Gershom Goremberg. Artigo tirado de Outras Palavras (aqui). Tradução: Daniela Frabasile.
No mapa, em amarelo, o território palestino pré-1967, que a ONU pode transformar num Estado independente. A oeste, menor, a Faixa de Gaza. A leste, a Cisjordânia. |
Nadim Khoury observa, enquanto garrafas marrons caminham em fila única pela correia transportadora das máquinas de esterilizar e em seguida, para as que as enchem de líquido, as tampam, passam cola e pregam rótulos, nos quais se lê: Cerveja Taybeh. A melhor do Oriente Médio. Sob seus vastos bigodes grisalhos, Khoury esboça um pequeno sorriso de orgulho pelo próprio empreendedorismo.
O patriotismo levou Khoury e seu irmão David ao vilarejo de Taybeh, na Cisjordânia, em 1994. Eles viveram por anos nos Estados Unidos, onde Khouru graduou-se em Administração numa universidade grega ortodoxa, e depois estudou cervejaria na Universidade da Califórnia, em Davis. Na euforia que sucedeu os Acordos de Oslo, de 1993, eles quiseram ajudar o desenvolvimento econômico daquilo que, acreditaram, logo se tornaria uma Palestina independente. Próximo à grandiosa casa que o pai construiu para ajudar a atraí-los de volta para casa, na cidade que da nome a seu produto, eles montaram uma micro-cervejaria, com tanques de aço brilhantes para ferver o malte de cevada com lúpulo, fermentar a bebida e envelhecê-la. “Eu fiz história”, diz Khoury: “eu fiz a primeira cerveja palestina”. O anúncio da empresa diz “bebida palestina” e “sinta a revolução”.
A revolução, porém, adquiriu um gosto mais amargo que o do lúpulo. Durante a Segunda Intifada, o turismo desapareceu, e com ele, as vendas de cerveja nos hotéis de Belém, o destino mais popular da Cisjordânia. Os bloqueios israelenses e postos de controle, projetados para que terroristas não entrassem em Israel ou atacassem os assentamentos, sufocaram o movimento de pessoas e produtos. Em certo ponto, Khoury conta, a cerveja era transportada pelas colinas de Ramallah, a cidade mais próxima, em lombo de mulas.
Desde que a revolta amainou e o primeiro-ministro da Autoridade Palestina, Salam Fayyad, começou a reconstruir as forças de segurança, Israel removeu alguns pontos de controle. Chegar a Taybeh, entretanto, ainda é uma questão de encontrar uma estrada aberta. Os viajantes que vêm de Nablus, ao norte, encontram um portão de metal instalado pelas Forças de Defesa de Israel bloqueando a entrada na vila Cristã Árabe, o que força um grande desvio para o sul. Levar a bebida para fora é ainda mais complicado: exportações para Israel devem ser levadas por caminhão até um ponto distante em Jerusalém, colocadas em um scanner de carga, e recolocadas em um caminhão israelense – o que faz com que uma viagem de meia hora leve três horas. Como o movimento Islâmico o Hamas ganhou as eleições palestinas de 2006, a família dos Khourys começou a produzir também uma cerveja sem álcool. Porém, desde que o Hamas assumiu o poder na Faixa de Gaza, em 2007, Israel não permite que a cerveja seja enviada para lá.
Por uma das janelas de sua sala, Khoury mostra uma base do exército israelense. Por outra, aponta uma colônia judaica ilegal, Amonah. “Começou com uma casa”, diz ele. “Agora veja quantas – vinte ou trinta – e o número cresce diariamente”.
Mesmo assim, o cervejeiro está otimista em relação ao plano do presidente palestino Mahmoud Abbas, de buscar reconhecimento da Palestina como um Estado independente em setembro. Khoury considera que uma pré-condição para a soberania aparentemente foi cumprida: em maio, o regime do Hammas em Gaza e o governo do Fatah em Ramallah, Cisjordânia, concordaram em se reunir. Khoury vê a tentativa de reconhecimento da ONU como um caminho alternativo ao impasse político e aos impedimentos impostos aos negócios e à vida das pessoas devido à ocupação. “Israel não pode controlar o mundo inteiro”, diz ele. Se a ONU afirmar a independência palestina na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, ele acredita que Israel será obrigada a implantar a decisão.
O otimismo empresarial pode estar fazendo Khoury otimista demais. As recentes estratégias palestinas para a independência – a idéia do premiê Fayyad, de que se um Estado for construído de baixo, o mundo irá reconhecer sua independência; a aposta do presidente Abbas, de fazer com que a ONU imponha a solução de dois Estados; o pacto de reconciliação Fatah-Hamas – são um misto de esperança e desespero. Abbas e outros moderados em Ramallah veem as negociações com Israel como mortas, e perderam a confiança de que o governo Obama irá revivê-las. Tanto o Fatah quanto o Hamas temem que a agitação no mundo árabe enfraqueça seu poder e se seguram na unidade para assegurar sua legitimidade.
Os políticos, também, estão procurando a saída.
* * *
Ramallah, a capital de fato da Cisjordânia, fervilha. Gruas erguem esqueletos de prédios muito altos. Novas torres de apartamentos, escritórios e hotéis brotam das ruas principais. O estilo arquitetônico é o moderno do Oriente Médio – ângulos oblíquos e fachadas arredondadas com painéis de vidro azul armados sobre pedra amarela, cortada de modo rústico. As placas das ruas estão em árabe em inglês – Rua Edward Said, Rua Madre Tereza – e parecem ter chegado ontem da fábrica. Há muitos carros nas ruas estreitas e sinuosas. Alguns deles são negros, novos, enormes, e exibem as insígnias VIP dos dirigentes da Autoridade Palestina (AP). Letreiros anunciam operadoras de celulares concorrentes. Nas esquinas, perfilam-se duplas de policiais palestinos, em uniformes paramilitares verde-oliva – como publicidade viva da nova atmosfera de ordem. As calçadas próximas à Praça Manara, no centro, estão coalhadas de gente indo às compras.
Em um café, onde encontrei um homem de negócios que olha seu Blackberry, mulheres de uns vinte anos admiravam, na mesa ao lado, um laptop fúcsia. Uma tem os cabelos descobertos, a outra usa um hijab [lenço que cobre cabelos e pescoço, mas expõe a face] ultra-marinho que combina com sua sombra. O homem de negócios, Bashar Azzeh, de 31 anos, veste um blazer, sem gravata. É dono de uma empresa de consultoria e marketing em Ramallah e sócio de uma marmoraria e uma fábrica de calçados na área de Hebron.
Palestinos jovens – e a população palestina é incrivelmente jovem – “estão cansados”, diz ele. “Eles veem que a Segunda Intifada não deu muitos frutos. São mais propensos a uma abordagem não-violenta. Querem se focar mais em suas carreiras: encontrar um emprego, uma esposa, uma casa – o sonho palestino. E isso funcionou bem com a abordagem de Fayyad de construir um Estado”, diz Azzeh, pois o governo oferece garantias para empréstimos ao consumidor. “Ele dá esses empréstimos para construir casas, comprar carros, para casar”. O que está faltando, diz , é uma ajuda parecida para que jovens palestinos possam começar pequenos negócios.
Essa é uma parte do quebra-cabeças do legado de Fayyad como primeiro ministro. Ele criou uma ilusão – ou uma base concreta – para a soberania. Depende da pessoa que responde a essa pergunta, quais documentos você lê, quais parágrafos você destaca enquanto os examina.
