpo que chegue ao poder na região chegará a um conflito aberto com EE.UU. porque chamará a uma redistribución racional da riqueza e a terminar com o apoio a Israel e a outras ditaduras. De maneira que não esperamos nenhuma ajuda de EE.UU. Só que nos deixem em paz.

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