Fayyad é outro que retornou após os acordos de Oslo. Sua família deixou a Cisjordânia em1968, rumando para a Jordânia. Após obter título de doutorado em economia na Universidade do Texas e de trabalhar para o Fundo Monetário Internacional em Washington, ele voltou para casa em 1995, como representante do FMI na Autoridade Palestina. Em junho de 2007, após o colapso da unidade entre Hamas e Fatah no governo, uma guerra civil brutal e a tomada do poder em Gaza pela Hamas, o presidente Abbas decretou um governo de emergência na Cisjordânia. Fayyad tornou-se primeiro ministro, misto de tecnocrata e autocrata. O parlamento palestino deixou de ser conveniente após a separação. Tanto o mandato de Abbas quanto o do Parlamento expiraram. Nenhuma eleição foi realizada. O governo de Fayyad continuou.
No ano que seguinte, a anarquia hobbesiana cidades da Cisjordânia, durante os dias da Intifada, foi superada. Os serviços de segurança da Autoridade Palestina e a polícia desarmaram as milícias, derrubaram o mercado de carros roubados, e preveniram ataques suicidas contra Israel. Aproveitaram a oportunidade para fechar os serviços de caridade do Hamas, que difundiam a mensagem da oposição. Oficiais de segurança palestinos e israelenses retomaram cooperação mais próxima. Dentro das instituições corruptas da Autoridade Palestina, Fayyad também tenta “limpar a casa”.
Em 2009, ele levou adiante suas ambições. Seu governo, anunciou ele, tornaria a Autoridade Palestina em um Estado funcional em dois anos. Com o “processo de paz” caminhando para lugar nenhum – Benjamin Netanyahu tornou-se primeiro ministro de Israel e o presidente norte-americano Barack Obama fracassou em obter a suspensão da construção de novos assentamentos – Fayyad disse que seu plano deveria ser recebido por Israel como “um fato que não pode ser ignorado”.
Num café, na parte antiga de Ramallah, o cientista político Abdel Majid Sweilem fala um árabe professoral e em ritmo medido, como se estivesse em frente de uma sala de aula na Universidade de Al-Quds. O estudioso ítalo-búlgaro vê Fayyad como um sucesso. Verdade, existem “membros caóticos do Fatah”, diz ele, que resistem às reformas do premiê. Mas como um resultado da estratégia do governo, diz ele, “nós nos liberamos da Intifada Al-Aqsa [referência à chamada Brigada de Mártires Al-Aqsa, um grupo palestino que, dizendo-se ligado à Fatah e não-fundamentalista, praticou diversos atentados com homens-bomba em Israel e na Palestina], dos bolsões de terrorismo e corrupção. “Agora, nós somos parte de uma legitimidade internacional, ao contrário de Israel”. Internamente, 90% dos cidadãos recebem assistência médica nas clínicas do governo. Os demais têm planos de saúde custeados por seus empregadores. Agora nós temos um website do ministério Fazenda que lista todas as receitas e despesas” diz Sweilem. A ajuda internacional caiu para 40% da receita – uma conquista que evidencia o o quão desesperada tem sido a situação financeira da Autoridade Palestina. A verba destinada a desenvolvimento ainda vem inteiramente de doações estrangeiras.
Como nota de rodapé à descrição acima, uma placa de pedra, na entrada do ministério da Educação, em Ramallah, lembra: “Este edifício foi financiado pelo Reino da Noruega – Ano 2002. Subindo as escadas, o controlador do ministério, Azzam Abu Baker, me mostra a cicatriz, tão grossa quanto um cabo de navio, em um de seus pulsos – sua lembrança por lutar para o Fatah contra o exército israelense no Líbano, três décadas atrás. Abu Baker chegou à Cisjordânia em 1994 com Yasser Arafat e seu grupo de funcionários da Organização pela Liberação da Palestina (OLP). Este burocrata corpulento e sociável acumula o cargo no ministério com o de membro do Comitê de Assuntos Internacionais da Fatah, responsável por assuntos árabes.
Segundo o ponto de vista de Abu Baker, o premiê Fayyad feriu o sistema educional da Autoridade Palestina. Por dois anos, os professores não receberam seus salários integrais. Também houve “intervenção nos serviços de segurança na contratação de professores”. Além disso, Fayyad retirou os carros oficiais dos altos dirigentes do ministério. Em consequência, reclama Abu Baker, o gabinete de Ramallah não pode manter contato com os escritórios locais. Enquanto isso, “ele mima os departamentos de segurança… [Fayyad] está mais interessado na segurança do que na educação”
Talvez a disputa sobre os carros oficiais simplesmente comprove a resistência da velha guarda do Fatah em relação à limpeza que Fayyad promove. Mas essa crítica às forças de segurança é compartilhada também por analistas independentes. Em um estudo publicado em fevereiro, o pesquisador palestino Yezid Sayigh, do King’s College em Londres, descrevia quão “tênue o controle civil sobre as agências de segurança se tornou” na Autoridade Palestina. Escreveu que tanto os grupos de direitos humanos quanto a mídia independente estavam sob ataque.
Fayyad, entretanto, obteve notas altas nas avaliações sobre seu desempenho na construção do Estado Palestino, em três avaliações feitas durante uma conferência das nações doadoras em Bruxelas, em abril. “A Autoridade Palestina continuou a fortalecer suas instituições, oferecer serviços públicos e promover reformas que outros Estados também lutam para promover”, diz um documento do Banco Mundial. O coordenador especial para a paz no Oriente Médio da ONU notou uma melhora na transparência financeira e na redução da corrupção. O FMI relatou que “a Autoridade Palestina agora é capaz de conduzir as políticas econômicas sadias que se espera para o bom funcionamento de um Estado no futuro”. Fayyad proclamou que os palestinos receberam uma “certidão de nascimento” para a soberania.
“Digamos que eu queira abrir uma indústria farmacêutica.
Israel poderá vetar a importação de matérias-primas. Ou barrar
entrada de um instrutor chinês que me ensinaria a operar uma máquina”
O Banco Mundial também notou que o crescimento econômico na Cisjordânia e na Faixa de Gaza chegou a 9,3% no ano passado. Esse fato ajuda a explicar a agitação em Ramallah, mas é apenas uma introdução a más notícias: o crescimento foi “principalmente conduzido pelas doações” e “não parece sustentável”. O crescimento rápido é construído com doações internacionais, e Fayyad tem fama de ser habilidoso em captar recursos.
Em teoria, os frutos do trabalho de Fayyad – cidades mais seguras, menos corrupção nos ministérios, melhores estradas – devem ajudar o crescimento do setor produtivo. Até agora, isso não acontece. O empreendedor Bashar Azzeh está fora dos limites dessa construção do Estado: a Autoridade Palestina administra apenas 40% da Cisjordâina, que consiste nas partes mais densamente povoadas e é designada em áreas A e B, segundo os acordos de Oslo. A terra necessária para a indústria pesada está na área C, ainda governada por Israel. Para construir uma fábrica de concreto, um investidor precisaria de uma autorização para um negócio que competiria diretamente com os produtos de Israel. Em vez disso, Azzeh diz, “todo o nosso cimento vem de Israel”
Abrir indústrias de luz nas áreas A e B é possível em teoria, diz Azzeh. “Mas vamos dizer que você queira abrir uma companhia farmacêutica. Haveria problemas para importar produtos químicos” definidos por Israel como de “uso duplo” — capazes de servir para produção de armas e de medicamentos. Se você comprar uma máquina de U$ 5 milhões da China, diz ele, você precisará da permissão de Israel para trazer um especialista para mostrar como utilizar essa máquina. Além dessas dificuldades, podemos adicionar a necessidade de exportar via Israel. No final das contas, nas palavras de Azzeh, “eu não tenho soberania sobre minhas fronteiras”.
A campanha de Fayyad para criar um Estado funcional colidiu com a ocupação. O veto dos Estados Unidos, em fevereiro, a uma resolução do Conselho de Segurança da ONU condenando os assentamentos israelenses “colocou o último prego no caixão do plano de Fayyad”, diz Mouin Rabbani, um analista palestino baseado em Aman, Jordânia. Em Ramallah, o veto confirmou que a visão de Washington é parte do problema, não da solução. Isso deixou poucas esperanças de que os Estados Unidos reconheceriam um Estado estabelecido sem o acordo de Israel. Essa conclusão ajuda a explicar a aposta de Abbas no reconhecimento da ONU e o acordo de unidade entre o Fatah e o Hamas.
* * *
Se Fayyad esperava construir um estado de baixo, Abbas sempre procurou fazê-lo de cima, através de negociações internacionais, diz Menachem Klein, da Universidade Bar-Ilan, uma escola superior de política palestina. Abbas viu a Segunda Intifada como um desastre para os palestinos, disse ele. Além disso, Klein enfatiza, “Abbas se opõe fortemente à resistência civil não-violenta”, que ele acredita levar inevitavelmente à violência.
Desde que sucedeu Arafat como presidente da Autoridade Palestina, em 2005, Abbas tentou negociar a independência. Conversações entre ele e o primeiro ministro de Israel, Ehud Olmert, chegaram perto de produzir um acordo em 2008. Para o vice-primeiro ministro israelense, Dan Meridor, Olmert fez, em dado momento, “uma oferta irrecusável”. Israel concederia toda a Cisjordânia, menos 4% — que seriam trocados por um território de iguais dimensões em Israel, segundo a imprensa. As áreas sagradas de Jerusalém seriam controladas internacionalmente.
Abbas “desapareceu desde então”, diz o vicê-premiê israelense. Talvez – sempre segundo ele — por relutar em assinar o fim de todas as disputas, por ser incapaz de admitir que o sonho da OLP (recuperar toda a Palestina) falhou, ou com medo de confrontar o Hamas. Meridor ocupa um pequena escritório, dois andares abaixo do escritório de Netanyahu, em Jerusalém. É a figura mais moderada no partido do premiê. Diz defender a busca, por Israel, de um acordo capaz de criar dois Estados; mas julga difícil os palestinos aceitarem
Em Ramallah, menos de 15 quilômetros ao norte, enquanto o helicóptero voa, Gjassan Khatib, porta-voz do governo palestino, apresenta outra versão sobre os mesmos eventos. Seu bigode grisalho é aparado com tanto esmero quanto há no nó de sua gravata azul. Ele é membro do Partido Popular, sucessor do Partido Comunista Palestino, conhecido por ser a facção que nunca teve um braço armado. Sua expressão parece ligeiramente interrogativa, como se ele ainda não estivesse seguro sobre como caiu no centro desse conflito louco.
Olmert fez propostas, diz ele, e o lado palestino respondeu. Mas “o processo foi interrompido pela ausência de Olmert” — uma maneira delicada de dizer que o líder de Israel deixou seu posto sob múltiplas acusações de corrupção. Quando Netanyahu tomou posse, “o novo governo se recusou a dar continuidade ao que já havia sido acordado” Khatib afirma. O significado dessas duas versões, igualmente incompletas, é que ambos os lados estão certos de que um acordo quase se concretizou; que cada um, como sempre, está convencido de que o outro boicotou essa possibilidade.
Mesmo assim, Khatib diz, os palestinos continuaram negociando – por meio dos norte-americanos, e depois diretamente — até setembro do ano passado, quando Netanyahu retomou a construção de assentamentos em terras palestinas. “Você não pode negociar com uma parte que está ocupada em determinar unilateralmente, através da força, o seu futuro”, argumenta. Khatib está envolvido em conversas de paz há vinte anos. “A única coisa concreta” a que o processo de Oslo levou, ele lamenta, foi “dobrar o tamanho dos assentamentos”. O presidente Obama “teve um começo promissor” quando pressionou por um acordo de paz, mas em seguida desapontou as expectativas palestinas. Como as negociações bilaterais falharam, diz ele, “nós vamos à ONU” em setembro “e pediremos que a comunidade internacional se responsabilize” por dar um fim à ocupação.
É uma aposta bastante arriscada. Para aceitar a Palestina como um membro da ONU ou aprovar qualquer ação da ONU, é necessário um voto do Conselho de Segurança. Um veto estadunidense é praticamente certo. Um voto da Assembléia Geral é declaratório — não precisa ser obrigatoriamente aceito. Ressalve-se um precedente de 1950, durante a Guerra da Coreia, que permite à Assembleia Geral passar resoluções recomendando mais fortemente que os Estados-membros tomem ação coletiva — inclusive impondo sanções à Israel.
Na hipótese mais provável — uma grande maioria da Assembleia Geral a favor da soberania — ninguém sabe o que aconteceria no dia seguinte, na Cisjordânia. A vida deve continuar, com responsáveis de segurança palestinos e israelenses ainda se encontrando e compradores lotando o centro de Ramallah. É previsível que Israel reprima a Autoridade Palestina com prisões e bloqueios renovados. É previsível que a sociedade palestina, frente a esperanças partidas, vá às ruas contra Israel ou contra sua própria liderança, de forma pacífica ou violenta.
Na arena internacional, Israel poderia encontrar-se significativamente mais isolado. Depois de um voto reconhecendo a Palestina, com as fronteiras definidas nos acordos pré-1967, argumenta Sweilen, o cientista político ítalo-búlgaro, o tema das negociações “já não será sobre as fronteiras do Estado Palestino, mas sobre os mecanismos para estabelecer a paz”.
“Vai haver um custo político para os Estados Unidos” se lançarem um veto”, diz Khatib, o porta-voz palestino. “Eles terão que explicar como podem apoiar apelos à liberdade no resto do mundo e negar esse direito aos palestinos”. O veto dos Estados Unidos, em fevereiro, contradisse embaraçosamente a posição de Washington contra os assentamentos. Um veto à soberania seria outra situação embaraçosa, dado que a política declarada pelos Estados Unidos é de apoio à solução de dois Estados.
O desconforto dos EUA também aumentaria se a maioria dos países europeus votasse a favor dos palestinos. Na tentativa de alinhar os votos europeus, Netanyahu e Abbas tornaram-se rivais nas capitais europeias. Desde que tomou posse, Netanyahu trata Abbas não como um parceiro de paz, mas como um competidor pela simpatia ocidental. Abbas está respondendo da mesma forma. Uma leitura dessa estratégia é que ele está cortejando Barack Obama: fazer algo, apresentar seu plano, antes de transtornar as coisas. Outra leitura é que ele desistiu de Obama.
A última leitura se encaixa na decisão de buscar a reconciliação com o Hamas. O acordo deveria levar a um governo de unidade composto por tecnocratas e eleições em um ano. A inquietação americana sobre uma aliança com islâmicos de uma linha mais dura tornou-se menos relevante. Para Abbas, pesa mais livrar-se da crítica segundo a qual ele representa apenas metade dos palestinos.
A unidade “vai ajudá-lo a ir à ONU. De outra forma, todos vão dizer: ‘como podemos reconhecê-los, se vocês nem conseguem se unir?’ frisa Ayman Daraghmeh, um membro independente do Parlamento palestino. Daraghmeh, um bioquímico educado na Universidade de Delhi, compartilha um escritório com legisladores do Hamas em um edifício em Ramallah chamado Mecca Center. “O próprio Netanyahu disse a Abbas: ‘com quem eu devo negociar, com você ou com o Hamas? Vocês não estão unidos’”, conta Daraghmeh. “E quando Abbas promoveu a unidade, Netanyahu “advertiu-o”: “ou paz com Israel ou relação com o Hamas”…
A Primavera Árabe produziu um empurrão ainda maior para um acordo de unidade. O consenso em Ramallah, além das linhas políticas, é de que o Egito pós-revolucionário é um padrinho menos confiárvel para o Fatah; e que a Síria deixou de ser um abrigo amistoso para o Hamas e seu quartel-general. “A Fraternidade Muçulmana Internacional e a Fraternidade Muçulmana da Síria apoiam a revolução contra o presidente Bashar al-Assad”, explica Abu Baker, o expert em assuntos árabes da Fatah. Como o Hamas “é um ramo da Fraternidade Muçulmana, ele não pode permanecer em Damasco”, diz Baker. “Ele não é capaz de conciliar o dia com a noite”.
Tanto em Gaza quanto na Cisjordânia, jovens educados e insatisfeitos fizeram da divisão entre líderes do Hamas e do Fatah seu primeiro alvo para a mudança política. “O povo exige o fim da divisão”, entoaram os jovens em Ramallah, Gaza e outras cidades, em manifestações divulgadas pelo Facebook a partir de 15 de março. O jovem empreendedor Bashar Azzeh ajudou a organizar os atos, mais insiste em que não é um líder — na verdade, o movimento 15 de Março tem “Facebook, Twitter, emails e encontros, não líderes”. Ele prossegue: “Estamos superando o tema de liderança”, num claro desafio aos apparatchiks envelhecidos e às facções palestinas tradicionais.
Numericamente, os protestos pareceram pequenos. Apenas 2 mil pessoas saíram às ruas em Ramallah, em 15 de março. Em Belém, dois dias depois, encontrei apenas algumas dezenas de manifestantes reunidos numa tenda, na praça Manger, decorada com um mapa que mostrava a Palestina dividida em duas. Mas as manifestações assustaram os líderes das facções. “Todos temem o futuro”, diz um membro do Parlamento palestino. “O que ocorreu no Cairo foi um tsunami”.
O acordo de unidade assinado em maio era apenas um esqueleto básico. Ninguém sabe se ele sobreviverá à formação de um novo governo ou como o governo lidará com serviços de segurança distintos — um dirigido pelo Hamas, em Gaza; outro pelo Fatah, na Cisjordância. Khatib afirma que o Hamas aceitou a posição da OLP, de honrar os acordos com Israel. Também isso precisa ser testado. Para o movimento 15 de Março, Azzeh sublinha, a unidade era apenas um meio para o verdadeiro fim: acabar com a ocupação. “Ainda vivemos em guetos. Não temos uma moeda”, ele diz. “Precisamos de nossas próprias fronteiras”. A reconciliação é apenas parte de uma aposta maior.
* * *
Há uma segunda Cisjordânia. Seus habitantes judeus chamam-na de Judeia e Samária, ou Yesha, um acrônimo que expressa a palavra hebraica “redenção”. Avi Roe vive e trabalha la, como membro do Conselho Regional de Mateh Binyamin, o governo local de um grupo de colônias a norte de Jerusalém. Próximo à sede do conselho, na colônia de Psagot, novos prédios de apartamentos estão sendo erguidos. Os moradores terão, abaixo de si, uma excelente vista de Ramallah.
Mapas e fotos aéreas dos assentamentos cobrem as paredes do escritório de Roe. Com a luz vermelha de uma caneta laser, ele indica as comunidades em que as construções estão em curso. Mais de 800 apartamentos estão sendo construídos em Mateh Binyamin, diz. Dado o tamanho das famílias de colonizadores, isso poderia significar um aumento de 10% na população do conselho, de 53 mil. Construir apartamentos, ele diz, significa aceitar o sacrifício de um modo de vida suburbano, para trazer mais pessoas e fixar raízes.
Se os palestinos declararem unilateralmente a independência, Roe diz, Israel deveria responder unilateralmente, “afirmando a anexação da Judeia e Samária a seu território”. Os moradores árabes, em sua concepção, poderiam se tornar cidadãos à condição de “provar sua lealdade ao Estado e seus valores” — uma expressão em código para dizer que eles deveriam jurar fidelidade a Israel como Estado judeu. Roy acredita que é um erro preocupar-se com “o que a ONU diz”. Há não muito tempo, ele explica, os judeus “tentaram integrar-se em outros países, especialmente na Europa e perceberam, durante o Holocausto, que não seriam aceitos pelos demais”. A partir deste fato, ele conclui que os judeus deveriam cuidar de si mesmos, sem preocupar-se com aprovação internacional.
Os colonizadores são uma parte volátil do apoio a Netanyahu. Eles têm influência – aparentemente, mais que o moderado Meridor – mas não definem diretamente as políticas do governo. O vice-premiê Moshe Ya’alon, o número 2 de Netanyahu e um ex-chefe militar, pode oferecer um panorama melhor do pensamento oficial.
Com suas bochechas grossas e óculos, Ya’alon parece um homem comum. O soco forte na mesa, que pontua suas sentenças, corresponde melhor à imagem de um ex-general. Sob as regras atuais, ele diz, um voto na Assembleia da ONU em favor do Estado Palestino, seria “desagradável, não terrível”. Mas uma recomendação mais forte poderia criar, segundo o precedente de 1950, uma “entidade hostil e falida” na Cisjordânia, outro “Hamastão” como o de Gaza, afirma Ya’alon. Os esforços diplomáticos de Israel na Europa estariam voltados para prevenir isso…
Ele é muito menos confiante na diplomacia com os palestinos. os 18 anos desde os Acordos de Oslo teriam ensinado, diz Ya’alon, que “não temos um parceiro interessado em alcançar o fim do conflito”. Por isso, antes de negociar assuntos objetivos, ele prossegue, o governo Netanyahu pede respostas aos palestinos: sobre sua disposição de reconhecer Israel “como o Estado-Nação do povo judeu”; sobre a renúncia a todas as queixas contra Israel; e sobre a garantia de que todas as preocupações de Israel com segurança serão sanadas.
Tais preocupações, ele especifica, incluem o controle, por Israel, da fronteira entre a Cisjordânia e a Jordânia. Depois que Israel deixou Gaza, ele considera, armas iranianas passaram a entrar, pela fronteira com o Egito. Em resumo, o que aparece, aos olhos do ministro Ya’alon, como a pré-condição pragmática para a independência da Palestina significa negar o que os próprios palestinos veem como condição básica de um Estado: soberania sobre as fronteiras
Ya’alon rejeita a ideia de Roe, que quer anexar a Cisjordânia. “Não temos interesse algum em governar os palestinos”, ele diz. “Não temos interesse algum em fazê-los cidadãos de Israel… Queremos nos separar deles”. Mas se os palestinos agirem unilateralmente, “isso nos fará pensar sobre passos unilaterais”. Os Acordos de Oslo, diz Ya’alon, iriam se tornar “irrelevantes”, assim como os compromissos de autorizar os palestinos a trabalhar em Israel. “Nós fornecemos eletricidade e água para os palestinos”, diz ele. “Se estivermos diante de uma entidade hostil, teremos de pesar os passos… capazes de inviabilizar tal entidade”
Os dois lados podem brincar de gato e rato, diz Ya’alon. E à medida em que a Assembleia Geral se aproxima, ambos podem defender suas posições junto a governos estrangeiros, ao invés de conversar entre si.
Na cervejaria próxima a sua casa, Nadim Khoury está instalando seis novos tanques, que lhe permitirão dobrar a produção atual, de 600 mil litros anuais.
“Estou muito otimista”, ele me diz. “Você pode me dizer quantos países ocupados ainda existem no mundo? Isso não pode durar para sempre”. Sua meia-irmã Maria, nascida na Grécia, me convida a voltar para o Oktoberfest de Taybeh. É logo agora. Eles estão apostando num caminho de entrada, numa saída.
O patriotismo levou Khoury e seu irmão David ao vilarejo de Taybeh, na Cisjordânia, em 1994. Eles viveram por anos nos Estados Unidos, onde Khouru graduou-se em Administração numa universidade grega ortodoxa, e depois estudou cervejaria na Universidade da Califórnia, em Davis. Na euforia que sucedeu os Acordos de Oslo, de 1993, eles quiseram ajudar o desenvolvimento econômico daquilo que, acreditaram, logo se tornaria uma Palestina independente. Próximo à grandiosa casa que o pai construiu para ajudar a atraí-los de volta para casa, na cidade que da nome a seu produto, eles montaram uma micro-cervejaria, com tanques de aço brilhantes para ferver o malte de cevada com lúpulo, fermentar a bebida e envelhecê-la. “Eu fiz história”, diz Khoury: “eu fiz a primeira cerveja palestina”. O anúncio da empresa diz “bebida palestina” e “sinta a revolução”.
A revolução, porém, adquiriu um gosto mais amargo que o do lúpulo. Durante a Segunda Intifada, o turismo desapareceu, e com ele, as vendas de cerveja nos hotéis de Belém, o destino mais popular da Cisjordânia. Os bloqueios israelenses e postos de controle, projetados para que terroristas não entrassem em Israel ou atacassem os assentamentos, sufocaram o movimento de pessoas e produtos. Em certo ponto, Khoury conta, a cerveja era transportada pelas colinas de Ramallah, a cidade mais próxima, em lombo de mulas.
Desde que a revolta amainou e o primeiro-ministro da Autoridade Palestina, Salam Fayyad, começou a reconstruir as forças de segurança, Israel removeu alguns pontos de controle. Chegar a Taybeh, entretanto, ainda é uma questão de encontrar uma estrada aberta. Os viajantes que vêm de Nablus, ao norte, encontram um portão de metal instalado pelas Forças de Defesa de Israel bloqueando a entrada na vila Cristã Árabe, o que força um grande desvio para o sul. Levar a bebida para fora é ainda mais complicado: exportações para Israel devem ser levadas por caminhão até um ponto distante em Jerusalém, colocadas em um scanner de carga, e recolocadas em um caminhão israelense – o que faz com que uma viagem de meia hora leve três horas. Como o movimento Islâmico o Hamas ganhou as eleições palestinas de 2006, a família dos Khourys começou a produzir também uma cerveja sem álcool. Porém, desde que o Hamas assumiu o poder na Faixa de Gaza, em 2007, Israel não permite que a cerveja seja enviada para lá.
Por uma das janelas de sua sala, Khoury mostra uma base do exército israelense. Por outra, aponta uma colônia judaica ilegal, Amonah. “Começou com uma casa”, diz ele. “Agora veja quantas – vinte ou trinta – e o número cresce diariamente”.
Mesmo assim, o cervejeiro está otimista em relação ao plano do presidente palestino Mahmoud Abbas, de buscar reconhecimento da Palestina como um Estado independente em setembro. Khoury considera que uma pré-condição para a soberania aparentemente foi cumprida: em maio, o regime do Hammas em Gaza e o governo do Fatah em Ramallah, Cisjordânia, concordaram em se reunir. Khoury vê a tentativa de reconhecimento da ONU como um caminho alternativo ao impasse político e aos impedimentos impostos aos negócios e à vida das pessoas devido à ocupação. “Israel não pode controlar o mundo inteiro”, diz ele. Se a ONU afirmar a independência palestina na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, ele acredita que Israel será obrigada a implantar a decisão.
O otimismo empresarial pode estar fazendo Khoury otimista demais. As recentes estratégias palestinas para a independência – a idéia do premiê Fayyad, de que se um Estado for construído de baixo, o mundo irá reconhecer sua independência; a aposta do presidente Abbas, de fazer com que a ONU imponha a solução de dois Estados; o pacto de reconciliação Fatah-Hamas – são um misto de esperança e desespero. Abbas e outros moderados em Ramallah veem as negociações com Israel como mortas, e perderam a confiança de que o governo Obama irá revivê-las. Tanto o Fatah quanto o Hamas temem que a agitação no mundo árabe enfraqueça seu poder e se seguram na unidade para assegurar sua legitimidade.
Os políticos, também, estão procurando a saída.
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Ramallah, a capital de fato da Cisjordânia, fervilha. Gruas erguem esqueletos de prédios muito altos. Novas torres de apartamentos, escritórios e hotéis brotam das ruas principais. O estilo arquitetônico é o moderno do Oriente Médio – ângulos oblíquos e fachadas arredondadas com painéis de vidro azul armados sobre pedra amarela, cortada de modo rústico. As placas das ruas estão em árabe em inglês – Rua Edward Said, Rua Madre Tereza – e parecem ter chegado ontem da fábrica. Há muitos carros nas ruas estreitas e sinuosas. Alguns deles são negros, novos, enormes, e exibem as insígnias VIP dos dirigentes da Autoridade Palestina (AP). Letreiros anunciam operadoras de celulares concorrentes. Nas esquinas, perfilam-se duplas de policiais palestinos, em uniformes paramilitares verde-oliva – como publicidade viva da nova atmosfera de ordem. As calçadas próximas à Praça Manara, no centro, estão coalhadas de gente indo às compras.
Em um café, onde encontrei um homem de negócios que olha seu Blackberry, mulheres de uns vinte anos admiravam, na mesa ao lado, um laptop fúcsia. Uma tem os cabelos descobertos, a outra usa um hijab [lenço que cobre cabelos e pescoço, mas expõe a face] ultra-marinho que combina com sua sombra. O homem de negócios, Bashar Azzeh, de 31 anos, veste um blazer, sem gravata. É dono de uma empresa de consultoria e marketing em Ramallah e sócio de uma marmoraria e uma fábrica de calçados na área de Hebron.
Palestinos jovens – e a população palestina é incrivelmente jovem – “estão cansados”, diz ele. “Eles veem que a Segunda Intifada não deu muitos frutos. São mais propensos a uma abordagem não-violenta. Querem se focar mais em suas carreiras: encontrar um emprego, uma esposa, uma casa – o sonho palestino. E isso funcionou bem com a abordagem de Fayyad de construir um Estado”, diz Azzeh, pois o governo oferece garantias para empréstimos ao consumidor. “Ele dá esses empréstimos para construir casas, comprar carros, para casar”. O que está faltando, diz , é uma ajuda parecida para que jovens palestinos possam começar pequenos negócios.
Essa é uma parte do quebra-cabeças do legado de Fayyad como primeiro ministro. Ele criou uma ilusão – ou uma base concreta – para a soberania. Depende da pessoa que responde a essa pergunta, quais documentos você lê, quais parágrafos você destaca enquanto os examina.
Fayyad é outro que retornou após os acordos de Oslo. Sua família deixou a Cisjordânia em1968, rumando para a Jordânia. Após obter título de doutorado em economia na Universidade do Texas e de trabalhar para o Fundo Monetário Internacional em Washington, ele voltou para casa em 1995, como representante do FMI na Autoridade Palestina. Em junho de 2007, após o colapso da unidade entre Hamas e Fatah no governo, uma guerra civil brutal e a tomada do poder em Gaza pela Hamas, o presidente Abbas decretou um governo de emergência na Cisjordânia. Fayyad tornou-se primeiro ministro, misto de tecnocrata e autocrata. O parlamento palestino deixou de ser conveniente após a separação. Tanto o mandato de Abbas quanto o do Parlamento expiraram. Nenhuma eleição foi realizada. O governo de Fayyad continuou.
No ano que seguinte, a anarquia hobbesiana cidades da Cisjordânia, durante os dias da Intifada, foi superada. Os serviços de segurança da Autoridade Palestina e a polícia desarmaram as milícias, derrubaram o mercado de carros roubados, e preveniram ataques suicidas contra Israel. Aproveitaram a oportunidade para fechar os serviços de caridade do Hamas, que difundiam a mensagem da oposição. Oficiais de segurança palestinos e israelenses retomaram cooperação mais próxima. Dentro das instituições corruptas da Autoridade Palestina, Fayyad também tenta “limpar a casa”.
Em 2009, ele levou adiante suas ambições. Seu governo, anunciou ele, tornaria a Autoridade Palestina em um Estado funcional em dois anos. Com o “processo de paz” caminhando para lugar nenhum – Benjamin Netanyahu tornou-se primeiro ministro de Israel e o presidente norte-americano Barack Obama fracassou em obter a suspensão da construção de novos assentamentos – Fayyad disse que seu plano deveria ser recebido por Israel como “um fato que não pode ser ignorado”.
Num café, na parte antiga de Ramallah, o cientista político Abdel Majid Sweilem fala um árabe professoral e em ritmo medido, como se estivesse em frente de uma sala de aula na Universidade de Al-Quds. O estudioso ítalo-búlgaro vê Fayyad como um sucesso. Verdade, existem “membros caóticos do Fatah”, diz ele, que resistem às reformas do premiê. Mas como um resultado da estratégia do governo, diz ele, “nós nos liberamos da Intifada Al-Aqsa [referência à chamada Brigada de Mártires Al-Aqsa, um grupo palestino que, dizendo-se ligado à Fatah e não-fundamentalista, praticou diversos atentados com homens-bomba em Israel e na Palestina], dos bolsões de terrorismo e corrupção. “Agora, nós somos parte de uma legitimidade internacional, ao contrário de Israel”. Internamente, 90% dos cidadãos recebem assistência médica nas clínicas do governo. Os demais têm planos de saúde custeados por seus empregadores. Agora nós temos um website do ministério Fazenda que lista todas as receitas e despesas” diz Sweilem. A ajuda internacional caiu para 40% da receita – uma conquista que evidencia o o quão desesperada tem sido a situação financeira da Autoridade Palestina. A verba destinada a desenvolvimento ainda vem inteiramente de doações estrangeiras.
Como nota de rodapé à descrição acima, uma placa de pedra, na entrada do ministério da Educação, em Ramallah, lembra: “Este edifício foi financiado pelo Reino da Noruega – Ano 2002. Subindo as escadas, o controlador do ministério, Azzam Abu Baker, me mostra a cicatriz, tão grossa quanto um cabo de navio, em um de seus pulsos – sua lembrança por lutar para o Fatah contra o exército israelense no Líbano, três décadas atrás. Abu Baker chegou à Cisjordânia em 1994 com Yasser Arafat e seu grupo de funcionários da Organização pela Liberação da Palestina (OLP). Este burocrata corpulento e sociável acumula o cargo no ministério com o de membro do Comitê de Assuntos Internacionais da Fatah, responsável por assuntos árabes.
Segundo o ponto de vista de Abu Baker, o premiê Fayyad feriu o sistema educional da Autoridade Palestina. Por dois anos, os professores não receberam seus salários integrais. Também houve “intervenção nos serviços de segurança na contratação de professores”. Além disso, Fayyad retirou os carros oficiais dos altos dirigentes do ministério. Em consequência, reclama Abu Baker, o gabinete de Ramallah não pode manter contato com os escritórios locais. Enquanto isso, “ele mima os departamentos de segurança… [Fayyad] está mais interessado na segurança do que na educação”
Talvez a disputa sobre os carros oficiais simplesmente comprove a resistência da velha guarda do Fatah em relação à limpeza que Fayyad promove. Mas essa crítica às forças de segurança é compartilhada também por analistas independentes. Em um estudo publicado em fevereiro, o pesquisador palestino Yezid Sayigh, do King’s College em Londres, descrevia quão “tênue o controle civil sobre as agências de segurança se tornou” na Autoridade Palestina. Escreveu que tanto os grupos de direitos humanos quanto a mídia independente estavam sob ataque.
Fayyad, entretanto, obteve notas altas nas avaliações sobre seu desempenho na construção do Estado Palestino, em três avaliações feitas durante uma conferência das nações doadoras em Bruxelas, em abril. “A Autoridade Palestina continuou a fortalecer suas instituições, oferecer serviços públicos e promover reformas que outros Estados também lutam para promover”, diz um documento do Banco Mundial. O coordenador especial para a paz no Oriente Médio da ONU notou uma melhora na transparência financeira e na redução da corrupção. O FMI relatou que “a Autoridade Palestina agora é capaz de conduzir as políticas econômicas sadias que se espera para o bom funcionamento de um Estado no futuro”. Fayyad proclamou que os palestinos receberam uma “certidão de nascimento” para a soberania.
“Digamos que eu queira abrir uma indústria farmacêutica.
Israel poderá vetar a importação de matérias-primas. Ou barrar
entrada de um instrutor chinês que me ensinaria a operar uma máquina”
O Banco Mundial também notou que o crescimento econômico na Cisjordânia e na Faixa de Gaza chegou a 9,3% no ano passado. Esse fato ajuda a explicar a agitação em Ramallah, mas é apenas uma introdução a más notícias: o crescimento foi “principalmente conduzido pelas doações” e “não parece sustentável”. O crescimento rápido é construído com doações internacionais, e Fayyad tem fama de ser habilidoso em captar recursos.
Em teoria, os frutos do trabalho de Fayyad – cidades mais seguras, menos corrupção nos ministérios, melhores estradas – devem ajudar o crescimento do setor produtivo. Até agora, isso não acontece. O empreendedor Bashar Azzeh está fora dos limites dessa construção do Estado: a Autoridade Palestina administra apenas 40% da Cisjordâina, que consiste nas partes mais densamente povoadas e é designada em áreas A e B, segundo os acordos de Oslo. A terra necessária para a indústria pesada está na área C, ainda governada por Israel. Para construir uma fábrica de concreto, um investidor precisaria de uma autorização para um negócio que competiria diretamente com os produtos de Israel. Em vez disso, Azzeh diz, “todo o nosso cimento vem de Israel”
Abrir indústrias de luz nas áreas A e B é possível em teoria, diz Azzeh. “Mas vamos dizer que você queira abrir uma companhia farmacêutica. Haveria problemas para importar produtos químicos” definidos por Israel como de “uso duplo” — capazes de servir para produção de armas e de medicamentos. Se você comprar uma máquina de U$ 5 milhões da China, diz ele, você precisará da permissão de Israel para trazer um especialista para mostrar como utilizar essa máquina. Além dessas dificuldades, podemos adicionar a necessidade de exportar via Israel. No final das contas, nas palavras de Azzeh, “eu não tenho soberania sobre minhas fronteiras”.
A campanha de Fayyad para criar um Estado funcional colidiu com a ocupação. O veto dos Estados Unidos, em fevereiro, a uma resolução do Conselho de Segurança da ONU condenando os assentamentos israelenses “colocou o último prego no caixão do plano de Fayyad”, diz Mouin Rabbani, um analista palestino baseado em Aman, Jordânia. Em Ramallah, o veto confirmou que a visão de Washington é parte do problema, não da solução. Isso deixou poucas esperanças de que os Estados Unidos reconheceriam um Estado estabelecido sem o acordo de Israel. Essa conclusão ajuda a explicar a aposta de Abbas no reconhecimento da ONU e o acordo de unidade entre o Fatah e o Hamas.
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Se Fayyad esperava construir um estado de baixo, Abbas sempre procurou fazê-lo de cima, através de negociações internacionais, diz Menachem Klein, da Universidade Bar-Ilan, uma escola superior de política palestina. Abbas viu a Segunda Intifada como um desastre para os palestinos, disse ele. Além disso, Klein enfatiza, “Abbas se opõe fortemente à resistência civil não-violenta”, que ele acredita levar inevitavelmente à violência.
Desde que sucedeu Arafat como presidente da Autoridade Palestina, em 2005, Abbas tentou negociar a independência. Conversações entre ele e o primeiro ministro de Israel, Ehud Olmert, chegaram perto de produzir um acordo em 2008. Para o vice-primeiro ministro israelense, Dan Meridor, Olmert fez, em dado momento, “uma oferta irrecusável”. Israel concederia toda a Cisjordânia, menos 4% — que seriam trocados por um território de iguais dimensões em Israel, segundo a imprensa. As áreas sagradas de Jerusalém seriam controladas internacionalmente.
Abbas “desapareceu desde então”, diz o vicê-premiê israelense. Talvez – sempre segundo ele — por relutar em assinar o fim de todas as disputas, por ser incapaz de admitir que o sonho da OLP (recuperar toda a Palestina) falhou, ou com medo de confrontar o Hamas. Meridor ocupa um pequena escritório, dois andares abaixo do escritório de Netanyahu, em Jerusalém. É a figura mais moderada no partido do premiê. Diz defender a busca, por Israel, de um acordo capaz de criar dois Estados; mas julga difícil os palestinos aceitarem
Em Ramallah, menos de 15 quilômetros ao norte, enquanto o helicóptero voa, Gjassan Khatib, porta-voz do governo palestino, apresenta outra versão sobre os mesmos eventos. Seu bigode grisalho é aparado com tanto esmero quanto há no nó de sua gravata azul. Ele é membro do Partido Popular, sucessor do Partido Comunista Palestino, conhecido por ser a facção que nunca teve um braço armado. Sua expressão parece ligeiramente interrogativa, como se ele ainda não estivesse seguro sobre como caiu no centro desse conflito louco.
Olmert fez propostas, diz ele, e o lado palestino respondeu. Mas “o processo foi interrompido pela ausência de Olmert” — uma maneira delicada de dizer que o líder de Israel deixou seu posto sob múltiplas acusações de corrupção. Quando Netanyahu tomou posse, “o novo governo se recusou a dar continuidade ao que já havia sido acordado” Khatib afirma. O significado dessas duas versões, igualmente incompletas, é que ambos os lados estão certos de que um acordo quase se concretizou; que cada um, como sempre, está convencido de que o outro boicotou essa possibilidade.
Mesmo assim, Khatib diz, os palestinos continuaram negociando – por meio dos norte-americanos, e depois diretamente — até setembro do ano passado, quando Netanyahu retomou a construção de assentamentos em terras palestinas. “Você não pode negociar com uma parte que está ocupada em determinar unilateralmente, através da força, o seu futuro”, argumenta. Khatib está envolvido em conversas de paz há vinte anos. “A única coisa concreta” a que o processo de Oslo levou, ele lamenta, foi “dobrar o tamanho dos assentamentos”. O presidente Obama “teve um começo promissor” quando pressionou por um acordo de paz, mas em seguida desapontou as expectativas palestinas. Como as negociações bilaterais falharam, diz ele, “nós vamos à ONU” em setembro “e pediremos que a comunidade internacional se responsabilize” por dar um fim à ocupação.
É uma aposta bastante arriscada. Para aceitar a Palestina como um membro da ONU ou aprovar qualquer ação da ONU, é necessário um voto do Conselho de Segurança. Um veto estadunidense é praticamente certo. Um voto da Assembléia Geral é declaratório — não precisa ser obrigatoriamente aceito. Ressalve-se um precedente de 1950, durante a Guerra da Coreia, que permite à Assembleia Geral passar resoluções recomendando mais fortemente que os Estados-membros tomem ação coletiva — inclusive impondo sanções à Israel.
Na hipótese mais provável — uma grande maioria da Assembleia Geral a favor da soberania — ninguém sabe o que aconteceria no dia seguinte, na Cisjordânia. A vida deve continuar, com responsáveis de segurança palestinos e israelenses ainda se encontrando e compradores lotando o centro de Ramallah. É previsível que Israel reprima a Autoridade Palestina com prisões e bloqueios renovados. É previsível que a sociedade palestina, frente a esperanças partidas, vá às ruas contra Israel ou contra sua própria liderança, de forma pacífica ou violenta.
Na arena internacional, Israel poderia encontrar-se significativamente mais isolado. Depois de um voto reconhecendo a Palestina, com as fronteiras definidas nos acordos pré-1967, argumenta Sweilen, o cientista político ítalo-búlgaro, o tema das negociações “já não será sobre as fronteiras do Estado Palestino, mas sobre os mecanismos para estabelecer a paz”.
“Vai haver um custo político para os Estados Unidos” se lançarem um veto”, diz Khatib, o porta-voz palestino. “Eles terão que explicar como podem apoiar apelos à liberdade no resto do mundo e negar esse direito aos palestinos”. O veto dos Estados Unidos, em fevereiro, contradisse embaraçosamente a posição de Washington contra os assentamentos. Um veto à soberania seria outra situação embaraçosa, dado que a política declarada pelos Estados Unidos é de apoio à solução de dois Estados.
O desconforto dos EUA também aumentaria se a maioria dos países europeus votasse a favor dos palestinos. Na tentativa de alinhar os votos europeus, Netanyahu e Abbas tornaram-se rivais nas capitais europeias. Desde que tomou posse, Netanyahu trata Abbas não como um parceiro de paz, mas como um competidor pela simpatia ocidental. Abbas está respondendo da mesma forma. Uma leitura dessa estratégia é que ele está cortejando Barack Obama: fazer algo, apresentar seu plano, antes de transtornar as coisas. Outra leitura é que ele desistiu de Obama.
A última leitura se encaixa na decisão de buscar a reconciliação com o Hamas. O acordo deveria levar a um governo de unidade composto por tecnocratas e eleições em um ano. A inquietação americana sobre uma aliança com islâmicos de uma linha mais dura tornou-se menos relevante. Para Abbas, pesa mais livrar-se da crítica segundo a qual ele representa apenas metade dos palestinos.
A unidade “vai ajudá-lo a ir à ONU. De outra forma, todos vão dizer: ‘como podemos reconhecê-los, se vocês nem conseguem se unir?’ frisa Ayman Daraghmeh, um membro independente do Parlamento palestino. Daraghmeh, um bioquímico educado na Universidade de Delhi, compartilha um escritório com legisladores do Hamas em um edifício em Ramallah chamado Mecca Center. “O próprio Netanyahu disse a Abbas: ‘com quem eu devo negociar, com você ou com o Hamas? Vocês não estão unidos’”, conta Daraghmeh. “E quando Abbas promoveu a unidade, Netanyahu “advertiu-o”: “ou paz com Israel ou relação com o Hamas”…
A Primavera Árabe produziu um empurrão ainda maior para um acordo de unidade. O consenso em Ramallah, além das linhas políticas, é de que o Egito pós-revolucionário é um padrinho menos confiárvel para o Fatah; e que a Síria deixou de ser um abrigo amistoso para o Hamas e seu quartel-general. “A Fraternidade Muçulmana Internacional e a Fraternidade Muçulmana da Síria apoiam a revolução contra o presidente Bashar al-Assad”, explica Abu Baker, o expert em assuntos árabes da Fatah. Como o Hamas “é um ramo da Fraternidade Muçulmana, ele não pode permanecer em Damasco”, diz Baker. “Ele não é capaz de conciliar o dia com a noite”.
Tanto em Gaza quanto na Cisjordânia, jovens educados e insatisfeitos fizeram da divisão entre líderes do Hamas e do Fatah seu primeiro alvo para a mudança política. “O povo exige o fim da divisão”, entoaram os jovens em Ramallah, Gaza e outras cidades, em manifestações divulgadas pelo Facebook a partir de 15 de março. O jovem empreendedor Bashar Azzeh ajudou a organizar os atos, mais insiste em que não é um líder — na verdade, o movimento 15 de Março tem “Facebook, Twitter, emails e encontros, não líderes”. Ele prossegue: “Estamos superando o tema de liderança”, num claro desafio aos apparatchiks envelhecidos e às facções palestinas tradicionais.
Numericamente, os protestos pareceram pequenos. Apenas 2 mil pessoas saíram às ruas em Ramallah, em 15 de março. Em Belém, dois dias depois, encontrei apenas algumas dezenas de manifestantes reunidos numa tenda, na praça Manger, decorada com um mapa que mostrava a Palestina dividida em duas. Mas as manifestações assustaram os líderes das facções. “Todos temem o futuro”, diz um membro do Parlamento palestino. “O que ocorreu no Cairo foi um tsunami”.
O acordo de unidade assinado em maio era apenas um esqueleto básico. Ninguém sabe se ele sobreviverá à formação de um novo governo ou como o governo lidará com serviços de segurança distintos — um dirigido pelo Hamas, em Gaza; outro pelo Fatah, na Cisjordância. Khatib afirma que o Hamas aceitou a posição da OLP, de honrar os acordos com Israel. Também isso precisa ser testado. Para o movimento 15 de Março, Azzeh sublinha, a unidade era apenas um meio para o verdadeiro fim: acabar com a ocupação. “Ainda vivemos em guetos. Não temos uma moeda”, ele diz. “Precisamos de nossas próprias fronteiras”. A reconciliação é apenas parte de uma aposta maior.
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Há uma segunda Cisjordânia. Seus habitantes judeus chamam-na de Judeia e Samária, ou Yesha, um acrônimo que expressa a palavra hebraica “redenção”. Avi Roe vive e trabalha la, como membro do Conselho Regional de Mateh Binyamin, o governo local de um grupo de colônias a norte de Jerusalém. Próximo à sede do conselho, na colônia de Psagot, novos prédios de apartamentos estão sendo erguidos. Os moradores terão, abaixo de si, uma excelente vista de Ramallah.
Mapas e fotos aéreas dos assentamentos cobrem as paredes do escritório de Roe. Com a luz vermelha de uma caneta laser, ele indica as comunidades em que as construções estão em curso. Mais de 800 apartamentos estão sendo construídos em Mateh Binyamin, diz. Dado o tamanho das famílias de colonizadores, isso poderia significar um aumento de 10% na população do conselho, de 53 mil. Construir apartamentos, ele diz, significa aceitar o sacrifício de um modo de vida suburbano, para trazer mais pessoas e fixar raízes.
Se os palestinos declararem unilateralmente a independência, Roe diz, Israel deveria responder unilateralmente, “afirmando a anexação da Judeia e Samária a seu território”. Os moradores árabes, em sua concepção, poderiam se tornar cidadãos à condição de “provar sua lealdade ao Estado e seus valores” — uma expressão em código para dizer que eles deveriam jurar fidelidade a Israel como Estado judeu. Roy acredita que é um erro preocupar-se com “o que a ONU diz”. Há não muito tempo, ele explica, os judeus “tentaram integrar-se em outros países, especialmente na Europa e perceberam, durante o Holocausto, que não seriam aceitos pelos demais”. A partir deste fato, ele conclui que os judeus deveriam cuidar de si mesmos, sem preocupar-se com aprovação internacional.
Os colonizadores são uma parte volátil do apoio a Netanyahu. Eles têm influência – aparentemente, mais que o moderado Meridor – mas não definem diretamente as políticas do governo. O vice-premiê Moshe Ya’alon, o número 2 de Netanyahu e um ex-chefe militar, pode oferecer um panorama melhor do pensamento oficial.
Com suas bochechas grossas e óculos, Ya’alon parece um homem comum. O soco forte na mesa, que pontua suas sentenças, corresponde melhor à imagem de um ex-general. Sob as regras atuais, ele diz, um voto na Assembleia da ONU em favor do Estado Palestino, seria “desagradável, não terrível”. Mas uma recomendação mais forte poderia criar, segundo o precedente de 1950, uma “entidade hostil e falida” na Cisjordânia, outro “Hamastão” como o de Gaza, afirma Ya’alon. Os esforços diplomáticos de Israel na Europa estariam voltados para prevenir isso…
Ele é muito menos confiante na diplomacia com os palestinos. os 18 anos desde os Acordos de Oslo teriam ensinado, diz Ya’alon, que “não temos um parceiro interessado em alcançar o fim do conflito”. Por isso, antes de negociar assuntos objetivos, ele prossegue, o governo Netanyahu pede respostas aos palestinos: sobre sua disposição de reconhecer Israel “como o Estado-Nação do povo judeu”; sobre a renúncia a todas as queixas contra Israel; e sobre a garantia de que todas as preocupações de Israel com segurança serão sanadas.
Tais preocupações, ele especifica, incluem o controle, por Israel, da fronteira entre a Cisjordânia e a Jordânia. Depois que Israel deixou Gaza, ele considera, armas iranianas passaram a entrar, pela fronteira com o Egito. Em resumo, o que aparece, aos olhos do ministro Ya’alon, como a pré-condição pragmática para a independência da Palestina significa negar o que os próprios palestinos veem como condição básica de um Estado: soberania sobre as fronteiras
Ya’alon rejeita a ideia de Roe, que quer anexar a Cisjordânia. “Não temos interesse algum em governar os palestinos”, ele diz. “Não temos interesse algum em fazê-los cidadãos de Israel… Queremos nos separar deles”. Mas se os palestinos agirem unilateralmente, “isso nos fará pensar sobre passos unilaterais”. Os Acordos de Oslo, diz Ya’alon, iriam se tornar “irrelevantes”, assim como os compromissos de autorizar os palestinos a trabalhar em Israel. “Nós fornecemos eletricidade e água para os palestinos”, diz ele. “Se estivermos diante de uma entidade hostil, teremos de pesar os passos… capazes de inviabilizar tal entidade”
Os dois lados podem brincar de gato e rato, diz Ya’alon. E à medida em que a Assembleia Geral se aproxima, ambos podem defender suas posições junto a governos estrangeiros, ao invés de conversar entre si.
Na cervejaria próxima a sua casa, Nadim Khoury está instalando seis novos tanques, que lhe permitirão dobrar a produção atual, de 600 mil litros anuais.
“Estou muito otimista”, ele me diz. “Você pode me dizer quantos países ocupados ainda existem no mundo? Isso não pode durar para sempre”. Sua meia-irmã Maria, nascida na Grécia, me convida a voltar para o Oktoberfest de Taybeh. É logo agora. Eles estão apostando num caminho de entrada, numa saída.
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